A população da Região Metropolitana de Goiânia (RMG) está entre as que mais crescem no Brasil
Por Marcos Bittar Haddad,
Celene Cunha Monteiro Antunes Barreira,
Yordana Dias das Neves Naciff,
Aristides Moysés
Os primeiros dados do Censo 2022 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam tendências já evidenciadas em outras pesquisas populacionais, e ainda em censos anteriores. Confirmou-se que a população da Região Metropolitana de Goiânia (RMG) está entre as que mais crescem no Brasil, em comparação com outras metrópoles, enquanto algumas reduziram de tamanho. A RMG apresentou a segunda maior taxa média geométrica de crescimento anual da população residente, no período entre 2010 e 2022, que foi de 1,49% ao ano, atrás apenas de Florianópolis (SC), que apresentou crescimento de 2,47%.
Esse processo pode se justificar pelas condições de vida nas aglomerações maiores que levam a população a preferir residir em localidades onde possam encontrar melhor qualidade de vida, e ainda pelo fator econômico. Nas cidades maiores, os imóveis se valorizam mais rapidamente, o que motiva a venda para aquisição de outros. Em regiões de menor valor, o que torna possível, em alguns casos, é a aquisição de imóvel melhor ou, até mesmo, adquirir mais de um imóvel para a família.
Principalmente no que se refere à qualidade de vida, este processo deixa um importante, senão o principal recado do Censo para os formuladores das políticas públicas: a falta de planejamento urbano promove baixa qualidade de vida e afugenta populações. Ao mesmo tempo, o aumento de população, em determinadas cidades, mesmo que dentro da própria Região Metropolitana, vai requerer planejamento para acomodar a nova população. Na RMG observou-se que o crescimento das cidades maiores, como Goiânia e Aparecida de Goiânia, permaneceu estável. Enquanto cidades menores cresceram exponencialmente, como será abordado a seguir.
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População da RMG expandiu 19,35%
No caso de Goiás, em especial, são duas aglomerações urbanas que lideraram o crescimento entre as demais regiões brasileiras. Além da RMG, a conurbação urbana que envolve a região que inclui o Distrito Federal (DF) também ficou no topo do crescimento, e foi a terceira que mais cresceu, conforme apurado pelo Censo 2022 (1,16%). Assim, o desafio para os governantes, tanto estadual como as prefeituras de cidades pertencentes às regiões metropolitanas¹, consiste em realizar o melhor planejamento destes territórios.
Particularmente na RMG, três cidades obtiveram destaque nacional, pelo tamanho do crescimento que apresentaram em relação ao censo anterior. No total, a população da RMG expandiu 19,35%, sendo que as cidades de Abadia de Goiás, Goianira e Senador Canedo apresentaram crescimentos exorbitantes de 178,18%, 111,15% e 84,31%, respectivamente. A Tabela 1 apresenta os dados populacionais do Censo 2022 comparados com o Censo 2010, por ordem decrescente das 21 cidades que compõem a RMG.
Senador Canedo, na RMG, é a cidade que mais cresceu no Brasil
Senador Canedo, que foi a cidade divulgada, tanto pelas mídias locais como nacionais, como a cidade que mais cresceu no Brasil, possui território imediatamente conectado com Goiânia e, naturalmente, cresce por abrigar a população que se extravasa à capital. A cidade apresenta destaque no crescimento de sua população e merece atenção sobre a sua economia. De acordo com o Instituto Mauro Borges (IMB)², o Produto Interno Bruto (PIB) de Senador Canedo, que em 2010 era o sexto maior de Goiás, em 2020 caiu para o nono lugar. Ou seja, ao contrário de sua população, a produção reduziu. A hipótese mais provável é que parte de sua população exerça atividades produtivas na capital ou em outras cidades da RMG, uma vez que a cidade se conecta diretamente, além de Goiânia, também com Aparecida de Goiânia. Assim, o processo de concentração produtiva continua sendo exercido pelas duas maiores cidades da RMG.
