Cerca de 70% dos alimentos produzidos hoje no Brasil e que chegam à mesa dos brasileiros vêm da agricultura familiar. Contudo, mesmo com esses números, diversas mulheres do campo ainda têm dificuldades em acessar políticas públicas e assistência técnica que contribuam com sua produção. A valorização dos trabalhos exercidos pela mulher do campo é uma das pautas a serem debatidas na Marcha das Margaridas, que reúne cerca de 100 mil mulheres nesta terça (15) e quarta-feira (16), em Brasília.
Para tratar desse e de outros temas sob uma perspectiva feminina, o Brasil de Fato Ceará conversou com a secretária de mulheres da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Ceará (Fetraece), Cícera Costa. Confira.
Brasil de Fato: Hoje você é secretária de mulheres da Fetraece, mas conta um pouco sobre a sua história.
Meu nome é Cícera, sou de uma cidadezinha pequena chamada Granjeiro, a menor do estado do Ceará, que tem quase 5 mil habitantes. Eu cresci na produção agrícola e, no período de verão, a gente trabalhava em olaria, fazendo tijolos artesanais. Depois fui ser coordenadora regional da Federação, coordenando 27 sindicatos, e hoje estou na executiva, mas antes fui secretária de políticas sociais por oito anos e agora estou no meu segundo mandato de secretária de Mulheres, na qual a gente trabalha com as mulheres de 183 municípios.
Como é que é feito o trabalho da Secretaria das Mulheres, na Fetraece? Quais são os trabalhos que vocês desenvolvem para as mulheres do campo?
Nós desenvolvemos diversas atividades. Começa lá no Sindicato. Nós trabalhamos com a questão do acompanhamento das mulheres às diversas políticas na base, do empoderamento feminino e, muitas vezes, a gente não está ligado só às mulheres que são filiadas ao Sindicato ou às mulheres agricultoras. Tem mulheres também do campo que se somam com a gente para lutar em defesa dos nossos direitos. Então a gente acompanha os diversos programas, projetos, ações, elaborando pautas, negociações, reuniões com as mulheres para trabalhar no empoderamento feminino, dizer “não à violência”, as questões sociais, as questões de paridade. São diversas bandeiras de luta que a gente trabalha no dia a dia para dar uma assistência às mulheres, para que elas possam se desenvolver, seja no aspecto econômico, lá com as modalidades de produção na agricultura familiar, seja na questão do empoderamento, e também na perspectiva de suas autonomias a cada dia neste meio, seja rural ou urbano.
A gente tem muito desafio como mulher, e eu imagino que, no campo, lá na "lavoura", como a gente chama, as dificuldades devem ser ainda maiores. Quais são os principais desafios para a mulher hoje?
Bom, nós temos vários desafios. De início é a questão da quebra de tabus, de preconceitos que ainda existem no campo, que a gente sabe que ainda tem, da questão da valorização das mulheres, das mulheres terem sua autonomia quanto à questão econômica, das mulheres poderem mostrar quem elas são em relação à questão da valorização, mas a gente também vê vários tabus que precisam ser quebrados como a questão da equidade, a questão salarial é muito forte ainda no meio rural. As vezes as mulheres produzem, mas não têm acesso ao financeiro do que produz, a jornada de trabalho é muito exaustiva e pesada. As mulheres vão para o campo, chegam em casa, tem que trabalhar em casa e ainda tem uns filhos para cuidar, tem um marido e às vezes ainda tem as pessoas agregadas da família que estão ali. A questão também da descentralização das políticas públicas. As vezes as políticas públicas ficam muito concentradas na cidade, é preciso que seja descentralizada para o meio rural.
Outra questão é o fortalecimento das políticas públicas. A gente tem muita dificuldade ainda no acesso às políticas públicas específicas para as mulheres por causa da burocratização que é muito grande. A gente tem a esperança de que venha melhorar com o governo Lula, porque com o Bolsonaro a gente perdeu, a gente perdeu os recursos que eram destinados às políticas específicas, entre elas, as mulheres. Então a gente está pensando que agora a gente pode retomar para ter acesso a essas políticas públicas.
