Encontrar um rumo para o Rio é fortalecer instituições orientar ações de políticas de planejamento
Por Juciano Rodrigues*
Os poucos dados do Censo de 2022 divulgados pelo IBGE revelam uma forte reversão na trajetória do crescimento populacional da metrópole do Rio de Janeiro. Alguns números resumem essa mudança.
A população, que havia crescido 11,1%, entre 1991 e 2000, e 9,1%, entre 2000 e 2010, variou negativamente na última década. Em termos absolutos, essa inédita redução da população contrasta em muito com o que foi registrado em cada uma das duas décadas anteriores, quando a metrópole viu sua população aumentar em torno de um milhão de pessoas.
Para ser mais exato, 1.094.154 entre 1991 e 2000, e 999.781, entre 2000 e 2010. A taxa média de crescimento anual (-0,13%), além de negativa, é muito inferior àquelas registrada nos outros dois períodos intercensitários (0,88% e 0,73%, respectivamente). Com isso, a participação da metrópole no total da população do país, que chegou a 7,5%, em 2000, caiu para 5,8%, em 2022. No total do estado, a participação passou de 76,9%, em 1991, para 73,3%, em 2022.
Antes de avançar, é necessário esclarecer o que, nesta análise, se entende por metrópole. Em primeiro lugar, não se trata da região metropolitana formal, definida pela Lei Complementar nº 184/2018. Como é muito comum em outras partes do Brasil, apenas com base na força de lei estadual, a criação dessa região não leva em conta nenhum critério que considera o fenômeno metropolitano concreto e com isso inclui municípios alheios a qualquer relação com uma dinâmica metropolitana. O principal problema é que esse recorte institucional acaba por não refletir a espacialidade econômica e físico-ambiental necessária para a produção de diagnósticos coerentes sobre os problemas que extrapolam limites municipais e para a elaboração de políticas públicas voltadas para as funções de interesse comum dos municípios.
O caminho para contornar esse problema está na identificação do território funcional da metrópole, ou seja, aquele que de fato se aproxima de um recorte compreendido pelos municípios que efetivamente têm relações de interdependência no plano da produção, do mercado de trabalho, do ambiente construído, da natureza e da vida coletiva. Por isso, entendemos que a solução mais apropriada é a adoção do conceito de Concentração Urbana definido pelo próprio IBGE e utilizado no estudo Região de Influência das Cidades (REGIC). Nesse estudo, a metrópole é definida a partir de dois critérios principais: proximidade espacial (incluindo, quando é o caso, a contiguidade da mancha urbana) e proximidade funcional (integração dos municípios em termos econômicos e demográficos).
Voltando aos dados, entre os 21 municípios que compõem o espaço metropolitano do Rio de Janeiro definido pelo IBGE, nove perderam população, entre eles a capital, com a maior perda absoluta, 109.023, e São Gonçalo, com a maior perda relativa, -10,3%. Por sua vez, algumas partes da metrópole continuam crescendo. O principal destaque é o município de Maricá, cuja população aumentou 54,8% entre os últimos dois Censos. Contrariando a tendência tanto da metrópole como do estado, sua taxa média de crescimento anual foi de 3,71%, ou 7 vezes a taxa de crescimento do país como um todo. Além disso, Itaboraí, Itaguaí, Japeri, Magé, Mangaratiba, Queimados, Saquarema, Seropédica e Tanguá apresentaram variações positivas.
Observar separadamente o que aconteceu na cidade do Rio de Janeiro e nos demais municípios da metrópole é um ponto de partida importante para captar as principais mudanças indicadas pelo Censo 2022. Tanto entre 1991 e 2000 quanto na década seguinte, os municípios do entorno vinham apresentando indicadores de crescimento populacional bem acima daqueles registrados para o núcleo. O levantamento de 2000 registrou um crescimento de 717.018 habitantes em comparação com 1991, enquanto no núcleo, o crescimento foi de 377.136, o que representa variações de 16,4% e 6,9%, respectivamente. Na década de 2000, embora com volumes absolutos menores, a tendência foi a mesma. Ou seja, entre 2000 e 2010, os dados mostraram que a população dos municípios do entorno metropolitano aumentou em 10,6%, contra 7,9% do núcleo.
Além da mudança de direção apontada inicialmente, essa forma de olhar núcleo e entorno separadamente revela outra novidade trazida pelo Censo 2022. Os dados indicam uma mudança importante no comportamento demográfico desses recortes internos da metrópole. Em outras palavras, no que se refere ao crescimento populacional, os desempenhos de núcleo e entorno passaram a convergir, com ambos os recortes apresentando variação populacional negativa, ao contrário das décadas anteriores. Enquanto no município do Rio de Janeiro a população reduziu a uma taxa média de crescimento anual de -0,14%, no conjunto dos demais municípios essa taxa foi de -0,11%. Nesse aspecto, a metrópole do Rio de Janeiro, vale destacar, destoa de todas as outras, inclusive daquelas que no geral também perderam população. Em Salvador, Porto Alegre, Belém e Vitória, a perda populacional está concentrada no núcleo, ao passo que seus entornos continuaram crescendo.
