“Nossa ancestralidade é rica, ela vai puxando coisas que parecem ser coincidência”. Membra da chamada bancada do cocar -- que reúne representantes dos povos indígenas -- a deputada federal Juliana Cardoso (PT-SP) enxerga uma explicação para o Dia da Amazônia e o Dia Internacional das Mulheres Indígenas serem celebrados na mesma data, 5 de setembro.
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“Quando a gente fala sobre Amazônia, terra e mulher é um contexto só. Por isso, sim, é muito importante ser dia da Amazônia o Dia Mulher Indígena”, defende a deputada que se autodenomina afroindígena em entrevista ao programa Bem Viver na edição desta terça-feira (5).
Juliana Cardoso exerce seu primeiro mandato como deputada federal. A parlamentar é uma das responsáveis pelo movimento Elas Ficam, campanha que surgiu como resposta ao processo de cassação de mandato articulado por deputados bolsonaristas contra ela, Célia Xakriabá (PSOL-MG), Erika Kokay (PT-DF), Fernanda Melchionna (PSOL-RS), Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e Talíria Petrone (PSOL-RJ) .
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Fora da interpretação de Cardoso, as celebração das duas datas no mesmo dia não tem relação.
O Dia da Amazônia foi escolhido como forma de homenagear a criação da Província do Amazonas por D. Pedro II em 1850.
Já o Dia Internacional da Mulher Indígena é uma homenagem à líder Bartolina Sisa, da etnia aymara, que viveu no século XVIII onde hoje conhecemos como Bolívia. Considerada uma heroína dos povos originários, ela protagonizou diversas batalhas contra a colônia espanhola.
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No dia 5 de setembro de 1782, Sisa foi brutalmente assassinada durante a rebelião anticolonial organizada por Túpac Katari, seu esposo, no Alto Peru.
Para Cardoso, a data, infelizmente, ainda reproduz muito dos motivos pelos quais ela foi criada. “A atuação de violência contra os povos originários, de séculos atrás, continua presente.”
“Lembrar dessa história de Bertolina é necessária nesse momento. A gente teve avanços significativos, mas seguimos com tensão, medo e preconceito. A todo tempo nós somos ameaçados. Os parentes indígenas estão numa luta incansável”, afirma a deputa.
“A data de hoje é uma forma de ‘femenagiar’, a gente sempre fala homenagear, mas o caso de hoje é femenagiar e reconhecer a luta das mulheres indígenas”, afirma Cardoso fazendo um jogo de palavras.
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Marco temporal
Para exemplificar como os povos indígenas seguem ameaçados, a deputada faz referência ao marco temporal, tese jurídica que muda o entendimento sobre a demarcação de terras no país. Há um projeto de lei tramitando no Senado e o tema também está em debate no Supremo Tribunal Federal, onde seis ministros já manifestaram votos, sendo quatro contra a tese apoiada por ruralistas.
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Cardoso pontua três questões fundamentais sobre o marco temporal: “primeiro que ele [marco temporal] dá abertura para mexer em terras que já estão demarcadas. Segundo, dá abertura para que o homem branco, como a gente diz, possa entrar em terras onde existam indígenas isolados, o que é um problema, afinal eles [indígenas isolados] não têm imunidade para ter contato com outras pessoas em seu espaço em seu território”.
Por fim, pontua que a tese bate diretamente em outros processos de demarcação que já estão em andamento.
A proposta muda radicalmente o critério para demarcações ao estabelecer que apenas as terras já ocupadas por povos indígenas em 5 de outubro de 1988 - data da promulgação da Constituição - podem ser reivindicadas por eles.
Um grupo indígena que tenha ocupado um território por séculos, mas que não estivesse no local na data exata estabelecida pelo marco temporal, pode ficar sem direito à demarcação.
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Na última quinta-feira (31) o ministro Luís Roberto Barroso votou contra o marco temporal das terras indígenas no Supremo Tribunal Federal (STF). Com o voto, o placar fica em quatro a dois contra a tese jurídica.
Cristiano Zanin, Edson Fachin e Alexandre de Moraes também votaram contra, e André Mendonça e Nunes Marques, a favor. Ainda faltam os votos de cinco ministros. Caso seis ministros rejeitem o marco temporal, o STF terá formado maioria contra a tese ruralista, garantindo vitória aos povos indígenas brasileiros, que são contra a restrição das demarcações.
A tese do marco temporal é analisada pelo STF por meio do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, que avalia o caso dos indígenas do povo Xokleng, de Santa Catarina. Entre outros pontos, os ruralistas argumentam que o marco seria uma forma de regulamentar o artigo 231 da Constituição Federal.
“Não dá para gente ter aqui uma lei que vai só beneficiar o homem branco. Porque antes de existir a coroa, aqui no Brasil, já existia o cocar”, finaliza Cardoso.
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Edição: Vivian Virissimo