racismo

Mulheres negras retratadas em exposição no município de Niterói (RJ) lamentam vandalismo: 'afronta desnecessária'

Fotografias rasgadas e arrancadas de galeria a céu aberto foram recoladas na Avenida Amaral Peixoto, no centro

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Painéis danificados foram recolocados no centro de Niterói em ato com a presença das homenageadas; Delegacia de Crimes Raciais investiga o caso - Divulgação

Pela janela do ônibus, os painéis da exposição “Presença D´Elas: a Potência da Mulher Preta”, na Avenida Amaral Peixoto, chamaram a atenção da neta de Cleide Vitório, gari niteroiense de 47 anos.

Uma das principais vias de Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro, se transformou em galeria a céu aberto para receber a mostra de fotografias organizada pela Coordenadoria de Direitos e Políticas das Mulheres (Codim), da Prefeitura de Niterói, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, comemorado no dia 25 de julho.

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“Ela virou o pescoço, viu minha foto e falou: ‘Vó, olha a senhora lá’. E ficou toda feliz”, conta orgulhosa. No dia seguinte, desta vez sozinha, ao fazer o mesmo trajeto de ônibus pelo centro de Niterói, Cleide foi impactada com cenas lamentáveis de vandalismo e preconceito. Das 23 mulheres negras retratadas pelo olhar da fotógrafa Lilo Oliveira, cinco tiveram seus painéis rasgados e arrancados.

“Me deparei com as fotos das mulheres que representam a sociedade, e minha foto também, arrancadas. Isso me impactou bastante porque não tem explicação. Não é só um vandalismo, é uma afronta desnecessária. É onde a gente vê que existe, sim, o racismo e o preconceito contra aqueles que querem seus direitos respeitados. A nossa foto não representa só aquelas mulheres estampadas na pilastra, mas toda a sociedade. Quando alguém se incomoda com uma exposição tão linda, vai além do entendimento, é imperdoável”, lamenta Cleide.

O episódio, classificado como ataque racista pela Prefeitura de Niterói, foi registrado pela Codim na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi).

Na última semana, a Codim realizou um ato de recolocação dos painéis e constatou a destruição de outras fotografias que integram a mostra. Em nota ao Brasil de Fato, a Polícia Civil informou que “imagens de câmeras de segurança da região foram requisitadas e diligências estão em andamento para esclarecer todos os fatos”.

Cleide (de azul) posa com grupo de mulheres que também foram homenageadas e com Fernanda Sixel, coordenadora da Codim, após recolocação dos painéis / Divulgação

Mulheres negras resistem

A estudante Rayssa Lima, de 18 anos, afirma que foi tomada por um sentimento de tristeza quando soube da depredação. Nascida e criada na comunidade da Caixa d’Água, no bairro Fonseca, ela é a mulher negra mais jovem representada na exposição. 

“Eu não imaginava que alguém pudesse cometer aquele ato. Estava tão feliz com a exposição que não tinha me passado pela cabeça que alguém pudesse fazer aquilo. Eu fiquei muito triste”, relata a presidente da União Niteroiense de Estudantes Secundaristas (UNES), para quem participar do projeto significou mostrar o orgulho e a força do povo negro.

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Mulher negra, mãe e avó, Cleide Vitório também se orgulha da carreira que construiu como servidora concursada há 14 anos na Companhia de Limpeza de Niterói (Clin). Ela mora no Largo da Batalha, em Pendotiba, mas circula diversas comunidades e escolas do município com projetos de sustentabilidade e tratamento de resíduos secos. 

Para Cleide, a emoção de estar entre as homenageadas na exposição que retrata a potência das mulheres pretas supera qualquer ato de vandalismo. Mesmo com todas as dificuldades, ela é referência e cursa graduação em Gestão Ambiental por acreditar que é possível prevenir alagamentos e deslizamentos nas favelas por meio da educação.

“Está sendo muito importante para mim e para as mulheres que olham para mim como referência e querem mudar sua vida também. Olhando para a Cleide, que é gari, que faz um trabalho de orientação, oriunda de comunidade, que passa as mesmas coisas que elas, não tem preço. A colheita disso é fazer com que essas mulheres entendam que elas têm lugar, têm voz e não precisam ter medo de lutar por aquilo que elas acreditam”, finaliza Cleide.

Quem passa pela Avenida Amaral Peixoto, vê as fotografias das seguintes mulheres na exposição “Presença D’Elas: a Mulher Preta no Cotidiano”:

Cleide Victorio – gari
Rayssa Lima – estudante
Ana Cristina Duarte – supervisora
Joselene Souto – escritora
Bárbara Cristina Cardoso – assessora
Sônia Maria da Silva – camareira do Theatro Municipal
Ana Luiza Briola – mediadora cívica
Ingrid Ramos – autônoma
Marcela Rodrigues – catadora de potências e voluntária
Aline Santos – publicitária
Jaqueline de Oliveira – microempresária
Claudia Regina Victor – copeira
Elenice Ramos – missionária e líder comunitária
Lia Vieira – escritora
Laila dos Santos – jornalista e escritora
Luciana Carneiro – fotógrafa
Claudia Macedo – atriz e produtora cultural
Juliana do Carmo Pereira – assistente social
Maria Emília Souza – cabeleireira
Letícia Marinho – empresária
Daniele Simões – estudante de administração
Claudia de Almeida – advogada
Norma Sueli Pacheco – ialorixá

Fonte: BdF Rio de Janeiro

Edição: Rodrigo Chagas e Jaqueline Deister