Apesar de tudo, Cuba sobrevive e progride
Por Fernández Garrido*
O atual sistema político cubano foi fruto de uma profunda revolução popular, encabeçada por uma liderança excepcional, cuja grande tarefa histórica consistiu em abolir a ordem estabelecida; não apenas o batistato, mas o dependente e corrupto regime liberal burguês.
Era preciso exterminar a exploração econômica, os despejos, o analfabetismo, a discriminação racial e de gênero, a falta de acesso à saúde, que afetava a maioria da população cubana. Era necessário erradicar aquelas cenas horríveis e humilhantes que se vivia diariamente em Cuba, uma delas – tristemente famosa, mas típica – em que os fuzileiros navais americanos jogavam moedas ao mar para as crianças cubanas recolherem, zombando de sua dor e de sua falta de esperança; ou o insólito insulto à figura do Apóstolo da Independência de Cuba, José Martí.
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Assim era Cuba antes de 1959, um país onde a polarização da riqueza, o fosso social e a consequente pobreza endêmica eram extremos. As vantagens do crescimento econômico nacional foram colhidas pela elite burguesa e governamental; as terras estavam em poucas mãos, muitas delas ociosas; o comércio exterior estava sob o controle dos Estados Unidos, e a educação e a saúde eram privilégios das classes ricas. Uma parte muito importante da cidade era analfabeta; jogos de azar, drogas e prostituição eram comuns.
Os recursos nacionais e a soberania foram vendidos aos Estados Unidos, seus consórcios e à máfia americana. Cuba era um país apendicular e humilhado, no qual a repressão aos cidadãos que desejavam mudanças na situação vigente era brutal, implacável.
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O próprio presidente Kennedy, em plena campanha eleitoral, em 6 de outubro de 1960, em banquete oferecido pelo Partido Democrata, lançou fortes críticas à derrubada ditadura de Fulgencio Batista e ao apoio que recebera do governo anterior. Entre outras coisas, destacou: “Talvez o mais desastroso de nossos erros tenha sido a decisão de elevar e apoiar uma das ditaduras mais sangrentas e repressivas da longa história da repressão latino-americana. Fulgêncio Batista assassinou 20 mil cubanos em sete anos, uma proporção maior da população cubana do que a dos norte-americanos que morreram nas duas grandes guerras mundiais”.
Este comentário de Kennedy, que inevitavelmente descrevia a realidade do país, tinha por objetivo criticar o governo anterior e responsabilizá-lo pelo triunfo de uma indesejada revolução anti-imperialista em Cuba em 1º de janeiro de 1959.
A figura de Fidel Castro, homem de pensamento e ação, foi decisiva para o triunfo revolucionário. Para Fidel, a unidade era essencial, não só para alcançar a vitória, mas também para mantê-la. Sobre isso, ele disse: “A força de um povo está em sua unidade, a força de um povo está em sua maioria".
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Nesse sentido, ele também alertou sobre os problemas que teriam de ser enfrentados, já que a Revolução Cubana representou a ruptura do esquema hegemônico dos Estados Unidos na América Latina. Com este radical processo político, social e econômico encabeçado por Fidel Castro, os Estados Unidos, seus consórcios e máfias foram privados da possibilidade de manter o controle político e econômico sobre Cuba, controle que tinham desde a sua intervenção na guerra cubana contra o colonialismo espanhol.
A Revolução Cubana e seu sistema de justiça social encarnam uma negação do sistema capitalista dominado hoje pelas correntes neoliberais. Constitui uma alternativa exclusiva, que os Estados Unidos veem como uma ameaça aos fundamentos desses sistemas injustos. O internacionalismo solidário de Cuba, por sua vez, contrasta claramente com a política intervencionista e violenta dos Estados Unidos, que obviamente promove uma imagem positiva de Cuba em oposição à crescente rejeição da política externa dos Estados Unidos.
Estes são alguns exemplos que fazem parte das razões pelas quais os Estados Unidos estabeleceram e mantêm o bloqueio econômico, comercial e financeiro a Cuba. É um ato de guerra em tempo de paz, imposto unilateralmente. Tal política genocida foi endurecida por mais de 60 anos. Começou, de fato, em junho de 1959 com a anulação da quota de açúcar no mercado norte-americano e do abastecimento de petróleo, de que dependia a economia do nosso país. Tornou-se oficial em 7 de fevereiro de 1962 com a aplicação da Seção 620a da Lei de Ajuda Externa, que vigorava desde setembro de 1961, quando o presidente John F. Kennedy vetou totalmente a importação de mercadorias de origem cubana.
