A aprovação do projeto do novo arcabouço fiscal (NAF) na Câmara dos Deputados, na última terça-feira (22), encerrou uma discussão que durou quase cinco meses. O projeto está agora pronto para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já com as devidas regras sobre os gastos públicos e suas exceções.
Isso não significa, porém, que os limites de despesas do governo para o ano que vem já estejam definidos. Parte da discussão do arcabouço foi transferida para o debate sobre o Orçamento de 2024, que começa na semana que vem, mais exatamente na próxima quinta-feira (31).
A data é o prazo limite para o governo enviar ao Congresso Nacional o chamado Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA). O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), confirmou na quarta-feira (23) que esse prazo será cumprido. Acrescentou ainda que algumas das discussões que estavam sendo travadas durante a tramitação do NAF passarão a ocorrer agora durante a discussão do Orçamento.
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Um ponto em aberto diz respeito à atualização monetária para cálculo dos limites de despesas do governo. O arcabouço aprovado na Câmara prevê que esse limite seja atualizado anualmente antes da discussão da PLOA com base na inflação de 12 meses encerrados em junho.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder do governo no Congresso Nacional, havia apresentado uma emenda ao projeto do NAF para que o limite de gastos fosse definido posteriormente, baseado na inflação acumulada de dezembro a novembro. Essa emenda chegou a ser aprovada no Senado, mas foi rejeitada na Câmara.
Segundo Haddad, ela será discutida agora junto com o PLOA. "O Congresso decidiu que essa questão [da correção monetária] não vai ficar no marco fiscal, mas isso não impede que ele eventualmente analise essa questão", afirmou ele. "Não vejo isso como um grande problema e penso que o Congresso vai saber acomodar a discussão."
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Segundo Haddad, a ideia de Randolfe já era considerada para discutir o limite de gastos impostos pelo Teto de Gastos, marco fiscal anterior e que será substituído pelo NAF. Especialistas avaliam que a emenda proposta pelo senador poderia abrir um espaço extra de gastos de até R$ 40 bilhões, levando em conta uma inflação mais atual.
Outro ponto a ser discutido ou pelo menos oficializado durante o debate do Orçamento é a meta de resultado primário – déficit ou superávit das contas públicas. O governo já prometeu em abril, quando anunciou o arcabouço fiscal, zerar o déficit público em 2024. Isso, porém, não está previsto no NAF. Terá de ser proposto na PLOA, votado no Congresso e sancionado pelo presidente para que passe a valer.
"É a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que vai definir a meta de primário para o ano em que ela está especificando e para os três próximos. Isso está além do arcabouço", explicou o economista David Deccache, assessor do PSOL na Câmara dos Deputados e diretor do Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento (IFFD).
Regra e exceção
Haddad, aliás, afirmou que o Congresso precisará discutir formas de o atual governo, presidido por Luiz Inácio Lula da Silva, arque com despesas assumidas pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). São elas: piso nacional da enfermagem, Bolsa Família de R$ 600 e o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
Parte dessas despesas entram no limite de gastos previstos no NAF. Parte podem ser realizadas sem que considerar seus limites.
CRESCER ACIMA DA MÉDIA GLOBAL | "A reforma tributária e o arcabouço fiscal vão de encontro a restabelecer condições macroeconômicas de crescimento sustentável", declarou o ministro da @MinFazenda, @Haddad_Fernando, na África do Sul, onde acompanha @LulaOficial em viagem oficial. pic.twitter.com/ZddibbMpRo
— CanalGov (@canalgov) August 23, 2023
Entram nas regras do arcabouço fiscal:
. Gastos para pagamento do piso nacional da enfermagem;
. Despesas ou investimentos com ciência e tecnologia;
Não entram nos limites do arcabouço:
. transferências a estados e municípios e ao Distrito Federal;
. créditos extraordinários para despesas urgentes, como calamidade pública;
. despesas bancadas por doações, como as do Fundo Amazônia ou obtidas por universidades, e por recursos obtidos em razão de acordos relativos a desastres de qualquer tipo (por exemplo, Brumadinho);
. despesas custeadas com receitas próprias ou convênios obtidas pelas universidades públicas federais, empresas públicas da União que administram hospitais universitários;
. despesas da União com obras e serviços de engenharia custeadas com recursos transferidos por estados e municípios;
. pagamento de precatórios com deságio aceito pelo credor;
. parcelamento de precatórios obtidos por estados e municípios relativos ao antigo Fundef;
. despesas não recorrentes da Justiça Eleitoral com a realização de eleições.
. Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF);
. Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb);
. gastos feitos com recursos obtidos com concessões, com dividendos de empresas públicas ou com a exploração de recursos naturais;
. gastos feitos com recursos de contas PIS/Pasep declaradas abandonados;
. gastos com receitas obtidas com programas de recuperação fiscal (Refis);
. transferência a estados e municípios de parte da outorga pela concessão de florestas ou venda de imóveis federais em seus territórios;
. despesas para a quitação de precatórios usados pelo credor para quitar débitos ou pagar outorgas de serviços públicos licitados;
Outras exceções:
. O arcabouço fiscal prevê um valor mínimo de investimentos que o governo deve fazer por ano, independentemente dos limites de gastos. Ele gira hoje em torno de R$ 70 bilhões;
. Gasto para reajuste do salário mínimo estará garantido mesmo caso o governo não cumpra as metas fiscais previstas no NAF;
. Gasto para pagamento do Bolsa Família estará garantido mesmo caso o governo não cumpra as metas fiscais previstas no NAF;
. Gastos com Saúde e Educação não levam o NAF em consideração porque estão definidos pela Constituição, na qual o arcabouço não mexe;
. A Constituição também prevê que 2% das receitas líquidas do governo sejam destinadas a pagamento de emendas parlamentares.
Segundo Deccache, da forma como foi aprovado, o NAF chega a ser mais rígido do que o Teto de Gastos, pois tem menos exceções. "Neste aspecto muito específico, o novo arcabouço fiscal é mais duro que o antigo Teto de Gastos. No Teto, havia mais exceções."
Regras gerais
A regra geral do Naf vinculam as despesas com a arrecadação. O gasto do governo pode aumentar até 70% do ganho com impostos.
Isso significa que, se a União receber R$ 100 milhões em impostos a mais, poderá aumentar seus gastos em R$ 70 milhões no ano seguinte. Os valores são ilustrativos.
:: Tudo sobre o novo arcabouço fiscal em 25 perguntas e respostas ::
O arcabouço também prevê que o governo apresente metas para as contas públicas anualmente. Se essas metas não forem cumpridas, o crescimento da despesa cai de 70% da arrecadação para 50%; depois para 30%.
Exemplo: se as contas do governo fecharem com déficit de 0,3% do PIB em 2024, quando a meta era zero com tolerância de até déficit de 0,25%, as despesas só poderão aumentar 50% da arrecadação em 2025. Se em 2025, a meta prevista para o ano também não for cumprida dentro da margem de tolerância, o gasto só poderá crescer 30% em 2026.
O Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) divulgou um informativo sobre o NAF após sua aprovação. Segundo o Made, o NAF favorece investimentos.
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— Made (@made_usp) August 23, 2023
O congresso aprovou ontem o desenho final do novo arcabouço fiscal, chamado de Regime Fiscal Sustentável (RFS) pelo governo. Aqui, resumimos os principais pontos e explicamos o funcionamento básico das novas regras. Segue o fio pic.twitter.com/T9wNu7wPMv
Edição: Thalita Pires