Você estava falando sobre as políticas públicas, do retorno gradual com o novo governo. Como é que você está avaliando a volta dessas políticas voltadas para as mulheres do campo? O PAA [Programa de Aquisição de Alimentos], por exemplo, tem como uma das metas aumentar o número de agricultoras mulheres, de 46% para 50%. Para isso, fez uma série de ajustes para poder alavancar esse número. Como é que você percebe isso?
Primeira coisa que nós, enquanto movimentos populares, seja as diversas categorias, seja a questão do MST, todos os movimentos populares têm que estar juntos e unidos. O que precisa é que a gente apresente uma pauta qualificada a cada dia, que é como disse Lula: “cobrem de mim”. A gente tem que primeiro se fortalecer nesse sentido das pautas qualificadas, do que nós queremos para poder desenvolver o meio rural. Segundo, quando você traz sobre a questão do Programa de Aquisição de Alimentos, dizer que ele cumpre um papel significante entre nós mulheres. As nossas companheiras do MST percebem isso nas feiras, a diversidade que existe de mulheres no meio rural, seja de quilombola, seja de ribeirinha, seja mulheres indígenas percebem a importância que tem o PAA no fortalecimento, na organização, mas também no fortalecimento da produção para autonomia das mulheres.
Nos governos Lula e Dilma foram destinados 8 bilhões de recursos, é por isso que a gente vê hoje várias mulheres feirantes, o que a gente não via antes do governo Lula. Esses espaços eram fechados para nós. Nós não tínhamos assistência técnica, era destinada mais para o homem, e com o governo Lula veio a assistência técnica, veio os programas e entre eles o PAA para poder gerar trabalho, renda e autonomia para as mulheres. Então foram mais de 500 mil agricultores e agricultoras beneficiadas no governo Lula e Dilma, e aí, também, foram mais de mil entidades que recebiam alimentação do PAA e do PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar]. O PAA cumpre um papel significante, não só na questão da geração de trabalho e renda, mas vem também trazer uma soberania nutricional e alimentar para a população brasileira.
Ainda sobre essas políticas públicas, dentro do Plano Safra, teve o Pronaf Mulher [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar], com financiamento voltado para agricultoras de até 25 mil reais por ano, com juros reduzidos, 4%. Os juros do Banco Central ainda é uma questão, o financiamento ainda fica muito caro. Como é que vocês estão trabalhando essa pauta? A Secretaria das Mulheres faz algum trabalho direcionado para explicar essas modalidades aí para as trabalhadoras rurais? Vocês dão esse suporte para os agricultores também?
Sim, inclusive, o Pronaf Mulher foi uma conquista nossa, da Marcha das Margaridas. As nossas companheiras do MST também estavam presentes lá conosco onde a gente já tinha mostrado para esse Brasil que se investisse na mulher iria mudar a realidade do campo brasileiro, a produção de alimentos iria se elevar mais ainda, e aí foi criado o Pronaf Mulher. Nós trabalhamos tanto em relação a aprimorar cada dia, fortalecer cada dia a questão de diminuição de juros, mas também da desburocratização dessa política para as mulheres terem acesso, como também nas orientações na base, fazendo reuniões com as mulheres, as feiras também, conversando com as companheiras mulheres, enfim, fazendo um trabalho para que ela compreenda que essa política, que foi criada, é preciso, é importante que ela seja acessada, mas também que é importante que o governo compreenda que nós precisamos de recurso e que para o Plano Safra nós não só queremos o recurso, mas nós queremos a desburocratização do acesso para melhorar o acesso das mulheres.