É cedo para cravar o que provocou essas mudanças – de certa maneira – radicais nas tendências de crescimento e de distribuição espacial da população, mas, no caso do Rio de Janeiro, há um contexto negativo marcado por problemas econômicos, sociais e urbanos que não pode ser de forma alguma ignorado. Investigar como esse cenário se expressa na dimensão demográfica é passo fundamental para entender os desafios desse complexo território que, apesar da perda populacional, continua sendo a segunda maior metrópole do país e ainda concentra mais de 73% da população estadual.
Antes de entrar em detalhes sobre esse contexto, é fundamental dizer que a cidade do Rio de Janeiro – e em alguma medida o restante do estado – é sempre lembrada por antecipar tendências demográficas que depois se propagam para outras áreas do Brasil: declínio na taxa de natalidade, envelhecimento populacional, mudanças nos arranjos familiares, como o aumento de famílias monoparentais, casais sem filhos e casais de pessoas do mesmo gênero, entre outros. De alguma forma, essas mudanças são a expressão de características econômicas, culturais, políticas e sociais. Certa natureza cosmopolita faz com que a cidade seja ainda uma zona de grande densidade e diversificação cultural, atraindo população jovem, inclusive de outros país.
Nessa linha, é verdade também que na cidade do Rio de Janeiro e em outras poucas partes da metrópole fluminense permanecem atributos positivos que de alguma forma movimentam a economia, como a presença de órgãos superiores da administração pública, a concentração de universidades e centros de pesquisa, o apelo turístico de sua orla e sua efervescência cultural. No entanto, são vantagens que parecem incapazes de bloquear o crescente quadro de externalidades negativas, que se consolida como uma barreira cristalizada para a promoção de seu desenvolvimento econômico e social.
A conhecida imagem da cidade maravilhosa é cada vez mais insuficiente diante da criminalidade violenta, do domínio territorial de grupos armados, da violência policial, da eterna crise política no nível estadual e das péssimas condições dos serviços públicos, especialmente o transporte. São aspectos negativos que se entrelaçam e geram efeitos diretos sobre a dinâmica urbana. Assim, os primeiros resultados do Censo 2022 não deixam de refletir esse cenário tragicamente adverso, especialmente sobre aspectos sociodemográficos da metrópole. Mais do que isso, ao evidenciar essa reversão radical nas tendências de evolução populacional, tais dados sinalizam que a conjunção de crises que atinge o estado do Rio de Janeiro e sua metrópole, onde vive a maior parte de sua população, está longe de ser superada.
É certo que investigações mais aprofundadas sobre os aspectos específicos da dinâmica demográfica e sua relação com os processos sociais e econômicos mais amplos só serão possíveis quando o IBGE divulgar outros dados do Censo 2022. Fica no radar, por exemplo, a necessidade de entender, além dos efeitos desse contexto social e urbano negativo, os impactos metropolitanos frutos do processo de desindustrialização que há tempos atinge o estado fluminense.
Ao mesmo tempo, como tem sido feito pelos pesquisadores do Observatório das Metrópoles há décadas, será preciso se aprofundar nas alterações mais gerais da estrutura econômica e sócio-ocupacional e, mais do que nunca, nas dinâmicas da mobilidade espacial. Sem esquecer das consequências que ainda decorrem da pandemia de Covid-19, um evento de magnitude global como muitos efeitos nos espaços locais e regionais.
Nesse sentido, pesquisadores, técnicos do setor público e formadores de opinião precisarão estar atentos à necessidade fundamental e inadiável de romper com a visão do município como mero recorte isolado e espacialmente autônomo, ignorando as realidades socioespaciais complexas que podem estar inseridas. Compreender esses dados e os motivos que estão gerando as mudanças demográficas a partir desta perspectiva é a base para a construção de uma agenda urbana de longo prazo para a reconstrução econômica e sociais da metrópole do Rio de Janeiro.
Com isso, ao destacar a reversão da trajetória de seu crescimento populacional como principal mudança revelada pelos dados divulgados até agora, a ideia central, neste texto, é chamar a atenção para um quadro de transformações que reforça a necessidade de soluções que extrapolam os meros interesses locais. Os municípios estão, em sua maioria, na mesma barca à deriva. Encontrar um rumo para a metrópole do Rio de Janeiro passa pelo fortalecimento de instituições minimamente capazes de desenhar, executar ou ao menos orientar ações de política e planejamento. Sem isso e sem o entendimento que os municípios não podem navegar sozinhos, essa metrópole vai se tornar ainda mais inviável.
* Juciano Rodrigues – Professor, pesquisador e membro do Comitê Gestor do INCT Observatório das Metrópoles. Bolsista do CNPQ.
** As opiniões expressas neste artigo não representam necessariamente as do Brasil de Fato
Edição: Rodrigo Durão Coelho