troca de saberes

Da cana às eólicas: 'consciência comunitária' atravessa gerações no Polo da Borborema (PB)

Articulações em defesa do território nos dias atuais tem inspirações nas lutas sindicais de décadas atrás

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A cada ano, um dos municípios do Polo da Borborema é escolhido para a realização do ato da Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia - Foto: Túlio Martins
A gente sempre afirma que uma pessoa com conhecimento é uma pessoa também que tem poder

A troca de conhecimentos é uma das práticas que garantem às famílias agricultoras o direito a escolher o território que desejam. O entorno do Planalto da Borborema, no agreste paraibano, ilustra essa perspectiva com um histórico de resistência camponesa desde o período colonial.

Um dos recortes na temporalidade da área, compreendida pela rede do Polo Sindical da Borborema, pode ser feito nos reflexos da atuação da qual Margarida Maria Alves fez parte, entre as décadas de 1960 e 1980, com os trabalhos de educação e comunicação popular nos dias atuais.  

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Em uma área compreendida por 15 sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais (STRs), os pronunciamentos camponeses que cobram direitos são inseparáveis de uma compreensão coletiva de rede que encara os desafios ao longo do tempo.   

“A gente sempre afirma que uma pessoa com conhecimento é uma pessoa também que tem poder. E não é à toa que no Brasil o latifúndio ainda tem muita força. É porque quanto mais um agricultor, uma agricultura, que não tem conhecimento sobre seus direitos, sobre o direito à terra, sobre os seus modos de vida mais sofrem. Então o acesso ao conhecimento é uma estratégia extremamente importante na nossa luta”, define Roselita Vitor Albuquerque, coordenadora política do Polo da Borborema, rede que, entre diversas atividades, promove cursos, encontros, feiras, intercâmbios e outras atividades dialógicas no território. 

Com a característica de brejo, a região de 15 municípios passou por ciclos de atividades de cultivo de algodão, sisal, café e cana-de-açúcar, o que forçou a perda da terra para famílias camponesas que já viviam no local e produziam alimentos para autoconsumo. O novo cenário fez com que trabalhadores e trabalhadoras morassem em áreas consideradas dos patrões.  

Séculos passados, com a expansão da exploração trabalhista canavieira, Margarida Maria Alves participou das campanhas salariais dos sindicatos rurais que, entre reivindicações, cobrava o direito à gleba. Literalmente sem nenhum direito, trabalhadores e trabalhadoras não podiam nem mesmo plantar para autoconsumo e a qualquer momento poderiam ser despejadas de suas moradias. 

“A terra era só para plantar milho, feijão e batata, que colhia logo e no e no outro ano se [o patrão] dissesse assim, cismasse: ‘você tem que sair’. A gente saia com os cacarecos na cabeça sem ganhar nada. Não tinha lei para proteger”, lembra a agricultora Maria de Lourdes Sousa, conhecida como Dona Quinca, de Remígio (PB). 

Do movimento sindical que Margarida Alves fez parte entre as décadas de 1960 e 1980, vários direitos foram conquistados para canavieiros e canavieiras, incluindo a relação entre terra, território e conhecimentos. Dona Quinca, por exemplo, conheceu Margarida Alves durante uma reunião de estudos com a população local no sindicato de Alagoa Grande (PB). Os temas em questão eram o Estatuto da Terra (em vigência na época) e as leis trabalhistas.  

A situação de fome e outras violências eram consequências da exploração trabalhista. Quem atuou ao lado de Margarida Alves na época faz questão de lembrar sua preocupação com a democratização do conhecimento para garantir o acesso ao território e outros direitos.  

"Ela [Margarida Alves] se incomodava muito para que os filhos dos trabalhadores tivessem direito a estudar, assim como os filhos dos ricos têm. Então era uma luta dela por isso, e eles [patrões] não queriam. Porque eles queria que os filhos dos trabalhadores fossem os escravos deles. E que as filhas fossem as 'negrinhas' das cozinhas para serem exploradas por eles e pelos filhos. E muitas vezes até outras coisas a mais. Dá muito bem para entender na minha palavra o que eu quero dizer”, afirma a repentista Maria Soledade Leite.

Rose afirma que as estratégias de atuação do Polo Sindical da Borborema hoje, na disputa entre identidades camponesas, territórios e saberes se inspiram no trabalho de Margarida Maria Alves e outras pessoas que a acompanharam para a defesa de um território melhor para a vida camponesa.  

“Quando estamos nessa luta pelo território, quando estamos enfrentando o capital para que as nossas sementes crioulas sejam preservadas - nossas Sementes da Paixão -, quando estamos na luta contra os agrotóxicos, essa luta é também a luta que Margarida fazia naquele tempo, contra o latifúndio. Hoje fazemos contra as empresas. O capital que chega no nosso território”, pontua.   

Da cana-de-açúcar às eólicas

Uma das missões atuais do Polo da Borborema é articular o diálogo sobre os impactos da instalação de parque eólicos que, de acordo com Rose, colocam em perspectiva a identidade camponesa no território.

O tema entrou no radar da rede em 2018, quando uma empresa começou a fazer estudos na região. Rose afirma que apesar do marketing e propaganda associada, a possível chegada desses megaempreendimentos ameaça patrimônios das famílias agricultoras, cultivados por uma herança de saberes que atravessa gerações.

Neste sentido, a rede realizou diversas mobilizações no território contra movimentações desde setor. A coordenadora do Polo destaca que a instalação de usinas de energia eólicas no território, o que pode colocar em jogo sistemas agroflorestais, sementes crioulas, animais nativos, tecnologias sociais e outros patrimônios de saberes que não se separam do pertencimento ao local.


O teatro popular é uma das atividades realizadas pelo Polo para debater o tema das usinas eólicas / AS-PTA

“Quando vamos com um grupo de agricultores e agricultoras para Caetés (PE), conhecer a realidade de famílias agricultoras que estão vivendo os impactos desse modelo energia concentrado a partir dos parques eólicos e as famílias vão lá em veem a realidade e ouvem os depoimentos das famílias, é uma estratégia de enfrentamento”, relata a coordenadora político do Polo, ao lembrar que as famílias ainda conheceram os impactos nos municípios pernambucanos de Venturosa, Pedra e Capoeiras.

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No fim de agosto de 2022, a primeira audiência pública promovida pela Assembleia Legislativa da Paraíba para debater o tema, reuniu cerca de 300 agricultores e agricultoras no município de Esperança (PB). O intuito foi denunciar as violações de direitos promovidas pelas empresas multinacionais, e cobrar uma resposta do estado.

Espelhos de luta

Décadas atrás, Margarida Alves fez parte de um movimento sindical que enfrentou a ditadura militar, além dos latifundiários. Com apoio de setores da igreja, ela liderou uma comissão espalhava e compartilhava as histórias camponesas de porta em porta, com panfletos e sessões coletivas de estudo, para defender a vida camponesa no território. 

“Eram esclarecimentos, reuniões e conhecimentos da lei. Além do sindicato tinha o movimento de evangelização rural na época, e depois o movimento de comunidade popular. Hoje temos esse papel com o Polo Sindical”, destaca Quinca. 

Diante da construção e compartilhamento do conhecimento com metodologias horizontais, há de se destacar também um liga de sentimentos que move a rede sindical na Borborema. 

“Fazer a luta no movimento sindical hoje, no Polo da Borborema, é encontrar a força e a capacidade de se indignar como Margarida assim foi”, relata Rose.  

Edição: Douglas Matos