Sabatina

Gonçalves Dias diz em CPI do MST que não recebeu relatórios da Abin sobre movimento; veja destaques

Comissão voltou do recesso com coleta de depoimento do ex-ministro do GSI, tratado pela ala bolsonarista como alvo

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
"Não recebi através do correio Sisbin, que é o órgão de trâmite de documento, nenhum relatório concernente ao assunto", disse Gonçalves Dias a respeito de supostos relatórios sobre MST - Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

O general e ex-ministro Gonçalves Dias disse, nesta terça-feira (1º), que não recebeu da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) relatórios sobre ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) enquanto esteve à frente do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Lula. Ele comandou a pasta no período entre 2 de janeiro e 19 de abril deste ano e o órgão ficou vinculado ao GSI até 2 de março. O militar prestou depoimento durante mais de quatro horas na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MST, na Câmara dos Deputados, após ser convocado para tratar do monitoramento de casos de ocupações de terra.

“Neste período, eu não recebi através do correio Sisbin [Sistema Brasileiro de Inteligência], que é o órgão de trâmite de documento, nenhum relatório concernente ao assunto em epígrafe”, disse aos deputados, afirmando ainda que tais informações não lhes chegaram de forma oficial nem informal. Gonçalves Dias foi ouvido pelos membros da CPI na condição de testemunha e após o colegiado ter aprovado um requerimento de convocação apresentado pelo relator da CPI, Ricardo Salles (PL-SP).  

 “Nós tivemos 12 invasões em janeiro e 17 em fevereiro. Uma das últimas e mais retumbante foi, evidentemente, a da Suzano. Mas houve um número enorme de invasões no país nesses dois meses. Não posso aceitar como minimamente razoável que, nas reuniões de ministério, ao menos aquelas mais próximas ao presidente Lula, não se tenha discutido, não se tenha enquadrado, não se tenha valorado as invasões de terra no país sobretudo como ameaça, que são obrigação estatutária, regulamentar, regimental do órgão que o senhor comandou”, provocou Salles, que insistiu no tema reiteradas vezes.  


Gonçalves Dias (à esquerda) e o relator da CPI, Ricardo Salles (à direita), durante oitiva do ex-ministro do GSI / Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Dias afirmou ter tido conhecimento de apenas um caso de ocupação dos sem-terra, o da empresa Suzano Papel e Celulose, que ocorreu no final de fevereiro, na Bahia, e foi mencionado pelo relator. O general disse ter ficado sabendo do conflito pela imprensa e, ao rebater Salles, destacou que não chegou a abordar o tema das ações do MST com o presidente Lula (PT) enquanto comandou o GSI. “Não tratei porque não tinha conhecimento. Se tivesse conhecimento, teria levado ao presidente. É uma resposta lógica”, retrucou.

O general disse ainda que, durante sua administração no GSI, o órgão de inteligência passava por uma fase de “reestruturação” por conta da recente transição de governo. Ele acrescentou que a atuação de entidades como o MST é acompanhada pela área de segurança pública, ligada ao Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp). “A grande fonte de informação sobre movimentação de invasão de propriedades é o Sinesp. A Abin, em grande realidade, produz conhecimento estratégico para o país, assessorando  presidente nas áreas de maior ameaça“, argumentou.

Gonçalves Dias compareceu à CPI amparado por um habeas corpus obtido junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ele havia pleiteado junto à Corte o direito de não ser obrigado a depor. A defesa do general argumentou, na ocasião, que a convocação seria essencialmente política e que teria o objetivo de submetê-lo a constrangimento por conta das invasões registradas em Brasília, em 8 de janeiro. Disse, ainda, que o militar não teria colaboração a dar aos trabalhos da comissão.

Ao avaliar o caso, o ministro André Mendonça decidiu que o comparecimento do ex-GSI à CPI na condição de testemunha não seria facultativo, mas deu a ele o direito de ficar em silêncio e de não se autoincriminar diante de eventuais perguntas que pudessem resultar nesse enquadramento. 

