O sistema tributário brasileiro, nos dias de hoje, apresenta uma característica geral que poderia ser assim resumida: quanto mais pobre, mais imposto paga; quanto mais rico, menos imposto paga.
Super-rico brasileiro, então, não paga praticamente nada.
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Nesta última semana, o governo federal emitiu duas medidas para tributar alguma coisa dos rendimentos (“salários”) dos super-ricos brasileiros. Opa! Mexeu comigo! Será que você é super-rico ou conhece algum?
Não precisa ficar preocupado, muito provavelmente não é contigo, pois 99,999% dos brasileiros serão beneficiados com as duas medidas. Por exemplo, se a soma do seu patrimônio for de R$ 10 milhões de reais, você não será afetado, pois a taxação não é sobre bens. Não se trata de tributação sobre o patrimônio. A tributação é sobre os rendimentos (“salário”) de aplicações para quem tem mais de R$ 10 milhões sobrando para aplicar em fundos financeiros fechados.
A primeira iniciativa do governo federal é a Medida Provisória 1.184, para tributar fundos de investimento de aproximadamente 2.500 pessoas super-ricas (0,001% da população do Brasil), que tem regras privilegiadas só para eles, e não pagam tributo. São os chamados fundos fechados, com aplicação financeira inicial ou mínima de 10 milhões de reais.
E quanto seria o rendimento/salário para uma aplicação desse tipo? Suponhamos uma aplicação mínima de 10 milhões a uma taxa de 1% ao mês, que daria um rendimento/salário de R$ 100.000,00 reais/mês, hoje sem pagar nada de imposto de renda. Já os demais brasileiros, com rendimentos/salário a partir de R$ 2.112,00 estão obrigados a pagar IR, com alíquota de até 27,5% para rendimentos superiores a R$ 4.664,00 reais.
Você quer ser um bilionário? Uma dica do que seria necessário fazer: você junta um milhão de reais por ano. Faça isso por mil anos. Juntando R$ 1.000.000,00/ano por 1.000 anos, ao final você será um super-rico bilionário. Simples, não? A explicação ou justificativa dada para essa concentração de renda bilionária estaria na meritocracia, que pode ser melhor entendida nos esclarecimentos do livro “A tirania do mérito”, do escritor estadunidense Michael Sandel.
A Forbes listou no Brasil, em 2022, 62 bilionários (oligarcas?), sendo o maior deles Jorge Paulo Lemann, com uma fortuna estimada de R$ 71 bilhões. Lemann é controlador da Ambev, tem participação na Burger King e a empresa 3G Capital, nova “dona” da Eletrobras. Cabe lembrar que o Lemann, juntamente com Sicupira e Teles (outros dois bilionários brasileiros da lista da Forbes, Ambev, Eletrobras …), foram os protagonistas do recente escândalo, fraude ou rombo da Americanas, algo em torno de 40 bilhões.
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Voltando às medidas apresentadas pelo governo. A proposta é igualar a tributação desses fundos exclusivos, ou fechados, cobrando de 15% a 22,5% sobre os rendimentos, igual aos fundos abertos de investimento que os demais brasileiros aplicam, como p.ex. no Tesouro Direto (qualquer pessoa pode aplicar no Tesouro Direto usando seu computador de casa – bem melhor que a poupança).
A arrecadação prevista sobre os rendimentos desses fundos fechados dos super-ricos é de R$ 24 bilhões até 2026, que daria para financiar, por exemplo, 30% do Minha Casa Minha Vida. É uma iniciativa importante para reduzir desigualdades nesse nosso país, o mais desigual do mundo.
Capital aplicado em "paraísos fiscais"
A segunda medida é o Projeto de Lei (PL) nº 4173/2023, que pretende tributar os rendimentos de capital aplicado em países denominados “paraísos fiscais”, que eu prefiro chamar de países “esconderijos fisco-criminais”, como Suíça, Ilhas Cayman, Luxemburgo e Emirados Árabes. O principal produto financeiro que esses países vendem é a ocultação de dinheiro/patrimônio, normalmente de origem ilícita (dinheiro de roubo, tráfico, corrupção/sonegação/desvios), e principalmente escondem esses recursos para possibilitar que os donos super-ricos possam fugir da obrigação de pagar impostos no país de origem, como os demais cidadãos são obrigados a pagar.
No chamado “PL das Offshores e Trusts”, a proposta é taxar os rendimentos do capital de brasileiros aplicado no exterior com alíquotas progressivas de zero a 22,5%. A média mundial é 30 a 40%. Só o Brasil não cobra!
Essas duas medidas podem ser consideradas um começo para a justiça fiscal, para mudar essa regra brasileira ruim e inconstitucional do “quanto mais rico menos imposto paga”. A Constituição diz que a tributação sobre a renda deve ser universal e progressiva.
No Congresso Nacional, os super-ricos têm muitos representantes. E é justamente o Congresso, através dos deputados e senadores, que precisa aprovar essas medidas. E então, os super-ricos irão pagar algo de imposto de renda sobre os seus rendimentos/salários dessas aplicações específicas? Vai depender do Congresso, vai depender do seu deputado e do seu senador.
* João Carlos Loebens é professor, auditor fiscal estadual no Rio Grande do Sul e integrante do Instituto Justiça Fiscal.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira