Moradores de comunidades do Rio de Janeiro que são sujeitas à violência provocada por agentes do estado têm mais chances de adoecer e de serem impedidos de acessar os serviços de saúde, essa é a conclusão de uma pesquisa inédita feita pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC). O levantamento “Saúde na Linha de Tiro” conversou com 1500 moradores de seis comunidades cariocas semelhantes socioeconomicamente, mas expostas a níveis diferentes de violência armada.
As comunidades foram divididas em dois grupos: três delas afetadas frequentemente por tiroteios com a presença de agentes de segurança em 2019 e outras três que não são atingidas pelo mesmo tipo de violência, segundo dados do Instituto Fogo Cruzado. Os números mostram que o medo gerado por operações policiais prejudica a saúde física e mental de quem vive nesses locais a curto e longo prazo.
Mais da metade (59,5%) dos moradores das três comunidades acabaram desenvolvendo problemas como hipertensão, insônia, ansiedade ou depressão. A manicure Érica Lima, de 42 anos, é moradora do Complexo da Maré, na zona norte da cidade, e conta que desenvolveu diversos problemas de saúde após ter dois de seus três filhos executados em operações policiais.
“As pessoas dizem que ouviram os gritos do meu filho pedindo por socorro e para ajudarem ele. Os policiais saíram de dentro do ‘caveirão’ e deram dois tiros no peito do meu filho e mataram meu filho ali. Hoje em dia eu tenho depressão, tenho pressão alta, sou pré-diabética, tomo um monte de remédios e de mês em mês tenho que ir ao hospital fazer tratamento”, conta.
Érica diz que sente medo todos os dias, não só por ela, mas por toda a sua família. “Eu tenho medo porque eu tenho um filho de 23 anos, meu filho é trabalhador, mas eles não querem saber se é trabalhador ou não. Meu filho sai 7h para trabalhar, ele trabalha um dia sim, dia não. Medo eu tenho. Esses dias mesmo teve uma operação que começou 1h30 da manhã, eles entraram do nada atirando. É complicado”.
A pesquisa mostrou também que quase um terço (26,5%) dos moradores de comunidades mais prejudicadas já adiou a procura por um serviço de saúde, contra apenas 5,9% dos que residem em comunidades sem tiroteios. Além disso, moradores de comunidades expostas à violência têm 42% mais risco de desenvolver hipertensão quando comparados ao grupo de moradores de localidades menos afetadas.
A coordenadora de pesquisas do projeto, Rachel Machado, explica que com os resultados da pesquisa é possível fazer uma avaliação de como a política de violência adotada por agentes de Estado é, além de ineficaz, prejudicial.
“O estado se propondo a combater o tráfico gera mais impactos e não reduz a circulação das drogas, não enfraquece o tráfico de drogas, não tem um resultado substancial e por outro lado causa dor, sofrimento, adoece as pessoas e mata”, diz.
Para Rachel, já passou da hora de acabar com a falsa suposição de que moradores de comunidades acabam se acostumando com a violência.“Diferente do que muitas pessoas falam que os moradores de favelas se acostumam, desenvolvem uma resiliência, a pesquisa mostrou que não. Mais de 30% dos moradores dessas áreas relataram sentir falta de sono, sudorese, insônia e dificuldade de dormir. Mais de 40% relatou sentir o coração acelerado por causa dessa rotina de tiroteios”, explica a coordenadora.
A pesquisa também mostra prejuízos econômicos que a chamada “guerra às drogas” produz. Somados os moradores das três comunidades, o prejuízo da população chega a R$ 1 milhão, já que as pessoas acabam impedidas de realizar suas atividades. Aos cofres públicos também há custo de mais de 300 mil por interrupção das unidades básicas de saúde, nas três comunidades suscetíveis à violência estudadas no levantamento.
Edição: Mariana Pitasse