O setor cultural e criativo brasileiro emprega cerca de 7,5 milhões de trabalhadores/as (7% do total da população economicamente ativa do país), e representa cerca de 3,11% do Produto Interno Bruto (PIB). Essas foram algumas das principais conclusões de uma pesquisa elaborada e recém-publicada pelo Observatório do Itaú Cultural junto à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ao assumirem o compromisso público colaborativo da construção e mensuração permanente do peso relativo da chamada Economia da Cultura e das Indústrias Criativas (Ecic) no conjunto do PIB Nacional.
O levantamento também constatou que o chamado PIB da Ecic segue uma tendência cíclica, mas com seus movimentos de expansão sendo muito determinados pelo comportamento dos gastos públicos, contexto externo e, finalmente, pela própria dinâmica do PIB do Brasil, além de apresentar um forte dinamismo com efeito multiplicador – como poucos outros setores e segmentos apresentam: geralmente quando se aumenta o investimento e gera-se crescimento na Ecic, a tendência é de acompanhamento no crescimento do PIB brasileiro.
Em termos comparativos internacionais, a Ecic do Brasil apresenta uma contribuição que se destaca mesmo entre países com nível similar de desenvolvimento, superando, por exemplo, a contribuição dada pela Ecic do México ao seu PIB (2,9%) e da África do Sul (2,97%). É possível se fazer essa comparação com base no “Creative Economy Outlook 2022”, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), sobre a contribuição dos Ecics aos PIBs de diversos países.
Apesar de todo esse posicionamento global relativo significativamente vantajoso e de um potencial enorme ainda subaproveitado, muito raramente, porém, chegamos a um mínimo patamar de 1% do orçamento público às áreas da cultura e da economia criativa, em nenhuma das três esferas da gestão pública brasileira: municipais, estaduais e tampouco a federal. Ainda que este seja o patamar mínimo indicado mundialmente, há décadas, pela mesma Unesco.
Com o início do terceiro Governo Lula, a recriação do Ministério da Cultura (MinC), o início da execução da Lei Paulo Gustavo, a reconstrução de muitas políticas públicas focadas na afirmação de direitos e na recuperação social, com destaque à Cultura, como o programa Cultura Viva, em nível nacional, bem como alguns primeiros indicadores apontando uma forte recuperação econômica e sociocultural, ao longo dos dois últimos meses, o Setor Cultural e Criativo Brasileiro deu nova demonstração contundente do seu potencial socioeconômico (e correspondente sede por mais investimentos, geração de emprego, renda, riqueza e cidadania – em todo país).
Entre 11 de maio e 11 de julho de 2023, as 27 secretarias estaduais de cultura e afins – incluindo o Distrito Federal (100%); e mais de 98% (impressionantes 5.467) municípios brasileiros, de um total de 5.569, manifestaram interesse pela Lei Paulo Gustavo (LC nº 150/2022), pelo Sistema Nacional de Cultura (SNC) e por mais recursos à Cultura e à economia criativa de suas regiões. Foi a maior adesão voluntária por entes federados a um programa público da história do Brasil.
Mesmo com importantes sinais e avanços concretos, nesta dimensão nacional, durante o presente exercício de 2023, em relação aos flagrantes retrocessos dos últimos anos, bem como apesar dos avanços e das experiências práticas nessa concepção e colaboração federativa e municipalista, fortalecendo a autonomia relativa de todos entes federados possibilitando-os que acessem e executem políticas e recursos públicos de forma descentralizada, colaborativa e democratizada, revigorando toda a República e seu pacto federativo, ainda estamos falando, porém, de patamares orçamentários mínimos dedicados a essa área tão estratégica.
