O novo clima de um 7 de setembro sem fumacê de tanques na Esplanada afeta também os militares
Olá!
Dessa vez o assunto do 7 de setembro deixou de ser o golpe e passou a ser a economia, a política social e o centrão. De resto, é aguardar com expectativa a delação de Mauro Cid.
.O Dia da Dependência (mútua). Passaram-se exatos dois meses desde o anúncio da entrada do centrão na base governista, após a aprovação da reforma tributária, até a oficialização das indicações de Silvio Costa Filho e André Fufuca. Neste meio tempo, a novela teve muitas cortinas de fumaça, mas também muito fogo vindo dos novos aliados, como Ciro Nogueira tentando derrubar seu adversário Wellington Dias, e o fogo amigo entre petistas.
No fim, a montanha não pariu sequer uma minirreforma. A dança de cadeiras girou pouco, e apenas Ana Moser foi para a fogueira, sem contar sequer com a solidariedade dos atletas. A estratégia de levar em banho-maria deu certo para Lula, que controlou os danos de uma reforma maior, e também para Arthur Lira, que extraiu o que pôde enquanto a reforma cozinhava em fogo baixo, mas principalmente assegurou uma posição confortável ao PP para as eleições municipais.
Agora, a bola da iniciativa política volta para o governo. Sem CPIs e sem grandes pautas do próprio Congresso, afora uma reforminha eleitoral, e a expectativa de encerrar o fantasma do 8 de janeiro, o Planalto tem a chance de pisar no acelerador da pauta econômica, garantir o orçamento para 2024 e talvez a segunda fase da reforma tributária. O anúncio do novo PAC e a agenda internacional completam as cartas que o governo tem na mesa para apostar num crescimento no próximo ano, em tempo de aumentar a popularidade petista antes das eleições municipais.
.Pizza de chuchu. Diz o clichê que todo mundo sabe como começa uma CPI, mas ninguém sabe como acaba. Outro lugar comum diz que, em Brasília, tudo termina em pizza. No caso das primeiras CPIs abertas no novo governo Lula, o prato será servido frio e insosso. A CPI do MST já havia perdido o rumo quando o relator Ricardo Salles foi escanteado da disputa pela prefeitura de São Paulo e já não tinha a função de servir de palco para sua pré-candidatura. Mas, foi somente quando a CPI pisou no calo do governo que o Planalto entrou em campo para encerrar o assunto e fechar a fatura. Agora, nem se sabe se a Comissão terá algum relatório aprovado no final.
Já a CPI do golpe seguiu todo seu caminho sempre atrás da PF, do STF e até da CPI da Câmara do Distrito Federal. Chega ao fim exatamente como querem governo e oposição: sem ouvir e nem sequer mexer com os generais envolvidos na trama. As outras CPIs, das Lojas Americanas e das Apostas Esportivas, também passaram longe da expectativa midiática que tinham, e morrerão de inanição. O fracasso das CPIs é ilustrativo do novo cenário político que deve dar o tom até as eleições municipais. Quem tem Arthur Lira como líder não precisa desta ferramenta para pressionar o governo. Para o governo, o que interessa é acelerar as pautas econômicas e as CPIs tomam um precioso tempo da vida parlamentar.
Resta a oposição bolsonarista, sem forças para convocar por conta própria novas CPIs e ter palanque midiático, um tanto desmoralizada pelos circos de horrores que promoveu nas Comissões em busca de trinta segundos de lacração para o Tik Tok, e isolada no jogo político. Os bolsonaristas mais discretos devem sair à francesa em tempos de eleições municipais ou talvez buscar novos ares nas pautas evangélicas conservadoras, como o combate ao casamento homoafetivo e à legalização da maconha. Já os bolsonaristas raízes, estão amarrados ao destino do seu líder.
.Nada ficou no lugar. Parece até mentira que não se falou da possibilidade de um golpe e da volta da ditadura neste 7 de setembro. Este ano, além das autoridades do STF e do Congresso Nacional, o evento oficial teve protagonismo das mulheres e até a presença do Zé Gotinha, num aceno de quebra do monopólio militar sobre o Dia da Independência. Por outro lado, quem poderia imaginar que passado um ano o bolsonarismo estaria confinado às manchetes policiais? Mas é exatamente isso o que está acontecendo, especialmente agora que uma delação de Mauro Cid está a caminho.
Para os que veem apenas vingança do STF, o número de esquemas e provas não deixa dúvidas de que o mérito é dos próprios bolsonaristas. A exemplo da quantidade de erros cometidos pelo capitão e aliados no caso das joias. A situação pode ficar ainda pior com a troca do fiel engavetador Augusto Aras por um Procurador-Geral não alinhado, que talvez dê andamento às denúncias de crimes cometidos pelo ex-presidente durante a pandemia.
Tantas notícias ruins não afetam apenas o capitão. Novas buscas e apreensões foram feitas pela PF contra 53 financiadores dos atos golpistas e contra 10 financiadores de bloqueios de rodovias. Outra personagem que não sai das páginas policiais é Carla Zambelli, dessa vez por suspeita de lavagem de dinheiro em período eleitoral. O efeito político dessa má fase é que Bolsonaro deixou de ser um bom cabo eleitoral, como aponta a pesquisa na capital paulista.
O novo clima de um 7 de setembro sem fumacê de tanques na Esplanada afeta também os militares. O decreto federal de reorganização do Sisbin talvez melhore a inteligência da Inteligência, não só por abolir o Whatsapp como meio de comunicação, mas também por diminuir o poder dos militares e aumentar o controle civil. Mas a prova cabal de que o clima nas instituições mudou é autocrítica de Dias Toffoli sobre a orientação política e a conduta ilegal da Operação Lava Jato. Nesse caso, quem deveria começar a se preocupar é o ex-juiz e atual senador Sérgio Moro, porque a hora dele parece estar por chegar.
.Ponto Final: nossas recomendações.
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*Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
** Este é um texto de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Geisa Marques