É necessário preparar pessoas, mudar atitudes e mudar valores
Uma pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) aponta que idosos e idosas que relataram sentir solidão têm quatro vezes mais chances de desenvolver depressão. O estudo Solidão e sua associação com indicadores sociodemográficos e de saúde em adultos e idosos brasileiros: ELSI-Brasil reforça uma percepção já observada pela ciência sobre a relação entre as duas condições.
Com autoria de Anita Liberalesso Neri, Flávia Silva Arbex Borim e Paulo Afonso Sandy Júnior, o levantamento investigou as associações entre a solidão e aspectos como local de moradia, idade, gênero e escolaridade.
"Ainda não está bem estabelecido se a solidão causa depressão ou vice-versa. Estudos longitudinais com idosos mostraram que o sentimento de solidão associou-se ao aparecimento de sintomas depressivos no seguimento, assim como sintomas depressivos prenunciaram o aparecimento de solidão", afirma o texto.
Anita Liberalesso Neri, professora no Programa de Pós-Graduação em Gerontologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e uma das autoras da pesquisa, afirma que os dois estados têm características semelhantes e causam impactos na saúde, tanto física quanto mental.
"Solidão e depressão compartilham estados emocionais negativos e, com muita frequência, têm relação com isolamento, viuvez, perda de entes queridos. São todos eventos de vida com forte probabilidade de acontecer na velhice avançada e em pessoas mais doentes e com mais dependência. Esse perfil é mais comum entre as mulheres."
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O estudo realizou quase 8 mil entrevistas com pessoas acima de 50 anos não institucionalizadas. Elas responderam à pergunta "com que frequência o(a) senhor(a) se sentiu sozinho(a) ou solitário(a): nunca, algumas vezes ou sempre?".
Mais de 16% das pessoas que participaram da pesquisa disseram sempre sentir solidão, 31,7% relataram ter a sensação às vezes e um índice superior a 50% disseram que nunca vivenciam esse processo. O problema ocorre mais em mulheres com baixa formação escolar, mais de 80 anos e avaliação ruim sobre a a própria saúde. Anita Liberalesso Neri aponta o peso que a desigualdade e a pobreza exercem sobre essa realidade.
"Pessoas com baixa escolaridade, em geral, são mais pobres, têm menos recursos econômicos, baixo capital social e poucos recursos de toda natureza. Elas, com muita frequência, não têm nenhum controle sobre os eventos negativos que afetam as suas vidas. Por isso, elas se sentem desamparadas. Elas não têm recursos para enfrentar. Pessoas desamparadas, sozinhas, isoladas, isso é uma combinação bastante difícil para que elas possam lidar."
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Ainda de acordo com a pesquisadora, a solução passa pela oferta de linhas de cuidado específicos às várias fases da velhice e pela atenção às famílias.
"Precisamos estabelecer políticas, condições e oferecer recursos para que as famílias cuidem dos seus idosos em suas próprias casas. Essas coisas não são fáceis. Para transformar a política em ações efetivas é necessário preparar pessoas, treiná-las, mudar atitudes, mudar valores. Nada disso é fácil, mas são coisas que nós precisamos urgentemente antes que a situação se agrave mais ainda."
A pesquisa foi publicada na edição mais recente da revista científica Cadernos de Saúde Pública, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), o levantamento analisou dados do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros. Clique aqui pra acessar.
Edição: Thalita Pires