Entre os dez maiores municípios goianos, em relação ao valor agregado da indústria, Senador Canedo não aparecia na relação de 2010, mas em 2020 ocupou a nona posição entre os municípios mais industrializados de Goiás. Os destaques da indústria presente no município são de transformação, nos segmentos farmacêuticos e químicos (IMB, 2020). Quanto ao setor de serviços, segmento que representa a maior participação da economia goiana, em 2019, Senador Canedo não aparecia entre os dez maiores do estado, mas passou a constar desta lista em 2020, assumindo a 10ª posição, que antes era ocupada por Caldas Novas³. O destaque em relação ao setor de serviços, em Senador Canedo, são os imobiliários e, inclusive, em 2019, foi a única cidade da RMG a apresentar crescimento neste segmento. Na cidade, principalmente na parte que se conecta com a região sul e leste de Goiânia, as terras foram destinadas à fixação de condomínios fechados no estilo chácara, e para onde tem se mudado parte da população de alta renda da RMG. Entretanto, no núcleo urbano contíguo e compacto, predomina o tipo de construção padrão da classe média baixa onde residem trabalhadores.
Abadia de Goiás (sul) e Goianira (oeste) também são municípios adjacentes à Goiânia, que recebem a população que transborda no já bastante ocupado território da capital. Porém, como pequenos municípios, não chamam a atenção da mídia. São núcleos onde os loteamentos e empreendimentos populares surgiram em grande quantidade e atraíram população pelo valor mais baixo que na capital e, ainda, pela facilidade de aquisição ou locação. Nestas duas cidades, as atividades econômicas, assim como em Senador Canedo, não apresentaram o mesmo crescimento que suas populações.
Em 2010, Abadia de Goiás ocupava a 158ª colocação de geração de riqueza entre os 246 municípios goianos, e em 2020 apareceu na 100ª posição. O destaque na sua produção são os serviços que chegam a ser três vezes maior que o segundo segmento, que em 2010 era a agropecuária, e em 2020 passou a ser a indústria.
Por sua vez, Goianira já foi destaque por abrigar um polo calçadista, na década de 1990, mas que não prosperou. Em 2010, ocupava a 58ª posição no PIB goiano, com destaque para os serviços, seguido da indústria. Em 2020, ocupou a 48ª colocação, tendo os serviços superados a indústria em quase três vezes.
Estas cidades que circundam Goiânia abrigam empresas que realizam serviços na capital, mas mantêm seus cadastros nas cidades que possuem carga fiscal menor. Realidade que está presente em quase todas as regiões metropolitanas. Os municípios de Senador Canedo, Abadia de Goiás e Goianira, mesmo tendo apresentado expressivo crescimento populacional, demonstrado no Censo 2022, ainda podem ser enquadrados no conceito de cidades dormitórios. Como Goiânia e Aparecida de Goiânia crescem rapidamente, as pessoas migram para estas cidades menores e próximas incentivadas pelo valor mais acessível dos imóveis e dos aluguéis, na busca de economizarem com moradia. Mas exercem suas atividades produtivas nas cidades maiores.
De acordo com o Censo 2022, Goiânia cresceu 10,39% e Aparecida de Goiânia, a segunda cidade mais populosa de Goiás, cresceu 15,78%. Dos 21 municípios que compõem a RMG (em 2010 eram 20), cinco municípios apresentaram crescimento acima de 50% (Tabela 1), sendo que a já mencionada Abadia de Goiás, cresceu três vezes em relação a 2010.
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Número de domicílios em Abadia de Goiás cresceu 197,50%
Abadia de Goiás também foi o município brasileiro que apresentou o mais elevado crescimento no número de domicílios. De 2.644, em 2010, passou para 7.866 domicílios em 2022, crescimento de 197,50%. Possivelmente, a população que foi ocupar estes domicílios tenha saído de Goiânia, considerada saturada para quem deseja um modo de vida mais tranquilo, com ar interiorano, como é a tradição goiana. Outra hipótese é que, em Abadia, a expansão na construção de novos domicílios tenha sido motivada pelos empreendimentos do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) que foram implementados em Goiânia, na divisa com Abadia de Goiás, o que pode ter atraído população para seu território. Estes empreendimentos do PMCMV propiciaram um menor valor da terra e da infraestrutura urbana, bem como pavimentação, transporte, unidades educacionais e de saúde, que foram para a região graças ao residencial Buena Vista (PMCMV), na parte de Goiânia. Abadia fica às margens da Rodovia BR-060 que liga Brasília à divisa com a Bolívia, pelo Mato Grosso do Sul e passa pelo Sudoeste Goiano, região conhecida pelo agronegócio. Além disso, a cidade está próxima de Aparecida de Goiânia e os planos diretores das maiores cidades da RMG têm direcionado populações para periferias que acabam por crescer.
