O lucro dos maiores bancos brasileiros está caindo em 2023. No primeiro trimestre, as cinco maiores instituições financeiras do país – Itaú, Banco do Brasil, Bradesco, Santander e Caixa – lucraram 3% menos do que no mesmo período do ano passado. Esse resultado foi ainda pior no segundo trimestre do ano na comparação com o mesmo trimestre em 2022: foram 8,7% de queda, considerando os mesmo bancos, com exceção da Caixa.
A redução, segundo analistas do mercado financeiro, está ligada à inadimplência de clientes. E, para economistas ouvidos pelo Brasil de Fato, esse aumento da inadimplência é em grande parte causado pelos próprios bancos. Ou seja, as instituições financeiras foram, em parte, culpadas pela queda dos seus lucros.
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O Brasil tem hoje cerca de 77% de suas famílias endividadas, de acordo com pesquisa mensal da Confederação Nacional do Comércio (CNC). Ainda segundo a CNC, os bancos, em geral, são os principais credores dessas dívidas, já que 85% das famílias com dívidas têm contas a pagar do cartão de crédito, fornecido por instituições financeiras.
Os juros cobrados no cartão de crédito são hoje os mais caros do país, segundo levantamento periódico realizado pela Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac). São de 425% ao ano em média. Isso é mais do que o triplo do juro médio das operações de crédito.
Com um juros de 425% ao ano, uma dívida de um usuário de cartão multiplica-se por cinco em um ano caso não seja paga. Torna-se, portanto, praticamente impagável, o que aumenta os índices de inadimplência.
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A inadimplência em alta reduz o ganho dos bancos. Isso porque instituições financeiras deixam de receber os pagamentos que deveriam ser feitos justamente pela falta de capacidade do cliente de realizá-los.
Isso, segundo analistas, tem acontecido neste ano, afetando principalmente os resultados de Bradesco e Santander. Os dois bancos tiveram redução de 36,7% e 18,5% dos seus lucros, respectivamente, nos primeiros seis meses do ano ante os mesmos meses do ano passado.
"O comprometimento da renda das famílias com dívidas dos bancos acaba sufocando o orçamento familiar e as pessoas acabam deixando de pagar suas dívidas", explicou o economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que vê culpa dos bancos pela inadimplência que os prejudica hoje. "Você cobrar algo em torno de 200%, 300% e até 400% ao ano no cheque especial certamente alimenta a rota da dívida e faz com que a inadimplência avance."
"A inadimplência tem a ver com o aumento dos juros e do spread bancário [margem de ganho dos bancos em operações de crédito]", acrescentou Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que também aponta o comportamento de bancos como causador da inadimplência.
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Bancos se movimentam
Simone Deos, professora do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), também vê responsabilidade dos bancos nas taxas de endividamento e inadimplência no país – ou seja, também avalia que as instituições são responsáveis pela redução de seus lucros. Acredita que isso, inclusive, tenha feito os bancos viabilizarem alternativas para renegociação de dívidas, como o Desenrola, lançado pelo governo federal em julho.
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Por meio dele, bancos voluntariamente podem repactuar débitos não pagos por seus clientes oferecendo a eles abatimentos e obtendo contrapartidas da União. Bancos que aderiram à iniciativa foram obrigados a retirar da lista de devedores mantidas pelo Serasa, por exemplo, clientes que tinham dívidas não pagas de até R$ 100.
O governo sempre disse que esperava uma grande adesão de bancos ao Desenrola. Inicialmente, estimou que o programa levaria a "desnegativação" de cerca de 2,5 milhão de débitos de até R$ 100. Segundo o Ministério da Fazenda, até o final da semana passada, 10 milhões de pequenas dívidas haviam sido "desnegativadas" –quatro vezes o previsto.
"Criou-se um medo de que a inadimplência pudesse gerar uma espiral de reflexos ainda piores em balanços de bancos", complementou Deos.
A professora ressaltou que a queda dos lucros é pequena, não suficiente para comprometer a rentabilidade do setor financeiro. Foram R$ 54,2 bilhões em lucros só nos primeiros seis meses do ano, para Itaú, Banco do Brasil, Bradesco, Santander e Caixa.
"Os spreads ainda são altíssimos. Comparações internacionais mostram que os spreads praticados no Brasil já há muito tempo não têm correspondência no mundo", criticou. "O Brasil é campeão de taxa básica de juros [Selic, que está em 13,25% ao ano] e também em termos de spread. Isso precisa ser tratado pelo governo e Banco Central", defendeu.
Procurada pelo Brasil de Fato para comentar a queda nos lucros dos bancos e a relação disso com as altas taxas praticadas por eles, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) não se pronunciou até a publicação desta reportagem.
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Cartão pode mudar
A Câmara dos Deputados aprovou no último dia 5 um projeto de lei para limitar os juros rotativos do cartão de crédito. Segundo o projeto, o Conselho Monetário Nacional (CMN) ficaria encarregado de estipular um teto para a taxa cobrada quando um cliente não consegue pagar o valor total da fatura do seu cartão.
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O conselho é formado hoje pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), pela ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB), e pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto.
O projeto precisa ser aprovado pelo Senado para ir à sanção presidencial.
A economista e coordenadora do Programa de Serviços Financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim, disse que a proposta em discussão no Congresso está baseada numa regra que funciona no Reino Unido. Ele explicou que, lá, se um cliente toma 100 libras emprestadas, pagará no máximo 200 libras – 100% de juros.
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O economista Miguel de Oliveira, diretor-executivo da Anefac, concorda com a necessidade de limitação. Ele lembrou que os juros do cheque especial foram limitados em 8% ao mês em 2020. Para ele, funcionou. Bancos hoje já cobram menos do que 8%. "Houve reclamação geral dos bancos, disseram que iam acabar com a modalidade, mas nada aconteceu", disse.
Edição: Rodrigo Chagas