Vejamos, por exemplo, com maior profundidade a partir da perspectiva do estado de São Paulo, no presente ano de 2023 – um dos estados que é visto pelo restante das unidades federativas como daqueles que mais investe em cultura, economia e indústrias criativas. A realidade que temos hoje, mesmo representando cerca de 48% do PIB Criativo Nacional (segundo pesquisa da FGV/Sebrae, 2020), é um cenário orçamentário composto da seguinte forma pelos recursos combinados das três esferas: apesar de um avanço recorde ante o cenário desértico de políticas e recursos dos últimos anos de bolsonarismo e sua notória guerra anti cultural, atualmente ainda contamos com apenas cerca de 0,2% do Orçamento Federal ao MinC e à Cultura Brasileira; somente cerca de 0,4% do orçamento estadual de São Paulo à área; e, apenas, algo entre 0,8 - 1,0% do orçamento público municipal da capital paulista dedicado à Cultura, para citar o exemplo de uma cidade que é polo artístico e cultural, de indústrias criativas e de eventos relacionados - ao conjunto do nosso setor cultural e criativo que representa mais de 3% do PIB de cada um desses três recortes e dimensões socioculturais, econômicas e geográficas. [6] Agora imaginemos se houvesse o mínimo de incremento orçamentário à área no próximo período…
Dez dias decisivos…
Pois até o próximo dia 31 de agosto, serão apresentadas e também encaminhadas as respectivas propostas originais dos PPAs - Planos PluriAnuais (Federal e Estaduais), da parte do poder executivo federal e os poderes executivos estaduais ao Congresso Nacional e às Assembleias Legislativas de cada UF brasileira. Simultaneamente deverão avançar também, nas pautas ordinárias, as respectivas Projetos de Leis Orçamentárias Anuais (Ploas) nas três esferas (municipais, estaduais e federal) de todo o país, definindo a projeção orçamentária dos recursos, diretos e indiretos, que serão destinados à Cultura e à Economia Criativa Brasileiras ao longo dos próximos 4 (quatro) anos.
Se considerarmos a Cultura um Direito de Tod s, visando “consolidar a cultura e as artes como direitos e vetores de desenvolvimento humano, social, econômico, sustentável e territorial, valorizando a diversidade cultural e regional, as expressões artísticas e simbólicas e a pluralidade étnica, racial, de gênero e de territórios”. ou seja, um direito humano e social que deve ser universalizado, como propõe o Ministério da Cultura, agora recriado e retomado (foi este o mote do programa oficial enviado pelo MinC no âmbito do PPA Brasil Participativo) e o investimento público em Cultura e Economia Criativa estratégico e prioritário para o futuro do Desenvolvimento Econômico, Sociocultural, Socioambiental, e certamente para o Desenvolvimento Humano de nosso país, para a garantia de direitos e a efetivação de políticas públicas - inclusive intersetoriais: é justo ou inteligente ainda estarmos num nível de investimento público, direto e indireto, tão aquém desta imensa necessidade, diante o gigantesco potencial do Setor?
Desde as Eleições de 2022, e durante os seus primeiros meses de governo, têm sido inúmeras as ocasiões em que o candidato e, agora, Presidente Lula enaltece e reforça a prioridade central que pretende dar à Cultura em seu novo mandato. Não há um único Ministro atualmente em toda Esplanada que não concorde com a importância estratégica do fortalecimento da Economia da Cultura Brasileira. As próprias Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2 foram aprovadas por praticamente a unanimidade das duas Casas Legislativas do país, na Câmara e o Senado. E a importância crucial da Cultura também tem sido reiterada por diversas manifestações e decisões de Ministros e do Supremo Tribunal Federal (STF). Pois garantir o fortalecimento do Sistema Nacional de Cultura (SNC), o nosso tão sonhado "SUS da Cultura", exigirá recursos públicos à altura...
Por que razão ou derrisão, então, ainda não estamos discutindo, detalhando e propondo um verdadeiro “PAC da Cultura”, específico e robusto, estratégico, nacional e internacionalmente, para o conjunto de nossa socioeconomia e de várias outras dimensões da sociedade brasileira (pois raras áreas têm tanta sinergia transversal e intersetorial como a Cultura), no curto, médio e longo-prazo?
