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Pela primeira vez com curadores negros, Bienal traz Ocupação 9 de julho para maior mostra de arte latinoamericana

Até dezembro, público pode conhecer gastronomia e história do movimento que há 26 anos ocupa prédio no centro de SP

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Cozinha da Ocupação foi grande chamariz para atrair movimento para Bienal - Foto: Edouard Fraipont

São quase 30 anos desafiando a lógica do mercado imobiliário na maior cidade do país, resistindo a ordens de despejo e a prisão de lideranças do movimento.

Mas, este ano, a Ocupação 9 de Julho conquistou um local de prestígio na maior mostra de arte contemporânea da América Latina.

São três espaços na 35ª Bienal de Artes de São Paulo, evento iniciado em 6 de setembro e que se estende até 10 de dezembro no parque Ibirapuera, na Zona Sul da capital paulista.

As mais de mil obras expostas na Bienal estão disponíveis para visitação de terça-feira a domingo, das 10h às 19h, com horário estendido às quintas-feiras e aos sábado. A entrada é gratuita. 

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O convite para participar da mostra teve forte influência por conta do sucesso da Cozinha da Ocupação 9 de Julho, referência gastronômica da cidade, tanto pelo preço como pela qualidade e sabor dos alimentos. Quem visitar os espaços do movimento dentro da Bienal poderá conhecer dos pratos que, semanalmente, são oferecidos na Ocupação.

Mas, para Carmen Silva Ferreira, fundadora do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), o que a ocupação faz, sua militância e resistência, já é uma forma digna de arte.

“Ocupar sempre foi uma arte. Dar função social a espaços sempre foi arte e ocupar pela porta da frente, essa é a grande diferença, ocupar com diálogos”.

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Confira a reportagem em vídeo:

O local da ocupação está no coração de São Paulo. O prédio é uma antiga sede do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) e foi ocupado em 1997, após passar 20 anos abandonado. 

A convite da Ocupação, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) também garantiu um lugar dentro da Bienal, com uma tenda do Armazém do Campo.

Bienal negra

A presença de movimentos populares na Bienal está diretamente relacionada à curadoria do evento.

Pela primeira vez, trata-se de um coletivo formado por quatro pessoa: Grada Kilomba, Hélio Menezes, Diana Lima e Manuel Borja-Villel.

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É a primeira vez, também, que pessoas negras ocupam esse espaço.

Segundo Borja-Villel, o título da mostra deste ano, Coreografias do Impossível, foi escolhida num tom esperançoso, fazendo referência, justamente, às coreografias, ou ações, articuladas por movimentos populares.

“[Esta edição da Bienal] trata sobre quem decide quais coisas são possíveis e quais não, mas também trata sobre esperança", comenta o crítico de arte.

"No sentido de que sabemos que existem forças de ultradireita, que o neoliberalismo penetra tudo. Mas, ao mesmo tempo, existem coletivos, indivíduos, movimentos afrodescendentes, feministas, indígenas e que são muito potentes e estes movimentos estão gerando outro tipos de prática poéticas, outras formas de relações sociais, de relações econômicas e com o planeta”.

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Segundo a curadoria, 80% das obras escolhidas são de artistas não brancos. Borja-Villel explica que não se trata de cotas.

“Existe uma maioria de artistas não brancos, mas isso não é por conta de cotas. Isso é um resultado praticamente óbvio", afirma.

Segundo o crítico, é importante uma visão internacionalista sobre a luta anticolonialista.

"É importante que existam artistas afrodescendentes, mas que também existam artistas do mundo árabe. Este mundo imperial tem a ver com América, mas também com África, com o desaparecimento do Império Otomano. Tem a ver com o fato de Europa ter repartido África e também Síria, tem a ver com uma espécie de guerra civil global permanente que há muitos anos dura”.

O chef de cozinha Joceval Santos foi convidado pela Ocupação 9 de Julho para abrir os trabalhos da Cozinha. Ele esteve presente no primeiro final de semana da Bienal.


Equipe da Ocupação responsável por montar o espaço do movimento na Bienal / Foto: Edouard Fraipont

 “A gente não tá querendo ocupar um espaço que não é nosso, é ocupar um espaço de todos. A Bienal, então, muitas vezes a gente não se sentia representado, não se representava. E hoje, neste momento, a gente tá tendo essa oportunidade”, comemora.

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Carmen Ferreira concorda. Para ela, a chegada à Bienal é apenas o reconhecimento de um trabalho que vem sendo construído desde 1997, quando a Ocupação começou no Centro de São Paulo.

“Isso é uma consequência. Para nós, por tudo que a gente já passou enquanto movimento social, ser criminalizado… Para nós, é um reconhecimento do nosso mérito”, define.

Edição: Rodrigo Chagas