Ocorreu nesta quinta (3) um dos momentos mais aguardados pela oposição ao governo na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Foi colhido o depoimento do líder da Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL) e ex-liderança do MST, José Rainha.
Mas, se os deputados de direita esperavam munição para enfraquecer o movimento, a liderança camponesa fez a defesa ferrenha da reforma agrária no país e debateu acusações feitas pelo relator Ricardo Salles (PL-SP) e por outros deputados.
Para a deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS), “o tiro saiu pela culatra”, já que os congressistas ligados à extrema direita buscavam utilizar o depoimento de José Rainha para desmoralizar a luta pela reforma agrária no Brasil e o MST. Isso porque, em 2007, Rainha se desligou do movimento por divergências políticas que não se tornaram públicas.
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“A reforma agrária se faz necessária nesse país por uma dívida que temos com os índios e os negros desde que aqui se aboliu a escravidão. E não foi só José Rainha quem defendeu a reforma agrária no país na História. Vão se lembrar aqui de tantas lideranças importantes, como José Bonifácio, que defendeu que esse país quisesse ser grande e ter dignidade teria que fazer três coisas: abolir a escravidão, trazer a universidade e fazer reforma agraria. Joaquim Nabuco foi na mesma direção", disse.
“Tive muito boa relação com governo Dilma e o governo Lula. Aliás, tenho orgulho de ter à frente do país um presidente que trabalhou muito as questões sociais e hoje trabalha principalmente no que diz respeito à reforma agrária”, afirmou Rainha sobre Lula.
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Ao ser questionado sobre as políticas públicas implementadas pelos primeiros e segundos governos de Lula, Rainha afirmou que existem várias áreas que podem ser destinadas à reforma agrária, e que é necessário realizar a desapropriação dessas terras. A liderança enfatizou a necessidade de avançar nos processos, fornecendo mais crédito e moradia adequada e destacou que há milhões de pessoas vivendo sem uma moradia digna. “O governo Lula faltou muito a fazer, mas foi o que mais fez”, disse.
Governo de São Paulo
Rainha também comentou a necessidade de o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) finalizar o processo de assentamento das terras ocupadas pela FLN, na zona rural do Pontal do Paranapanema, na região de Presidente Prudente (SP), no extremo oeste do Estado de São Paulo.
“É um reconhecimento nítido de que a terra é pública. Faltou muito do governo do estado de São Paulo no plano que tem de reforma agrária. Quase 80% das terras são públicas. Acredito no governador que possa fazer o assentamento das terras e investimento na área. Mas há sempre a reclamação por parte das autoridades de que não há recursos”, disse o depoente.
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No início de outubro, a FNL entregou um documento à Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), contendo as reivindicações de 10 acampamentos situados no Pontal do Paranapanema. O documento foi assinado por 2.214 pessoas, representando as famílias que aguardam a regularização fundiária de terras públicas na região. O movimento social enfatizou a importância de o governo paulista tomar uma posição nesse impasse para viabilizar a reforma agrária.
Na ocasião, a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo confirmou estar ciente das ocupações e dos casos, acompanhando a situação por meio de sua Assessoria de Mediação de Conflitos.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) esclareceu que a destinação de terras públicas estaduais para a reforma agrária, especialmente as terras devolutas do Pontal do Paranapanema, é de responsabilidade do Itesp. O Incra informou que, anteriormente, havia um convênio com o Itesp para a reversão de terras públicas estaduais, mas esse convênio já não está mais em vigor, atribuindo essa atribuição exclusivamente ao órgão estadual.
Em 2017, o Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania e em colaboração com o Itesp, já havia implementado o assentamento estadual Governador André Franco Montoro em Marabá Paulista, também localizado na região do Pontal do Paranapanema.
Acusação de crimes
Alguns deputados tentaram atribuir à José Rainha crimes dos quais já foi absolvido. O deputado Rodolfo Oliveira Nogueira (PL-MS) tentou atribuir a ele o porte ilegal de armas. Em abril de 2002, a liderança foi presa pelos crimes de formação de quadrilha e porte ilegal de arma. Um ano depois, no entanto, ele foi solto por determinação da maioria dos ministros da Terceira Seção do STJ. “A arma não era minha e fui absolvido”, disse Rainha aos deputados que trouxeram o tema à tona mais de uma vez.
Na mesma linha, o congressista Evair Vieira de Melo (PP-ES) quis relacionar a liderança camponesa a uma acusação de homicídio da qual também já foi absolvido. Em abril de 2005, Rainha recebeu a absolvição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre os assassinatos do fazendeiro José Machado Neto e do policial militar Sérgio Narciso, ocorridos em 1989. A absolvição chegou a ser elogiada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
“Sempre as minhas prisões foram pela causa da reforma agrária. Não sou bandido. Me acusam pela luta da terra de cometer crime”, afirmou Rainha diante das acusações. “Não tenho nenhuma acusação transitada em julgado.”
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José Rainha se tornou membro fundador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em 29 de janeiro de 1985. Em 1991, durante uma assembleia do MST, Rainha assumiu a responsabilidade de reestruturar os sindicatos rurais e liderar a luta pela reforma agrária no Pontal do Paranapanema, tornando-se uma figura central do movimento em São Paulo e alcançando reconhecimento em todo o país no âmbito da reforma agrária.
Em 2014, Rainha foi um dos fundadores da Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL), onde é uma das lideranças até hoje. Ele reside no assentamento da FNL, situado na zona rural do Pontal do Paranapanema, na região de Presidente Prudente (SP).
Edição: Rodrigo Durão Coelho