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CRÔNICA. Visita à vila Pantanal

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Sim, a impressão inicial, de um dia cinzento, rapidamente se desfez, nos fachos de luz que um projeto coletivo pode gerar. Foto: - Pedro Carrano
Numa das residências, uma verdadeira instalação artística, feita com capacetes

Parecia uma esquina do final do mundo.

Era um final de rua que sugeria uma sensação mista. Em parte, recordava um filme apelativo da Netflix. Desses tão comuns que falam do fim do mundo. De outro, havia uma realidade, como fratura exposta na mesa de cirurgia, daquelas cenas que se escondem por baixo do cartão postal de Curitiba. Nos deparamos, no final da tarde de uma sexta-feira de feriado, com um céu cinzento mais cinza do que aquele que estamos acostumados na capital paranaense.

Caminhávamos ao lado de moradores da vila Pantanal, no Alto Boqueirão, olhando extensões que conduziam os olhos a se perder nas distâncias. Como parecia também sem fim a extensão do trilho do trem e da cadeia de araucárias no horizonte, perto do zoológico.

- Ali, naquele pontinho de luz, começa a chacrinha, são umas 60 famílias, com muitas dificuldades, avisava o Gelson. Começava a escurecer. Dali, entre casas simples, era possível ver também edifícios iluminados ao longe, já na divisa com São José dos Pinhais. Estávamos numa espécie de fronteira. Ou ausência dela. Afinal, já havíamos deixado a Cidade A do urbanismo excludente de Curitiba, consolidada nos anos 60, e estávamos na Cidade B, aquela abandonada por burocratas, gestores e pelas políticas públicas. A Cidade onde o povo precisava se virar.

No caminho, passamos por várias casas de carrinheiros. Mesmo de frente pra um terreno de possível alagamento, um banhado, via-se capricho em cada uma das casas. Muita coisa bem cuidada. Numa das residências, uma verdadeira instalação artística, feita com capacetes. A outra casa com várias plantas em garrafas suspendidas no ar. A sempre criatividade popular superando qualquer limite.


A outra casa com várias plantas em garrafas suspendidas no ar. A sempre criatividade popular superando qualquer limite. Foto: / Pedro Carrano

Depois, seu “Cascavel”, morador antigo, daqueles que carregam no peito o orgulho da fundação de uma vila, animado em mostrar aos visitantes a sua comunidade, que possui uma imensa horta comum, com os hortos sob responsabilidade de cada família. Cascavel, Camila, Nega, Gelson e outros da vizinhança estavam contentes com a possibilidade de reabrir a associação de moradores, que tem uma estrutura em ótimo estado, mas ficou sem atividades no período de pandemia de covid-19.

Agora eles estão reativando a cozinha comunitária e buscando apoio de organizações e grupos ligados à igreja progressista. Caminhos sempre existem pra uma melhor organização das coisas.

Portas que se reabrem, na velocidade da vontade de pessoas comuns? Era bom ver um espaço do povo sendo retomado. Um alívio no feriado, depois de dias tão cheios e tumultuados de incertezas. Sim, a impressão inicial, de um dia cinzento, rapidamente se desfez, nos fachos de luz que um projeto coletivo pode gerar. Que assim seja, como diria uma canção do cantor de protesto, o uruguaio Daniel Viglietti, intitulada Canción para mi America, ficou martelando em meus ouvidos:

“Se não se abrem as portas/ o povo há de abri-las”.


Animado em mostrar aos visitantes a sua comunidade, que possui uma imensa horta comum. Foto: / Pedro Carrano

 

 

Edição: Lucas Botelho