Lembremos que as duas propostas por mais orçamento à cultura brasileira estiveram entre as mais votadas do recente PPA Brasil Participativo (a primeira mais votada, com 4.229 votos, solicitava a luta histórica por 2% do orçamento federal à cultura; e também a 6ª mais votada, que detalhou rubrica por rubrica uma proposta factível do mínimo de 0,5% do orçamento federal à cultura, com 1.087 votos, numa enquete encerrada em meados de julho agora), entre 220 propostas da população, totalizando mais de um terço dos 15.524 votos da sociedade civil nessa área.
Por isso, vem se amadurecendo uma proposta unificada e pragmática para um novo horizonte, dentro de diversos órgãos e instâncias do setor cultural, por mais orçamento à Cultura brasileira já a partir de 2024, buscando defender, em todas as etapas das conferências de cultura (pré, territoriais, municipais, intermunicipais, estaduais, regionais, temáticas, livres e a nacional), bem como nos respectivos processos consultivos e participativos de PPAs estaduais e federal, bem como nas PLOAs das três esferas, as seguintes metas futuras de patamares mínimos, imprescindíveis:
- patamar mínimo de 0,5% do orçamento federal para o Minc e a Cultura brasileira já a partir de 2024 (garantindo-se uma atualização e crescimento progressivo, tendo sempre no horizonte o parâmetro ideal de 2% do Orçamento Público);
- patamar mínimo, tal qual indicado pela Unesco, de 1,0% do orçamento estadual para as Secretarias de Cultura e afins em todas as UFs e no DF (garantindo-se uma atualização e crescimento progressivo, tendo sempre no horizonte o parâmetro ideal de 2% do Orçamento Público);
- e o patamar mínimo de 2% do orçamento municipal para as pastas de Cultura, Economia Criativa e correlatas nas cidades brasileiras, também se possível já a partir de 2024.
Durante a última semana, no 1º Encontro Nacional de Gestores da Cultura, entre os dias 14 e 15 de Agosto na cidade de Vitória-ES, dezenas de autoridades, servidores/as e, inclusive, presidentes de instituições importantes do Sistema Nacional de Cultura e da iniciativa privada, mista e do terceiro setor, bem como representantes de órgãos de controle do Poder Público brasileiro, reforçaram a importância estratégica e inadiável de avançarmos para “culturalizar a nossa democracia”, nas palavras da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Carmen Lúcia, e também avançarmos na composição e projeção orçamentária para a cultura e a economia criativa brasileira em todos os níveis, algo também pontuado por um dos coanfitriões do Encontro, Eduardo Saron, Presidente da Fundação Itaú.
"O STF fez, pela minha relatoria, não um favor ou um privilégio. Apenas garantiu que a Constituição fosse respeitada. Não agradeçam. Todos os brasileiros têm direito à execução dos bens culturais. Cultura não é favor, da mesma forma como não é um favor ser livre. (...) O povo não pede licença para criar cultura. Tudo o que o Estado pode fazer é garantir esse direito” , vaticinou a Ministra do STF a um auditório da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) repleto de gestores e gestoras públicas de cultura de todo país.
Por essas e muitas outras razões, incluindo a retomada e avanço na tramitação, pelo Congresso Nacional, da pauta histórica da PEC 421/2014 , a qual foi apensada recentemente à PEC 150/2003 (que há 20 anos compreende a necessidade estrutural e estratégica de mais orçamento para Cultura, vinculado e atualizado), e propõe a ampliação escalonada dos orçamentos, facilitando aos entes federados a progressiva melhoria dos respectivos exercícios orçamentários à Economia da Cultura e Indústrias Criativas, gostaríamos de solicitar ao Presidente da República, Sr. Luís Inácio Lula da Silva; ao Vice-Presidente e Ministro da Indústria e do Comércio do Brasil, Sr. Geraldo Alckmin; ao Ministro Secretário Geral da Presidência da República, Sr. Márcio Macedo; ao Presidente do Congresso Federal, Sr. Rodrigo Pacheco; ao Presidente da Câmara dos Deputados Federais, Sr. Arthur Lira; à Ministra do Planejamento e Orçamento, Sra. Simone Tebet; ao Ministro da Fazenda, Sr. Fernando Haddad e à Ministra da Cultura do Brasil, Sra. Margareth Menezes, bem como a todas Governadores e Governadoras, Prefeitos e Prefeitas, e demais Autoridades implicadas direta ou indiretamente, o compromisso público com a luta pela efetivação de maior e melhor orçamento à Cultura Brasileira nas três esferas, acolhendo os amplos anseios da sociedade civil e dos nossos canais de participação popular na gestão pública, já a partir de 2024.
