A cólera ainda é sintoma da crise humanitária que aflige o Haiti. E, desde outubro de 2022, cerca de 59 mil pessoas foram diagnosticadas com a doença. Neste período, ao menos 800 pessoas morreram, apontam dados do Ministério da Saúde haitiano.
Apesar do alto índice, este não é o pior momento que o país enfrenta em relação à doença. Em 2010, 10 mil pessoas morreram e outras 700 mil foram contaminadas.
A doença havia sido erradicada no país, porém reapareceu após um vazamento das latrinas dos soldados da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah), que contaminou o rio Artibonite.
Os sintomas são diarreia e vômitos, levando à desidratação severa e, se não tratada, à morte. O tratamento é feito por meio de reidratação e antibióticos.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) disse estar preocupada com o ritmo com que a cólera se espalha no país caribenho. E alertou sobre os riscos de surtos de doenças como tuberculose, sarampo e poliomielite.
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Para o haitiano James Berson Lalane, que é sanitarista e doutorando da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), o avanço da doença no país vem de um conjunto de fatores; entre eles, a falta de saneamento básico e água potável.
“Os terremotos de 2010 e 2021 tornaram precárias as infraestruturas de distribuição de água e de saneamento do Haiti. Isso, somado ao desconhecimento da população quanto às práticas de higiene para a prevenção da doença, foi alguns dos fatores que permitiram a proliferação da cólera no país”, afirmou o sanitarista.
James Lalane também afirma que a fome que assola o país torna desafiadora a superação da doença. Segundo o Programa Mundial de Alimentos (PMA) da Organização das Nações Unidas (ONU), 4,9 milhões de haitiano apresentam quadro de fome aguda.
Para Lalane, organizações internacionais e países parceiros do Haiti precisam investir no sistema de saúde do país, para que o acesso à saúde seja oferecido em pé de igualdade para toda a população.
“A falta de infraestrutura de saúde adequada e os recursos médicos limitados dificultam a prevenção, o diagnóstico e o tratamento dessas doenças. A fome e a desnutrição também são preocupações sérias. A falta de acesso a alimentos nutritivos contribui para a fragilidade da saúde da população e aumenta a suscetibilidade a doenças”, explicou Lalane.
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Um país em crise
Após o assassinato do presidente Jovenel Moïse, em julho de 2021, o Haiti não conseguiu avançar em resoluções políticas que ajudassem o país a seguir na busca por uma estabilidade democrática, socioeconômica e de segurança.
Pelo contrário, a situação se agravou. Em meio à instabilidade política, o país viu bairros e cidades sendo tomadas por gangues e a violência aumentar.
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Em meio a isso, o acesso ao sistema de saúde se tornou ainda mais precário. Um exemplo disso foi o fechamento provisório do hospital da ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF), em março deste ano. Localizado na maior favela de Porto Príncipe, a Cité Soleil, confrontos violentos entre grupos fortemente armados ocorriam a poucos metros das instalações hospitalares.
O consultor em direitos humanos e mestre em direito internacional Victor Del Vecchio explica que as instabilidades políticas e institucionais têm atrapalhado o desenvolvimento do aparato estatal e do país como um todo.
“É um cenário catastrófico em uma nação que tem poucos recursos para responder às demandas emergenciais e até mesmo as de prazo maior, como reconstrução da infraestrutura de saneamento, hospitais e de moradias até”, analisa Del Vecchio .
E concluí: “Isso, somado à violência das gangues que dominam partes do território haitiano e impedem qualquer ação do Estado, criam um terreno propício para que problemas de saúde pública surjam e tomem grandes proporções”.
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Edição: Rodrigo Chagas