Disputas de terra

O tema das ocupações de terra esquentou o debate logo no início da sessão, antes mesmo de o general ser colocado à mesa para depor.  Durante a votação de requerimentos por parte da CPI, que aprovou pedidos de novas convocações antes de ouvir o ex-GSI, deputados do campo progressista criticaram a abordagem que vem sendo dada pela ala bolsonarista aos trabalhos da comissão.

Os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tentaram e conseguiram aprovar, por exemplo, um pedido de Salles para convocação do ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa. O relator argumenta, no documento de solicitação, que, durante sua gestão à frente do governo da Bahia (2015-2022), o petista não teria “empreendido esforços para impedir atos de invasões de terra nem para garantir a propriedade privada”.

Também afirma que “o tema da reforma agrária abrange várias pautas ministeriais” e que, pelo fato de a Casa Civil fazer a articulação entre as pastas, Rui Costa deveria comparecer à CPI para tratar do assunto.  Após ser retirada pelo presidente Lula da alçada do GSI, em março, a Abin passou a compor o guarda-chuva administrativo da Casa Civil. Essa informação, no entanto, não consta no ofício de Salles que pleiteia a convocação de Rui Costa.


Convocação de Rui Costa é novo movimento do bolsonarismo para tentar constranger governo Lula na CPI do MST / José Cruz/Agência Brasil

“É evidente que eles não querem nenhuma declaração sobre a Abin porque, se fosse, chamariam aqui o responsável direto pela Abin. Foi nomeado em maio, inclusive, o senhor Luiz Fernando Corrêa, que tem dados, que organiza diretamente [o órgão]. O ministro Rui Costa cuida de uma área muito maior do governo, e a gente sabe exatamente qual o motivo pelo qual eles querem que o ministro venha até aqui. Talvez estejam insatisfeitos com os pleitos que fizeram anteriormente, por isso querem que o Rui Costa venha aqui pra tentar chantagear [o governo] de algum modo”, reagiu a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP).  

A psolista também evocou a legislação que instituiu o órgão de inteligência no país. “O que eu quero alertá-los, já que insistem tanto na Abin, é que a Lei nº 9.883, de dezembro de 1999, que versa sobre as responsabilidades da agência, os senhores deveriam estudar minimamente um pouco antes e ler qual o papel da Abin. Não há nenhuma vírgula que fale que tem um papel de monitoramento dos movimentos sociais”, argumentou Sâmia.  

Em outro momento, a parlamentar destacou os parâmetros legais da liberdade de expressão. “Não há nenhum relatório da Abin sobre nenhuma movimentação do MST, por um simples motivo: não é papel da agência monitorar movimentos sociais. A liberdade de associação, organização é garantida pelo Artigo 5º da nossa Constituição e, se algum presidente da República utilizou a Abin para monitorar ações dos movimentos sociais assim, de forma permanente, incorreu em um crime, uma ilegalidade, porque a lei da Abin não ampara nenhum presidente da República para utilizar esse instrumento de Estado para fazer esse tipo de papel”, reiterou.

Já a deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ) realçou que a agência exerce essa forma de vigilância quando se trata de comprometimento do regime democrático, por exemplo. “Aliás, a própria Abin mostrou que o tal Movimento Verde Amarelo (MVA) foi responsável por atacar as instituições no 8 de janeiro, num dos maiores ataques à democracia que a gente já viveu desde a nova Republica. Isso, sim, é papel [do órgão] porque fere a soberania nacional, fere o Estado democrático de direito”, disse. A informação mencionada pela parlamentar consta em relatório da agência encaminhado à CPMI dos Atos Antidemocráticos e divulgado pelo portal UOL no último domingo (30). O site afirma que dados do órgão destacam o apoio da organização a diferentes ações com intuito golpista antes mesmo do 8 de janeiro.

Lula X Abin

Na sequência, Salles acusou o governo Lula de, em sua segunda gestão, ter monitorado ações do MST no ano de 2009. A reação ficou por conta da deputada Gleisi Hoffmann (PR), presidenta nacional do PT, que defendeu o petista afirmando que o contexto da questão trazida por Salles seria diferente.   

