A advogada Vera Lúcia Santana Araújo, que fez carreira jurídica e militância nos movimentos sociais do Distrito Federal, recebeu apoio da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) para que assumisse a vaga que será aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) após a aposentadoria da ministra Rosa Weber. Vera Lúcia disse que recebe o apoio com “muito orgulho” e também “muita responsabilidade”.
A ABJD publicou uma carta de apoio a Vera Lúcia e endereçou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Se for indicada pelo presidente da República, será a primeira vez que a mais alta corte do Poder Judiciário brasileiro terá como um dos seus 11 membros uma mulher negra. A advogada também tem o apoio de outras organizações, como a Frente Negra de Mulheres do Distrito Federal e Entorno.
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Em entrevista ao Brasil de Fato DF, Vera Lúcia destacou seu histórico de atuação nos movimentos negro, estudantil, feminista, sindicalista e também na estruturação do Partido dos Trabalhadores (PT) no Distrito Federal.
Brasil de Fato DF - A primeira questão é: como a senhora recebeu o apoio da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e de outras organizações que querem te ver como ministra do STF?
Vera Lúcia Araújo - Olha, recebo esse apoio com muita emoção, muito orgulho, por representar uma história coletiva, que é a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e também entendendo a legitimidade da indicação dessa postulação de jurista negra no Supremo Tribunal Federal. Está sendo todo um processo muito rico e muito emocionante, de muito orgulho, principalmente por ser fruto de algo que é coletivo.
A defesa de se ter uma mulher negra no STF tem sido levantada não apenas por pessoas negras. A seu ver, qual a importância das pessoas brancas se engajarem nessa luta por mais representatividade da população negra nos espaços de poder?
Eu penso que esse apoio é bastante importante. Por exemplo, no caso da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, acaba por reunir todo o segmento da formação jurídica por todas as carreiras, mas também por ser uma entidade racialmente plural.
Houve avanço na percepção das pessoas sobre esse assunto?
Eu compreendo que sim, que houve um avanço de percepção. Uma consciência política muito aguçada e crítica do quanto desigual é o Brasil, exatamente porque se assenta na exclusão racial. Isso porque a desigualdade brasileira se organiza a partir do racismo. Se organizou a partir da escravização negra e até hoje se organiza com a exclusão do povo negro do usufruto da riqueza que ele trabalha e produz. Então, essa percepção e esse engajamento numa pauta antirracista mostra o avanço da própria Associação Brasileira de Juristas pela Democracia.
A desigualdade brasileira se organiza a partir do racismo
Em mais de 200 anos de história, o STF nunca teve uma mulher negra. Qual seria a importância desse avanço?
Somente o racismo explica esta sistemática exclusão. Essa determinação política de não termos representação negra e de mulheres nas esferas de todos os níveis de poder, inclusive o Judiciário a partir do próprio Supremo Tribunal Federal.
E essa é uma compreensão de todas as pessoas de que o Brasil jamais será uma democracia real, enquanto mantiver a exclusão racial que opera atualmente.
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Para além do peso que seu nome representa para a pauta racial, em especial a pauta das mulheres negras, gostaria que você falasse um pouco de suas vivências nas lutas dos movimentos sociais em geral.
Tenho um histórico que sempre reforça que é coletivo e de atuação de movimentos sociais e por direito à democracia, atuando principalmente do ponto de vista jurídico. Eu comecei a fazer política nos movimentos sociais ainda secundarista ainda na Bahia e depois aqui em Brasília na luta pela democratização. Então, participei da própria fundação do Partido dos Trabalhadores aqui no DF. Também da organização do sindicalismo aqui em Brasília, no auxílio à formação dos sindicatos dos trabalhadores rurais aqui do Entorno do DF. Minha vida foi toda marcada pela atuação nos movimentos sociais.
Minha vida foi toda marcada pela atuação nos movimentos sociais.
E qual a importância desse histórico para a vaga?
Eu acho que é importante ter essa vivência política próxima aos movimentos sociais e de representação. Por exemplo, atuei muito na luta pela representação política do DF, que foi fruto da luta de movimentos sociais. Também atuei no momentos pela Diretas Já [pelo fim da ditadura]. Então, todo esse processo da minha formação pela democracia eu sempre tive uma participação muito ativa, em todos eles indistintamente. Também tinha um histórico de atuação na organização feminista, integrando a primeira organização feminista do DF, que foi o Brasília Mulher. Então, essa luta pelos direitos das mulheres, assim como a luta contra o racismo e pela democracia fazem parte da minha essência também.
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Histórico
A advogada Vera Lúcia nasceu em Livramento de Nossa Senhora (BA) e fez carreira profissional e política por meio dos movimentos sociais no Distrito Federal, onde atuou nas esferas privada e pública do Direito, ocupando, inclusive, cargos jurídicos no âmbito da administração pública federal e do DF.
Araújo também atuou como conselheira da Comissão de Anistia Política do Ministério da Justiça, conselheira do Conselho Penitenciário do Distrito Federal e integrou a Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Entre as funções exercidas por Vera Lúcia está a gestão pública como diretora da Fundação Cultural Palmares, presidenta da Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso do Distrito Federal e secretária-adjunta de Políticas para a Igualdade Racial do Distrito Federal.
Enquanto ativista do movimento negro, atuou no Movimento Negro Unificado (MNU) e atualmente faz parte da Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal.
Em 2022, Vera Araújo foi a primeira mulher indicada na lista tríplice para vaga no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A indicação foi feita pelo plenário do STF e enviada ao então presidente Jair Bolsonaro (PL), que não a indicou para a vaga.
Fonte: BdF Distrito Federal
Edição: Márcia Silva