Coluna

As placas tectônicas se movem

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Presidentes Lula, Xi Jinping (China) e Cyril Ramaphosa (África do Sul), 1º ministro Narendra Damodardas (Índia) e ministro de REs Sergey Lavrov (Rússia) na 15ª Cúpula do Brics - Ricardo Stuckert/PR
Ampliação do Brics torna o bloco economicamente mais relevante que o próprio G7, mas traz desafios

Olá!

Lula e os Brics querem mudar o mundo. Mas, no Brasil, se a impunidade verde oliva acabar, já é um bom começo.

.Mudança de Eras. A 15ª Cúpula dos Brics foi um evento histórico de grande magnitude. A ampliação do bloco, com a entrada de Arábia Saudita, Emirados Árabes, Argentina, Egito, Irã e Etiópia, torna os Brics economicamente mais relevantes do que o próprio G7. No entanto, a expansão também traz novos desafios, tanto em relação ao futuro do grupo quanto às diferenças entre seus participantes. Durante a Cúpula, todos evitaram provocações ou ameaças ao poder ocidental, afastando-se da lógica da guerra fria, mas insistiram na necessidade de reforma das instituições de governança global, especialmente a ONU e seu Conselho de Segurança. Entende-se, já que o bloco ampliou sua influência para o oriente médio, região rica em petróleo e historicamente disputada pelas potências imperialistas. Também se enfatizou a convivência pacífica entre os povos e defendeu-se o distensionamento do conflito na Ucrânia, mas sem nenhuma proposta concreta para o fim da guerra. E a Rússia esteve nas manchetes também fora dos salões, com a misteriosa morte do comandante do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, que há meses atrás se rebelou contra o Kremlin. Em outro ponto do sistema solar, a Índia destacou-se com o bem-sucedido pouso de sua sonda espacial em solo lunar. Outra característica do novo momento dos Brics é que as relações internas devem demandar mais atenção que no passado. A exemplo da própria Índia, que vem sendo assediada pelo bloco ocidental para contrapor-se à hegemonia chinesa no oriente. O protagonismo do continente africano, que sediou o encontro, também foi destaque. Lula vai aproveitar a estadia em terras africanas para estreitar relações com Angola e com os países de língua portuguesa. Ao voltar para casa, o presidente brasileiro ainda terá que dar uma atenção especial ao novo colega dos Brics. É que a Argentina luta para sair da crise e, apesar de mais um acordo com o FMI, a solução pode vir mesmo de um estreitamento das relações com o Brasil e o Brics, agora sem o uso do dólar

.Malandro regular, profissional. Negacionismo, tráfico de drogas, comércio ilegal de jóias, disseminação de fake news sobre as eleições, tentativa de golpe, corrupção e nepotismo… Não, não estamos falando só da família Bolsonaro, e sim dos militares. Não por acaso, a confiança da população nas Forças Armadas vem diminuindo e, pasmem, caiu mais acentuadamente entre os bolsonaristas, ainda que pelos motivos errados. A situação não passa despercebida pelos generais, que para enfrentar a queda na popularidade, precisam abafar uma enxurrada de escândalos. A começar pelo envolvimento da família Cid nos esquemas de Bolsonaro. O problema, como lembra Bob Fernandes, é que o pai do tenente-coronel Mauro Cid é general quatro estrelas, portanto, não há como desvincular sua atuação da alta cúpula militar. Por isso, uma possível delação premiada de Mauro Cid contra Bolsonaro teria que ser muito bem calculada para não respingar ainda mais nos quartéis. Os militares ainda precisam lidar com uma ofensiva no Congresso, que inclui uma reforma do Código Penal Militar, a possibilidade de extinção das Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLOs), e uma devassa do TCU, que identificou mais de 200 casos de nepotismo envolvendo as Forças Armadas. Tudo isso gerou um alvoroço nos comandos, que saíram em busca do diálogo com os congressistas e com o próprio Lula. A intenção é evitar a convocação de militares envolvidos com o 8 de janeiro à CPI, bem como pacificar as relações com o governo. De momento, a caserna não tem porque se preocupar com Lula, afinal as prioridades do presidente são o cenário internacional e as relações com o Congresso. E o sinal da boa vontade do governo é a gorda fatia de R$53 bilhões do novo PAC destinada aos militares. Mas, apesar da crise de credibilidade, os generais continuam tentando cair para cima. Além de fazerem corpo mole para fiscalizar a posse de armamentos, a solução encontrada pelo comandante do Exército para enfrentar a desmoralização pública é a “valorização” da tropa, leia-se aumento de salário, melhorias no seu sistema de saúde e nos colégios militares.

.Tudo certo, nada resolvido. Desde antes do segundo turno das eleições, Lula e o PT já sabiam que a principal batalha do ano seria derrubar o malfadado teto de gastos. Só depois viria a queda da taxa de juros. Com o teto, era impossível cumprir a promessa de retomar os investimentos sociais. Depois de muitas chantagens do mercado e do Congresso, a novela parece ter chegado ao fim, três semanas depois do que o governo queria, mas em tempo de alterar a próxima Lei de Diretrizes Orçamentárias já sem as amarras do teto. Porém, isso ainda não resolve o problema, porque a conta entre arrecadação e investimentos não fecha e o governo já teria que rever o novo arcabouço ainda em 2024. O que nos leva ao segundo problema do governo, Arthur Lira. O governo e o centrão já estão acertados, mas como os ministérios ainda não foram entregues, Lira aproveita para fazer as vontades do governo a conta-gotas. O novo arcabouço passou depois de ficar em banho maria, mas a Câmara derrubou um item que permitia ao governo garantir investimentos no PAC 3. Além disso, a Medida Provisória que aumenta a tributação de fundos de investimentos fora do país, em paraísos fiscais, pode caducar se não for votada até a semana que vem. Ou seja, Lira entrega todos os votos que o governo precisa, mas nunca todo o conteúdo e sempre fica algo para a negociação seguinte. O comportamento do líder do centrão é uma amostra das dificuldades que o governo vai enfrentar para aprovar a segunda metade da reforma tributária, aquela que mexe com a tributação de renda. Além dos fundos em paraísos fiscais, o Congresso demonstra má vontade para discutir e aprovar projetos como a elevação das alíquotas do Imposto de Renda para os mais ricos, taxação das grandes fortunas e o fim da isenção sobre lucros e dividendos. Ou seja, sem Lira, o governo não sai do lugar com a reforma tributária. E com Lira, pode ser que ela não mexa onde precisa ser mexido.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.A hipocrisia sobre as pedaladas, o crime que não houve. Luis Nassif aproveita a absolvição de Dilma Rousseff para lembrar quem foram os protagonistas do golpe.

.“Já mataram minha mãe e meu irmão. O próximo sou eu”. O filho da líder quilombola Bernadete Pacífico fala sobre a trajetória da mãe e o medo que tomou conta da comunidade. Na Piauí.

.Candiota enfrenta dilema para adotar transição energética. Na Agência Pública, a insistência de uma cidade gaúcha, onde estão as usinas mais poluentes do país, em não abandonar o carvão.

.Onde o vento faz a curva, feijão manda lembrança. No Joio e o Trigo, como a energia eólica se tornou uma ameaça para agricultores no semiárido nordestino.

.Wang Huning, o ideólogo do Dragão. No Outras Palavras, um perfil do principal conselheiro político de três presidentes chineses.

.Bilionários e monarcas agora comandam o futebol. Da Inglaterra à Arábia Saudita, como a lavagem de dinheiro e de petróleo tomou conta do futebol. Na Jacobin Brasil.

 

*Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

** Este é um texto de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rodrigo Chagas