Após o pico da pandemia de Covid-19, percebeu-se crescimento no número de desabrigados na RMG e foram identificadas 17 ocupações irregulares⁴. Destas, cinco se localizam em Aparecida de Goiânia, uma em Terezópolis de Goiás e 11 em Goiânia, com quantidade estimada total em 9.352 moradores. Das ocupações localizadas em Goiânia, três estão nas proximidades com Abadia de Goiás e outras três nas proximidades com Goianira. São regiões (Noroeste e Sudoeste de Goiânia) que ainda recebem população e podem ocasionar a ocupação dos municípios limítrofes como Abadia e Goianira.
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RMG recebe fluxo de população da Região Norte, atraída por empregos no agronegócio
Também se evidencia na RMG o fluxo de população de outras partes do Brasil, sobretudo da Região Norte e de estados como Piauí e Maranhão. De lá, vêm pessoas que passam a residir nas cidades da RMG, e esta pode ser uma das hipóteses para o crescimento populacional da região. É necessário aguardar os dados sobre migrações para confirmar. Estas populações se deslocam atraídas pela falácia e pelos comentários de facilidades em conseguir os empregos gerados pelo agronegócio⁵.
Quanto à expansão do número de domicílios, nota-se aumento em outros municípios, além de Abadia de Goiás que cresceu em 197,5%, Senador Canedo (115,61%), Goianira (143,56%) e Caldazinha (104,70%) foram cidades que expandiram em mais de 100% o número de domicílios. Todos os 21 municípios da RMG cresceram em número de domicílios numa quantidade superior ao da população.
As hipóteses para este fato são várias. Dentre elas, está a mudança de hábito das pessoas em passar a residir sozinhas. Ou ainda pela redução do tamanho das famílias. E a que levanta maior suspeita pode ser a construção de moradias para a aquisição com fins de investimentos.
Os dados referentes aos domicílios vagos colocam em questionamento a hipótese de uso especulativo de imóveis, pois as quantidades de unidades desocupados não são tão expressivas, principalmente para as maiores cidades.
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Como a RMG apresentou expressivo crescimento de seus habitantes, pode-se justificar a necessidade de se construir mais imóveis para abrigar esta população que chega. Assim, os argumentos de especulação imobiliária podem não fazer sentido. Goiânia é uma cidade de imóveis valorizados, tanto para a aquisição, como para locação. A existência de uma “bolha imobiliária”, muito propalada por estudiosos ou pela mídia pode não fazer sentido, pois, tendo em vista que a população da cidade cresce, eleva a demanda por imóveis e, se há aumento de demanda, o preço sobe. Este é um dos princípios básicos da economia (lei da oferta e da demanda).
Todas estas explicações referentes aos dados disponibilizados pelo Censo 2022, ainda não divulgados na sua totalidade, são hipóteses que precisam ser analisadas com maior profundidade no decorrer dos próximos estudos.
Mas o certo é que usar o espaço urbano de forma organizada, distribuindo os equipamentos e serviços públicos pelo território de forma equânime, planejar a mobilidade via um sistema de transporte público eficiente é um desafio que precisa, urgentemente, ser enfrentado pelos gestores destas regiões. O Censo do IBGE tem a finalidade de contar a população e, com isso, evidenciar as taxas de crescimento das cidades (ou de redução). Estes são dados utilizados tanto para orientar os investimentos e o planejamento público, como os investimentos privados, e está aí a importância destes dados. Aglomerações urbanas precisam de ordenamento, e ainda a geração de emprego e renda para garantir a qualidade de vida. No aguardo dos próximos dados para que os estudos possam ser aprofundados.
*Marcos Bittar Haddad, Celene Cunha Monteiro Antunes Barreira, Yordana Dias das Neves Naciff e Aristides Moysés são pesquisadores do Núcleo Goiânia do INCT Observatório das Metrópoles.
** Este é um texto de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Chagas