“Vocês deveriam dizer qual foi o fato que levou a isso porque foi um fato de interesse de Estado, que era o interesse do Paraguai em mudar o tratado de Itaipu Binacional. A Abin não pode investigar o governo paraguaio. O que a Abin fez? Foi investigar se havia em cima do MST uma tentativa do governo paraguaio de obter apoio de movimentos brasileiros ou dos brasileiros pra fazer alteração do tratado”, rebateu Gleisi.

“Jamais a Abin monitorou movimento social que luta pela reforma agrária, até porque a postulação da reforma agrária não pode ser confundida nem identificada como esbulho possessório. Não é crime lutar pela reforma agrária, e este país precisa dar uma resposta à questão da terra. Já falamos aqui [na CPI] da história agrária do Brasil, das capitanias hereditárias, de como foi dividida a terra, então, temos que fazer uma discussão séria sobre o que é a democratização da propriedade”, emendou a presidenta do PT.

O Brasil de Fato procurou a assessoria parlamentar da Abin para tratar da questão sobre monitoramento de movimentos. A chefia da equipe afirmou que não faz parte da rotina do órgão de inteligência inspecionar atividades de movimentos populares, cabendo à agência observar apenas eventuais ações pontuais que possam afetar “o funcionamento de alguma infraestrutura considerada crítica”. Iniciativas que possam comprometer o Estado democrático de direito, por exemplo, também estão na rota de monitoramento da Abin. A questão consta na Política Nacional de Inteligência, formalizada por meio do Decreto nº 8.793/2016, um dos guias da atuação da Abin, segundo destacou a assessora do órgão.

Ditadura militar

A CPI do MST voltou do recesso nesta terça-feira (1º) sob acirradas disputas entre bolsonaristas e parlamentares do campo progressista na Câmara dos Deputados, assim como ocorreu nos primeiros meses de atividade do colegiado. A temperatura da reunião subiu logo no início dos trabalhos, quando o relator, Ricardo Salles, questionou o depoente, Gonçalves Dias, sobre se ele é favorável ao golpe militar de 1964. Salles insistiu no tema por mais de uma vez.

"Entrar nessa situação [sobre] se foi bom ou ruim o movimento de 64 é polêmico e não gostaria de entrar nessa seara", respondeu Dias, ao argumentar que o tema é estranho à pauta prevista para a CPI. A questão tem sido corriqueiramente reproduzida nos últimos anos por seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), cujo discurso protege a imagem das Forças Armadas ao negar a ideia de que o Brasil foi palco de um golpe militar em 1º de abril de 1964, quando o então presidente João Goulart foi deposto, entrando em seu lugar o general Castelo Branco, o primeiro presidente do regime ditatorial, que prevaleceu até 1985. O fato está amplamente documentado na historiografia nacional.

A distorção do tema por parte de Salles e outros membros da extrema direita irritou deputados governistas, que em diferentes manifestações criticaram a iniciativa da ala bolsonarista de mais uma vez tentar impulsionar a falsa polêmica sobre a ditadura. “Hoje nós presenciamos aqui um quadro muito ruim do que é o parlamento brasileiro”, afirmou, por exemplo, a deputada Lídice da Matta (PSB-BA).  

“A função das Forças Armadas está definida na Constituição Federal. O Brasil, em 1988, decidiu-se pelo caminho democrático e, por mais que alguns queiram jurar fidelidade a ditaduras militares, o povo brasileiro elegeu uma Constituinte e fez essa Constituição. É preciso que se retome um debate sério aqui, sob pena de esta comissão ir para o lixo da história política do país”, continuou a pessebista.

O deputado Padre João (PT-MG) foi outro que respondeu à iniciativa. Em entrevista ao Brasil de Fato, ele disse que vai cobrar ao sistema de Justiça um encaminhamento relacionado ao assunto. “Na minha fala [na comissão], eu disse que ele cometeu um crime porque já tem uma legislação que diz que qualquer apologia ao golpe, à ditadura é crime. Então, nós vamos fazer uma representação ao Ministério Público porque ele tem que responder por isso. Isso não pode ser uma prática, a gente naturalizar esse tipo de fala. Quando a gente não faz nada, acaba permitindo esse tipo de comportamento”.

Edição: Rodrigo Chagas