Nos últimos dias, com o noticiário político se aproximando cada vez mais das páginas policiais quando o assunto é o entorno de Jair Bolsonaro (PL), muita gente começou a se perguntar: o ex-presidente será preso?
Nas redes sociais e nas trocas de mensagens pelo celular, já há quem faça apostas sobre quando isso poderia acontecer. Por sua vez, há também informações sobre apoiadores do hoje inelegível se mobilizando para evitar que ele se entregue. Isso porque algumas pessoas supostamente bem informadas garantem que o mandado de prisão já está sendo redigido.
A situação, porém, não é tão simples. O desejo de cidadãos que, por exemplo, opuseram-se às políticas de morte na pandemia de covid-19 não deve guiar as decisões. É preciso seguir o processo legal.
O Brasil de Fato conversou com especialistas da área do Direito para entender melhor o cenário.
O jurista Patrick Mariano, doutor em teoria do estado e filosofia do direito pela Universidade de São Paulo (USP), lembra que os processos contra o capitão reformado têm nuances que vão além do viés do direito, pois também são atravessados por elementos da política.
"Do ponto de vista político, eu acho que seria complicada uma prisão do ex-presidente, porque isso poderia trazer uma instabilidade institucional a ponto de unificar elementos de extrema direita, tanto nacional como internacional, num momento que ainda é delicado. Eu entenderia como algo que traz um risco inerente a uma estabilidade institucional que foi conseguida", lembra.
A decisão sobre uma prisão ou não, porém, deve seguir o que prevê a legislação. Mariano ressalta que não teve acesso aos autos dos processos que envolvem Bolsonaro e seu entorno, mas as informações publicadas pela imprensa até o momento mostram que não há elementos que indicam que ele possa vir a ser preso. Essa seria uma alternativa, por exemplo, se ficasse claro que ele tentou interferir no processo, eliminando provas ou tumultuando as investigações.
"O senso comum foi condicionado a entender o processo penal pelo método da Lava Jato, principalmente nos últimos anos: uma busca e apreensão, uma delação e o próximo passo é a prisão. Esse senso comum, esse método de compreensão do direito é equivocado. A gente precisa se desacostumar dessa lógica de pensamento", pontua.
Em conversa com o Brasil de Fato, o professor de processo penal Rubens Casara não citou os casos concretos relativos a Bolsonaro, mas esclareceu pontos relevantes da legislação e do Direito no país. Ele lembra, por exemplo, que a existência de provas de ocorrência e de inícios de autoria de um delito não são suficientes para a decretação de uma prisão antes que qualquer cidadão seja definitivamente julgado.
Casara também citou o modus operandi que se tornou praxe da Operação Lava Jato, que se notabilizou por prisões decretadas fora dos limites legais, mesmo sem indícios de autoria de delitos ou de dados concretos que indicassem a necessidade de prisão. Por mais que seja grande o desejo de ver "inimigos" ou adversários políticos presos, isso não deve nortear os processos.
"O brasileiro naturalizou a existência de prisões ilegais e desnecessárias. É preciso pensar a questão da prisão de qualquer pessoa, inclusive daquelas que a gente não gosta, fora dos padrões estabelecidos por racionalidades autoritárias, como a da Lava Jato", alerta.
O especialista lembra que o tempo das decisões judiciais é diferente do tempo da política. As prisões devem ser imediatas desde que sejam cumpridos os critérios para isso. Após o trânsito em julgado de uma condenação ou em caso de riscos ao processo (como nos casos já citados, de fugas ou destruição de provas).
"A imediatidade da política não se mostra adequada às decisões judiciais. Sempre que o julgador decide a partir de pautas e do tempo do jogo político, há o risco de violações da legalidade", conclui Casara.
Edição: Rodrigo Chagas