Convidamos as demais pessoas, da sociedade civil, dos setores Cultural e Criativo brasileiros e muito além, sensíveis a essa pauta estratégica e cientes da importância e urgência dessa construção, que participem ativamente deste debate público e das próximas atividades relacionadas ao nível das projeções e definições orçamentárias nacionais, estaduais - em cada uma das UFs (incluindo o DF), bem como no seu respectivo município, apoiando a construção de mais e melhor orçamento público, direto e também indireto, para as gestões de cultura e de economia criativa nas três esferas de governo.
Fica renovado por aqui também o bom conselho cantado há décadas por Chico Buarque a nós e à cultura de nosso país:
Inútil dormir que a dor não passa /
Espere sentado /
Ou você se cansa /
Está provado: quem espera nunca alcança...
Assinam este artigo de opinião:
Bel Galvão, do Coletivo Bela, membro do Fórum Paulista dos Pontos de Cultura e da Comissão Nacional de Pontos de Cultura - Rede Cultura Viva;
Carmen Negrão, da Rede Nacional de Produtores de Fotografia, integrando o Fórum InterConselhos representando o Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC);
Claudia Leitão, ex-secretária de Cultura do Ceará, foi responsável pela criação e primeira gestora da Secretaria da Economia Criativa (SEC) do MinC. É consultora em Economia Criativa para a Organização Mundial do Comércio (OMC) e para a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD);
Cristina Assunção, do Slam da Guilhermina, Fórum Social da Zona Leste (FSZL) e conselheira do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social e Sustentável da Presidência da República (Conselhão);
Danilo Cesar, do Comitê SP da Lei Paulo Gustavo e no Conselho de Participação Social da Presidência da República representando a Operativa Nacional dos Comitês Paulo Gustavo;
David Terra, Secretário Municipal de Cultura de Nilo Peçanha-BA, coordenador do Fórum de Gestores Municipais de Cultura da Bahia, Articulador da Rede Nacional de Gestores Municipais de Cultura;
Jacqueline Baumgratz, do Pontão de Cultura Bola de Meia - membro do Fórum Paulista dos Pontos de Cultura e da Operativa Nacional da Lei Paulo Gustavo pelo Estado de São Paulo;
Poliana Sepúlveda, conselheira Estadual de Cultura do Piauí e Vice-presidente do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Cultura - ConECta;
Shaolin Barreto, representante-titular da Região Nordeste no Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC) e integrante da Coordenação Executiva da 4ª Conferência Nacional de Cultura (CNC);
Stella Cabral do Coletivo Bela, integrante do Conselho de Participação Social da Presidência da República representando a Comissão Nacional de Pontos de Cultura - Rede Cultura Viva.
* Rede Mais Cultura no Orçamento Público - Articulação Nacional de Fazedores/as, Pesquisadores/as, Conselheiros/as e Gestores/as de Cultura, independente e suprapartidária, visando um permanente fortalecimento estratégico do Orçamento Público, Direto e Indireto, para a Cultura e a Economia Criativa Brasileira nas três esferas, pautando e construindo consensos sobre o tema durante os PPAs e PLOAs participativos e nas diversas etapas da 4ª Conferência Nacional de Cultura, já em curso. Em breve a Rede realizará também uma Conferência Nacional Livre sobre o tema do Orçamento Público à Cultura e à Economia Criativa.
** Este é um texto de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Chagas