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Mais tarde, outras medidas coercitivas foram adicionadas. Em 1992, a Lei Torricelli codificou pela primeira vez as violações do bloqueio, tornando-o extraterritorial, o que significa estabelecer sanções contra subsidiárias de empresas estadunidenses em terceiros países onde estão localizadas, bem como navios que fazem comércio com Cuba. A Lei Helms-Burton de 1996 reuniu todas as medidas do bloqueio até então em um único documento e estabeleceu que qualquer alteração essencial estaria exclusivamente nas mãos do Congresso dos Estados Unidos. Posteriormente, outros atos legislativos, como as leis orçamentárias federais e a Lei de Reforma das Sanções Comerciais e Expansão das Exportações no ano 2000, incorporaram outras proibições, como a negação de financiamento para vendas de produtos agrícolas a Cuba e a recusa de viagens de cidadãos americanos como turistas.
Durante o governo de Donald Trump, foram adotadas 243 medidas adicionais de extermínio contra Cuba. Entre elas, a eliminação de viagens de cruzeiros e voos de companhias aéreas para toda a ilha, exceto Havana; o cancelamento dos serviços consulares em Cuba e sua localização em terceiros países, o que dificultou muito o acesso; o impedimento de transações bancárias; a limitação, primeiro, e depois a cessação das transferências bancárias de cidadãos (particulares) e o consequente encerramento das operações da empresa Western Union; sanções contra empresas cubanas; a perseguição de companhias petrolíferas, seguradoras, companhias de navegação e até tripulações que transportavam gás liquefeito ou petróleo para a Ilha. O ápice de tudo isto foi a inclusão de Cuba numa lista arbitrária e unilateral de Estados que, segundo Washington, patrocinam o terrorismo internacional, o que tem consequências muito negativas nas relações financeiras externas do nosso país.
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Todas as medidas aplicadas com rigor cirúrgico obrigam a recorrer a intermediários para aceder a determinados produtos, pagar mais seguros e fretes, bem como provocar um aumento das comissões aplicadas pelas entidades bancário-financeiras. Desta forma, há um aumento substancial e antinatural nas despesas que as empresas cubanas devem assumir e, muitas vezes, atrasos excessivos na chegada de suprimentos vitais para o funcionamento de nosso país em todos os setores.
A isso se soma a guerra midiática cujo objetivo é mostrar a ineficiência de nosso sistema político. Para fazer isso, eles são auxiliados por uma chuva de notícias falsas. Esta não é uma tendência recente, desde o início da Revolução a opinião pública internacional e o próprio povo cubano têm sido sistematicamente bombardeados com falsidades em relação ao respeito aos direitos humanos, à democracia e à liberdade de expressão em Cuba, entre outros temas.
Exemplo disso foi a "Operação Peter Pan" que levou milhares de crianças cubanas a serem desenraizadas, afastadas dos seus pais, maltratadas e até estupradas nos Estados Unidos. É uma das páginas mais tristes da nossa história.
O objetivo de uma política tão agressiva contra Cuba tem sido derrubar a Revolução usando o desespero, a fome e a angústia de seu povo e tentar identificar isso com a ineficiência do sistema, que não tem surtido efeito, como é sabido.
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Apesar desta brutal ofensiva e da complexa situação que o país vive nestes momentos pós-pandemia, não há moradores de rua em Cuba; temos um excelente sistema educacional em todos os níveis e contamos com um sistema público de saúde de alto padrão, também gratuito e universal, sustentado por um notável desenvolvimento biotecnológico. A mortalidade infantil, entre outros indicadores de saúde, tem um comportamento marcadamente positivo em relação a muitos outros países, incluindo alguns do chamado primeiro mundo; a violência em geral e contra a mulher também se destaca por apresentar indicadores muito baixos.
Nesse contexto peculiar e difícil, Cuba luta para se tornar um país cada vez mais institucionalizado, democrático e eficiente. Exemplos disso foram a aprovação da Constituição de 2019 e do mais recente Código da Família, que melhoram o ordenamento jurídico do nosso Estado e incluem todos os direitos das famílias, sem discriminação de raça, sexo, orientação sexual ou condição social; assim como o atual processo de atualização do modelo econômico cubano, que é uma continuação do trabalho de Fidel. Todos esses esforços têm o objetivo de continuar o trabalho de Fidel, cujo propósito tem sido resistir e progredir para alcançar um ambiente cada vez mais justo e confortável para o povo cubano, apesar da contínua agressividade dos Estados Unidos.
*Jasely Fernández Garrido é funcionária do Consulado de Cuba em São Paulo
**Conexão Cuba é uma coluna sobre a ilha Caribenha com assuntos relacionados a política, economia, tecnologia, saúde e cultura.
***Este é um texto de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Chagas