Em 2010, população metropolitana era de 835.816 habitantes; em 2022, concentrava 932.210 pessoas
Por Sarah Lúcia Alves França*
Viviane Luise de Jesus Almeida**
Catarina Carvalho Santos Melo***
A divulgação dos primeiros resultados do Censo Demográfico de 2022 do IBGE, com dados sobre população e domicílios, aponta mudanças significativas no cenário da Região Metropolitana de Aracaju (RMA), em Sergipe, durante os últimos 12 anos.
Desde 1995, a RMA é constituída pela capital Aracaju, Barra dos Coqueiros, Nossa Senhora do Socorro e São Cristóvão, sendo considerada o maior polo urbano de Sergipe, uma vez que concentra o maior volume de população e de domicílios urbanos, além das maiores taxas de emprego.
Em 2010, a população metropolitana era de 835.816 habitantes, enquanto em 2022 concentrava 932.210 pessoas, representando um crescimento relativo de 11%. Além disso, seus moradores compõem quase metade da população sergipana.
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Somente Aracaju concentra 55% dos moradores da RMA, representando a maior população metropolitana, seguida do município de Nossa Senhora do Socorro, com 21% do total.
A disparidade populacional entre os municípios se deu, especialmente, pela maior concentração de oportunidades urbanas na capital do estado, isto é, maiores taxas de emprego, oferta de domicílios, comércios e serviços, infraestrutura urbana e serviços públicos. Em contrapartida, é importante destacar que a formação metropolitana eclodiu no final do século XX, decorrente da implementação de programas habitacionais, como o Banco Nacional de Habitação, espraiando essas cidades num modelo de conexão com a capital, formando núcleos urbanos desarticulados de suas sedes, especialmente em Nossa Senhora do Socorro e São Cristóvão. Nesses últimos anos, de forma semelhante, o Programa Minha Casa Minha Vida foi responsável por subsidiar empreendimentos nas franjas urbanas, abrindo frentes de expansão, fortalecendo, assim, o fenômeno metropolitano em Sergipe.
População de Aracaju cresceu 5,53%, o menor índice da RMA; já Barra dos Coqueiros quase dobrou
Em relação ao crescimento populacional entre os anos de 2010 e 2022, na capital do estado, Aracaju, foi contabilizado apenas 5,53%, o menor índice da RMA. Por outro lado, Barra dos Coqueiros teve o maior aumento populacional, correspondendo a uma variação de 66,20%, marcado após a construção da ponte Construtor João Alves. Já São Cristóvão e Nossa Senhora do Socorro obtiveram um aumento de 21,23% e 19,58%, respectivamente. De fato, esta situação também ocorre em outras regiões metropolitanas em que o núcleo central apresenta menor crescimento, tendo em vista o alto valor da terra e a ocupação dos terrenos com atividades econômicas, enquanto nos municípios vizinhos a população cresce mais, desencadeando processos de periferização da moradia de baixa renda e a segregação social em empreendimentos horizontais fechados, afastados do "caos urbano".
Assim, é importante destacar o município da Barra dos Coqueiros, uma vez que sua população quase dobrou. Apesar de ser o menor em área territorial na RMA, na última década foi acentuado o fenômeno da construção de condomínios fechados às margens da faixa litorânea, replicando as práticas da Zona de Expansão Urbana de Aracaju, interrompidas através de uma Ação Civil Pública da Justiça Federal.
Número de domicílios da RMA aumentou 46% em 12 anos
Os domicílios da RMA também obtiveram um aumento representativo nesses últimos 12 anos. Em 2010, foram contabilizados quase 300 mil domicílios particulares permanentes, enquanto em 2022 esse número atingiu mais de 400 mil, um crescimento de quase 46%. Assim como sua população, esse número é expressivo no estado, uma vez que representa 41% dos domicílios de Sergipe, contabilizando o total de 1.007.165.
