O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou para participar do julgamento sobre o Recurso Extraordinário (RE) 1017365, que discute a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas, nesta sexta-feira (4).
O eventual impedimento foi levantado pelo próprio ministro, em 7 de junho deste ano, ao pedir vista (mais tempo para análise) sobre o caso. Na ocasião, Mendonça verificou que assinou uma das manifestações sobre o processo do marco temporal enquanto ainda era advogado-geral da União, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
A objeção começou a ser votada nesta sexta-feira (4) em plenário virtual da Corte. Até o momento, somente Mendonça e Edson Fachin votaram, ambos a favor da participação do ministro no julgamento. Os outros nove ministros têm até 14 de agosto, às 23h59, para votar.
Em seu voto, Mendonça afirmou que o STF deve permitir sua participação na fixação da tese – formulação da questão jurídica central que será discutida e decidida – levantada pelo debate do marco temporal, mas sem se manifestar sobre o caso específico. Nesse caso, o ministro poderia "participar da integralidade do julgamento concernente à repercussão geral (incluindo voto, debates e sessões correspondentes), apenas deixando de apresentar voto sobre a causa-piloto (caso concreto)."
Segundo Mendonça, "nos recursos extraordinários apreciados sob a sistemática da repercussão geral, o impedimento restringe-se à etapa da votação referente ao processo subjetivo e à conclusão de julgamento aplicada às partes, porém, não se aplica à fixação e votação da tese constitucional, pois nesta não se discutem situações individuais nem interesses concretos".
Tese do marco temporal
O STF julga se é constitucional ou inconstitucional a tese jurídica que considera o dia 5 de outubro de 1988, a data da promulgação da Constituição, como o marco temporal de demarcação de terras indígenas.
Na prática, se considerado constitucional, o entendimento limitará o direito às terras somente aos indígenas que estavam ocupando o território requisitado no ano em que foi implementada a Constituição Federal. Por exemplo, um grupo indígena que tenha ocupado um território por séculos, mas que não esteja presente no local na data exata estabelecida, pode perder o direito à demarcação.
Hoje, a Constituição expressamente reconhece o direito originário dos indígenas sobre as terras tradicionalmente ocupadas, sem estabelecer qualquer critério temporal para as demarcações. Por esta razão, o conceito de "marco temporal" é amplamente considerado inconstitucional por juristas, advogados e pelo Ministério Público Federal (MPF).
Votos já proferidos
Até o momento, os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes votaram contra a tese, enquanto Kassio Nunes Marques votou a favor. Em junho, André Mendonça pediu vista. De acordo com as regras internas do STF, o caso deverá ser devolvido para julgamento em até 90 dias.
Fachin, que é relator do caso, afirmou que a teoria desconsidera a categorização dos direitos indígenas como fundamentais, ou seja, direitos inalteráveis que não podem ser removidos por emendas à Constituição. Ele votou em 9 de setembro de 2021.
O ministro argumentou que a proteção constitucional dos "direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam" não está condicionada à existência de um marco temporal específico, nem à presença de conflito físico ou de controvérsia judicial persistente na data da promulgação da Constituição.
Já Nunes Marques, ao defender sua tese, em 15 de setembro de 2021, argumentou que a posse indígena sobre uma determinada terra deveria ser comprovada até 1988; caso contrário, ele alegou que isso poderia permitir uma "expansão ilimitada" para áreas que já foram incorporadas ao mercado imobiliário no país.
"Posses posteriores [à promulgação da Constituição] não podem ser consideradas tradicionais, porque implicaria não apenas no reconhecimento dos indígenas a suas terras, como no direito de expandi-las ilimitadamente para outras áreas já incorporadas ao mercado imobiliário nacional", declarou.
O caso foi retomado em 7 de junho deste ano, quando Alexandre de Moraes afirmou que o reconhecimento da posse de terras indígenas não depende da existência de um marco temporal fundamentado na promulgação da Constituição de 1988. No mesmo dia, André Mendonça pediu vista.
Moraes recordou que os indígenas Xokleng deixaram suas terras em Santa Catarina em 1930 devido a conflitos que resultaram no assassinato de 244 deles, o que justifica o reconhecimento de seus direitos sobre o território sem a necessidade de um critério temporal restritivo.
"Óbvio que, em 5 de outubro de 1988, eles não estavam lá, porque se estivessem, de 1930 a 1988, não teria sobrado nenhum. Será que é possível não reconhecer essa comunidade? Será que é possível ignorar totalmente essa comunidade indígena por não existir temporalidade entre o marco temporal e o esbulho [saída das terras]?", questionou Moraes.
O magistrado, entretanto, afirmou que é necessário garantir o direito de indenização integral às pessoas que possuem títulos de propriedades em terras indígenas para a desapropriação. "Quando reconhecido efetivamente que a terra tradicional é indígena, a indenização deve ser completa. A terra nua e todas as benfeitorias. A culpa, omissão, o lapso foi do poder público", completou.
Início do caso
O caso em questão surgiu após uma ação de reintegração de posse iniciada em 2009 pelo governo de Santa Catarina, na Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, que foi oficialmente demarcada em 2003 e é habitada por mais de 2 mil indígenas, incluindo também povos Guarani e Kaingang. Na ocasião, o governo catarinense obteve decisões favoráveis à reintegração em instâncias judiciais inferiores, levantando a data da promulgação da Constituição Federal como um marco temporal para a demarcação. No entanto, agora, essas decisões estão sendo contestadas no STF pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
A tese do marco temporal foi utilizada pela primeira vez para questionar a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Em 2009, o STF determinou a demarcação contínua da TI e a retirada da população não indígena, estabelecendo assim um precedente importante para a discussão sobre demarcações territoriais indígenas no país.
O tema também foi aprovado em regime de urgência pela Câmara dos Deputados no final de maio, e aguarda para ser votada no Senado, onde deve tramitar de forma regular, sem caráter de urgência. O Projeto de Lei 490/2007 está atualmente em análise na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), tendo como relatora a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS). Após a análise pela CRA, o texto deverá seguir para o exame da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Edição: Thalita Pires