A gente tem muito o que agradecer ao governo Lula e ao governo Dilma, porque abriram as portas do banco para a mulher trabalhadora rural, para que ela pudesse ter acesso a recursos, pudesse colocar os seus projetos e pudesse desenvolver ainda mais o campo e estar nas feiras vendendo a sua produção orgânica, a sua produção de qualidade.
A Fetraece explica sobre linhas de crédito? Dá esse suporte para explicar todas as nuances e as burocracias que às vezes são necessárias para que esses projetos aconteçam?
Sim. É é como eu falei, a gente faz reuniões, e nessas reuniões nas comunidades rurais a gente, juntamente com a secretaria de política agrícola, tanto da Fetraece como a secretaria de política agrária a gente faz as orientações, porque a Federação trabalha com 183 municípios, em cada um deles há um Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, há uma secretaria também de política agrícola, uma secretaria de mulheres, secretaria de política agrária que se somam. A gente se soma para que juntos possamos avaliar a política, ver como é que está, ver o acesso e a gente poder orientar as nossas companheiras agricultoras familiares, assentadas, as mulheres indígenas, as quilombolas, as ribeirinhas, ou seja, todas aquelas que precisam, que podem ter acesso.
Vamos falar agora sobre a Macha das Margaridas, que vai acontecer agora, nos dias 15 e 16 de agosto, em Brasília. Como é que estão os preparativos e as expectativas para este ano?
Nós estamos trabalhando em duas vertentes. Uma no processo formativo: as mulheres ainda continuam com os 14 eixos da Marcha das Margaridas, que vem a violência, a biodiversidade, a economia, a educação, a assistência técnica, a agricultura, a cultura, a saúde, a infraestrutura, enfim, são diversos eixos que as mulheres estão lá no dia a dia discutindo que faz parte do processo formativo da Marcha e que norteia também a construir uma pauta mais qualificada para entregar ao presidente Lula. Então elas fazem reuniões nas delegacias de base, elas vão para fóruns, elas vão para conselhos, elas fazem plenárias como eu já participei. São várias as ações que as mulheres fazem justamente para poder divulgar, mobilizar e sensibilizar a sociedade da importância que tem a Marcha das Margaridas.
A outra é a construção. Já entregamos a nossa pauta, já fizemos e entregamos. A outra é a questão do processo de mobilização, que esse é o que estamos agora. Nós, aqui do estado Ceará, levaremos duas mil mulheres e selaremos dia 15 e 16 com todas as mulheres do Brasil, serão 100 mil mulheres em Brasília e o nosso objetivo, a nossa expectativa não é só de fazer a nossa caminhada que a gente faz lá na Marcha, mas também, nesses dois dias, nós temos um processo que é de empoderamento, que é um processo formativo. Serão diversas oficinas que serão realizadas, diversas rodas de conversas, teremos a feira de saberes e sabores, nós teremos a nossa caminhada, e na caminhada a nossa expectativa é que o presidente Lula, que já sinalizou que vai estar presente no segundo dia, possa dar resultado da nossa pauta. Portanto, a Marcha das Margaridas cumpre esse papel significante que é de negociação de políticas públicas para as mulheres.
Muitas mulheres já mudaram suas histórias de vida para melhor a partir das negociações da Marcha das Margaridas, seja a mandala, seja o quintal produtivo, e agora, recentemente, Lula liberou vários veículos para trabalhar a questão da violência contra as mulheres, que ainda tinha sido pauta negociada na Dilma, que não saiu no governo Bolsonaro. Então assim, estamos numa expectativa muito grande para poder tirar o Brasil do Mapa da Fome.
Qual o tema deste ano da Marcha das Margaridas?
É “Marcha das Margaridas pela Reconstrução do Brasil e pelo Bem-Viver”. Nós fazemos parte desse projeto que está em curso, que é de reconstruir o Brasil
Confira a programação completa da Marcha das Margaridas no Instagram ou no site.
Fonte: BdF Ceará
Edição: Rodrigo Chagas e Camila Garcia