Rio de Janeiro

Coluna

Como um Brasil com tanto potencial caiu justo na primeira fase da Copa?

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O Brasil empatou sem gols com a Jamaica nesta quarta-feira (2) e deu adeus à Copa do Mundo Feminina - Thais Magalhães / CBF
Seleção jogava bem e competia em pé de igualdade contra as outras da primeira prateleira

*Luiz Ferreira

Demorei mais do que o normal para fazer essa coluna porque eu queria entender melhor o que aconteceu na manhã desta quarta-feira (2) lá em Melbourne. Não vou falar em vergonha, vexame, humilhação e outros termos mais pesados. Mas quero compreender por que uma Seleção Brasileira que parecia tão unida e tão coesa simplesmente derreteu nessas partidas contra a França e contra a Jamaica.

É verdade que a goleada em cima do Panamá deixou muita gente empolgada (até demais).

Afinal, estrear bem numa Copa do Mundo era fundamental. E foi, sem dúvida, um senhor cartão de visitas. A mudança na mentalidade descrita por este que escreve indicava um amadurecimento das nossas jogadoras. Em suma: o Brasil chegava com plenas condições de ir longe, muito mais longe do que nós esperávamos.

Vale lembrar também que a equipe comandada por Pia Sundhage chegou na Copa do Mundo Feminina com moral. O Brasil havia feito jogo duríssimo contra a Inglaterra na Finalíssima e vencido a Alemanha na casa delas antes da convocação final. O futebol apresentado em campo não era dos mais brilhantes, é verdade, mas a Seleção Feminina competia e criava problemas. E isso era motivo de preocupação de todas as outras equipes desse Mundial. Afinal de contas, “o Brasil agora tem organização tática”, diziam eles. Além disso tudo, o grupo mostrava que estava unido e fechado com a treinadora sueca.

É por isso que todos nós ficamos meio de cara com o que aconteceu em Melbourne, palco do empate sem gols contra a Jamaica. Como uma equipe que mostrava tanto potencial e tantos bons elementos caiu justo na primeira fase da Copa do Mundo?

Em tempo: méritos totais das nossas adversárias.

Ao contrário daqueles que estão tirando francesas e (principalmente) as jamaicanas pra porcaria nenhuma, eu vi qualidade, boa estratégia, seriedade e leveza nas nossas adversárias. A impressão que ficou para mim foi a de que elas souberam assimilar bem o que o campo pedia e ainda assim desfrutar do jogo.

É lógico que a eliminação do Brasil dessa Copa do Mundo passa pelas escolhas de Pia Sundhage. Não foram poucas vezes em que este que escreve lembrou que a treinadora sueca escolheu ignorar completamente todo o processo de renovação que ela mesma iniciou há alguns anos. Na convocação para o Mundial e na hora de fazer as substituições táticas que tanto pedimos dela e da sua comissão técnica.

Faltou confiar mais no próprio taco e apostar em nomes que entregaram desempenho alto na preparação para a Copa em detrimento das veteranas. Faltou também fazer algo além de “trocar seis por meia dúzia” para conquistar as vitórias que tanto precisávamos.

Por que não apostar em Gabi Nunes na vaga de Luana logo depois do intervalo para ganhar presença de área?

Por que não pensar em Ary Borges por dentro ao lado de Kerolin para empurrar ainda mais a Jamaica para trás? Por que não tentar Bruninha no lugar de Antônia para melhorar o passe e ter mais força nas jogadas de linha de fundo? As soluções estavam no banco de reservas, ali do lado de Pia Sundhage. Mas ela simplesmente virou o rosto e optou por “abraçar” as veteranas. Quando abriu os olhos, já era tarde demais.

O que não deixa de ser triste diante de toda a evolução que vimos nesse ciclo. O Brasil jogava bem e competia em pé de igualdade contra as seleções da primeira prateleira do futebol feminino! Dava pra ir muito mais longe se Pia tivesse bancado o processo de renovação que ela mesma iniciou. Difícil entender e defender certas escolhas na convocação e na Copa do Mundo.

Também não dá pra tirar a culpa das costas das jogadoras. Principalmente das mais experientes. Justo aquelas que deveriam servir de referência para quem estava chegando pela primeira vez numa Copa do Mundo. Debinha, Tamires, Bia Zaneratto, Andressa Alves, Mônica, todas elas pareciam carregar uma mochila cheia de pedras nas costas. O semblante de algumas nas partidas decisivas chegou a me assustar em alguns momentos. Seja dentro das quatro linhas ou no banco de reservas.

E o que eu vou falar de Marta?

Nossa Rainha merece todas as nossas homenagens por tudo que fez e faz pela gente dentro de campo. Mas a imagem dela ignorando a presença de Ary Borges dentro da área com o gol vazio contra a Jamaica ainda me causa alguns pesadelos. Era só rolar a bola para o lado e correr para o abraço…

Aliás, eu confesso a vocês que gostaria de ver as nossas jogadoras sendo um pouco mais cobradas. Não dá pra entender a postura de alguns coleguinhas de imprensa que sempre passam a mão na cabeça das atletas independente do que aconteça. Eu não estou pedindo para se fazer uma “caça às bruxas” ou um “tribunal de exceção” na CBF. Só acho que a crítica seria saudável para a maioria das nossas jogadoras.

Não se esqueçam de que a tomada de decisões dentro de um jogo ainda é o grande problema da nossa Seleção Feminina. E quem decide o que fazer nesses momentos decisivos dentro de campo são elas.

Pela primeira vez em muito tempo, eu e você vimos a CBF olhar para o futebol feminino com um mínimo de carinho e empatia.

Havia cuidado no trato com as jogadoras. Havia estrutura, condições de trabalho e todos os elementos necessários para que as coisas fluíssem da melhor maneira possível. Sou muito crítico da entidade, entendo que o caminho para melhorar a modalidade aqui no Brasil ainda é estupidamente longo, mas a nossa eliminação passa apenas por campo e bola. Nada além disso.

Não sou contrário a uma mudança no comando técnico da Seleção Brasileira e nem acho isso um absurdo. Meu receio é como essa mudança será feita e como ela vai impactar no planejamento para o próximo ciclo. Conhecendo a CBF, não será surpresa nenhuma se essas escolhas forem feitas apenas para agradar a mesma imprensa que sabota todo o trabalho feito na modalidade em busca de “likes” e mantendo o discurso oportunista do “eu avisei” sem ter avisado nada.

A única certeza que eu tenho é a de que precisamos pensar em renovação. Precisamos concluir o processo que Pia Sundhage iniciou e não terminou. Largar certas mãos e pensar no futuro da modalidade em termos de competições internacionais. Fortalecer ainda mais a nossa liga. Formar mais jogadoras. Pensar em intercâmbios. Difundir mais o futebol feminino por todo o Brasil. E por aí vai.

Eu não curto esse papo de coach de “aprender com as derrotas” e tal. Mas a eliminação da Copa do Mundo deixou um aviso bem claro pra todo mundo. Ou a gente começa a trabalhar agora, ou vamos continuar na mesma. Que se mude o que tem que ser mudado. Pra ontem.

O futebol feminino brasileiro precisa ir além das expectativas.

*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Mariana Pitasse