Esse elevado aumento de moradias se deve à ação representativa do mercado imobiliário nas últimas décadas, a partir de 2009, com a injeção de recursos oriundos do Governo Federal, especialmente com o Programa Minha Casa Minha Vida e o Programa de Aceleração do Crescimento. De acordo com as autoras Sarah França, Viviane Almeida e Catharina Cruz, no livro Reforma Urbana e Direito à Cidade de Aracaju (REURDC), na RMA, entre 2000 e 2020 foram construídas aproximadamente 163 mil novas moradias, 23% dos domicílios de 2022.
Cabe também destacar que o Censo divide os domicílios em duas categorias: permanentes ocupados e permanentes não-ocupados, sendo este último subdividido em domicílios de uso ocasional, geralmente caracterizados pela segunda residência, comumente conhecida por casa de praia e/ou veraneio, sítios para passeio etc., e por domicílios não-ocupados vagos, ou seja, residências totalmente vazias. Assim, foram contabilizados quase 80 mil domicílios não-ocupados, sendo que 23 mil têm uso ocasional, e cerca de 57 mil estão vagos.
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Somente na capital, somam-se 48 mil domicílios particulares não-ocupados. Destes, quase 35 mil estão vagos. Nos demais municípios da RMA, Nossa Senhora do Socorro apresenta o segundo maior número de domicílios desocupados, chegando a cerca de 16 mil, seguido de São Cristóvão e Barra dos Coqueiros.
A presença de domicílios vazios é, na maioria das vezes, consequência do processo desacelerado de expansão urbana, esvaziamento dos centros, e do boom imobiliário nas áreas litorâneas, provocando novas construções e difundindo, através das estratégias de marketing, a necessidade da ‘segunda casa’. Além disso, é importante considerar a cultura da supervalorização do novo na contemporaneidade, quando se despreza construções históricas e antigas, em prol da facilidade dos novos empreendimentos.
Ainda é importante salientar a relação dos domicílios vazios com o déficit habitacional, uma vez que há a necessidade de estoque de moradias. Na metrópole Aracaju, conforme dados da Fundação João Pinheiro, em 2019, o déficit habitacional total absoluto era de 36 mil domicílios, 20 mil a menos que o número de domicílios vazios. Isso abre possibilidade para o debate desses domicílios serem considerados nas estratégias de redução do déficit habitacional, apesar da complexidade do problema da moradia, e, portanto, sua solução não deve ser resumida a uma simples conta matemática, uma vez que envolve problemas jurídicos e uma série de outras análises técnicas. Entretanto, é um cenário revelador da grande potencialidade da RMA de utilização das construções já existentes, para uma tão sonhada reforma urbana e garantia do direito à moradia para quem mais precisa.
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Por fim, cabe considerar que a divulgação dos primeiros dados do Censo Demográfico de 2022 carece de estudos e análises indispensáveis para entender o cenário atual da RMA. No entanto, esses resultados provocam alguns questionamentos, que devem ser aprofundados, quando todos os dados forem publicados: 1) Qual a atual configuração espacial metropolitana? 2) Como se dá o fluxo diário dentro da metrópole? E a partir de qual meio de transporte as pessoas mais se deslocam? 3) Quais são os motivos pelos quais as famílias estão se mudando da capital para condomínios fechados dos demais municípios? 4) O que levou ao aumento do número de imóveis desocupados? 5) Qual a influência da pandemia nesse processo? 6) Houve aumento no número de assentamentos precários? 7) Houve alteração na renda média salarial das famílias residentes? 8) Como está a disparidade socioeconômica e racial no espaço metropolitano? Ou seja, onde mora a população negra e mais pobre?
De fato, a divulgação dos primeiros dados do Censo traz mais perguntas que respostas, mas essas questões são o combustível para o avanço e produção do conhecimento, especialmente pela comunidade científica, que segue ansiosa pelas próximas divulgações do IBGE.
*Sarah Lúcia Alves França é professora dra. adjunta do Departamento de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe (UFS), coordenadora do Núcleo Aracaju do Observatório das Metrópoles.
**Viviane Luise de Jesus Almeida é arquiteta e urbanista, pesquisadora e bolsista do Núcleo Aracaju do Observatório das Metrópoles.
***Catarina Carvalho Santos Melo é arquiteta e urbanista, pesquisadora e bolsista do Núcleo Aracaju do Observatório das Metrópoles.
****Este é um texto de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Chagas