Crise política

Crise toma o Equador após surto de violência e rumores de um acordo do governo com gangues

Depois de uma rebelião matar 31 detentos e o prefeito da cidade de Manta, acordo de paz entre gangues é anunciado

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A quadrilha de Los Lobos postou uma mensagem pública declarando um acordo de paz e agradeceu ao ministro do interior do Equador, Juan Zapata, por supostamente trabalhar com eles - Screenshot

Apenas algumas semanas antes das eleições gerais antecipadas do Equador, o país enfrenta uma crise sem precedentes devido a um aumento da violência e alegações de acordos entre o governo e grupos criminosos. Vídeos circularam nas redes sociais mostrando estudantes se escondendo em escolas em meio a tiros entre gangues de narcotraficantes em Esmeraldas, tentativas de assassinato contra funcionários do governo e mensagens públicas de líderes de bandos fortemente armados anunciando acordos de paz.

Os desenvolvimentos provocaram profunda preocupação em todo o país e aprofundaram ainda mais a crise política em curso, crise que foi agravada quando o presidente Guillermo Lasso ativou o decreto de "morte cruzada", em 17 de maio, dissolveu a Assembleia Nacional do país e convocou eleições gerais antecipadas.

Pesadas críticas foram feitas ao governo de Lasso em meio à crescente insegurança em todo o Equador. Luisa González, candidata presidencial do partido esquerdista Movimento Revolução Cidadã, declarou: “É escandaloso ver um governo totalmente inoperante. O fato de serem os líderes das quadrilhas criminosas que estão falando significa apenas uma coisa: as gangues estão no controle do país e não o presidente da República”.

O que aconteceu no Equador nas últimas semanas?

Rebeliões na prisão e assassinatos políticos

Após três meses de relativa calma, a Penitenciária do Litoral ou CPL Guayas 1, na cidade de Guayaquil, província de Guayas, foi novamente palco de violentas rebeliões entre 22 e 25 de julho de 2023. Em 22 de julho, confrontos entre as gangues criminosas rivais Los Lobos e Los Tiguerones estouraram no Litoral. Os detentos usaram armas de fogo e explosivos durante os conflitos que duraram até o dia 25 de julho. Segundo o Ministério Público, 31 presos foram mortos e 14 pessoas, incluindo um policial, ficaram feridas durante esses atos.

As rebeliões na Penitenciária do Litoral também provocaram uma série de protestos em outras prisões. Os detentos dos presídios de Latacunga, Riobamba, Ambato, El Inca, Azogues e Esmeraldas entraram em greve de fome e mantiveram como reféns mais de 120 pessoas, entre policiais, guias penitenciários, auxiliares administrativos e visitantes, para exigir melhores condições sanitárias e de alimentação, entre outras resoluções de problemas.

Isso levou Lasso a declarar estado de emergência por 60 dias nas 36 prisões do país em 25 de julho, autorizando a entrada das Forças Armadas nas prisões para retomar o controle. Na sequência da decretação do estado de emergência, 1.500 membros da Polícia Nacional e 1.200 membros das Forças Armadas entraram na Penitenciária do Litoral para controlar a situação.

Em 26 de julho, o SNAI (Serviço Nacional de Atenção Integral a Adultos Privados de Liberdade e Adolescentes Infratores) informou que as forças de segurança do estado haviam retomado o controle da prisão, e que as rebeliões em outras prisões haviam sido suspensas e os reféns libertados com o apoio de seguranças adicionais.

Enquanto isso, o Ministério Público informou que reabriu duas investigações anteriores contra as autoridades: uma investigando assassinatos de presidiários e outra investigando atos de terrorismo devido a detonações e quantidade de armas e munições encontradas dentro dos presídios em buscas após incidentes recentes.

A emergência prisional foi o segundo estado de emergência decretado por Lasso nesta semana.

Na segunda-feira, 24 de julho, Lasso também declarou estado de emergência nas províncias de Manabí e Los Ríos, bem como na cidade de Durán, depois que o prefeito da cidade de Manta, Agustín Intriago, foi morto a tiros no domingo. Vários ataques também foram presenciados no centro da cidade de Esmeraldas em 25 de julho, incluindo explosões em frente ao Ministério Público e à Companhia Nacional de Eletricidade, além de outros atos de violência, que levaram as autoridades a suspender temporariamente diversas atividades, incluindo aulas presenciais. Em 28 de julho, dois policiais foram mortos a tiros enquanto tomavam o café da manhã em uma parada de descanso em Samborondón, na província de Guayas.

Crise prisional

As prisões do Equador têm sido atormentadas por tiroteios, rebeliões e confrontos violentos desde 2021. Os governos de Lenín Moreno e Guillermo Lasso não conseguiram deter a violência. Lasso declarou regularmente estados de emergência nas prisões do país em um esforço para resolver o problema. Segundo dados oficiais, desde janeiro de 2021, 485 presos foram mortos sob custódia do estado em diferentes massacres em prisões.

A Penitenciária do Litoral é a maior e uma das prisões mais perigosas do Equador. Desde 2021, registrou dezenas de incidentes violentos e algumas das rebeliões mais brutais e massacres mais sangrentos. Uma batalha de gangues em setembro de 2021 matou 125 presidiários, com alguns decapitados ou mortos a golpes de facão. Em abril, 12 presos foram mortos e três ficaram feridos durante um motim. No último final de semana, o Litoral registrou seu décimo primeiro massacre desde 2021.

Negociações do governo com gangues?

Após a eclosão da violência e a declaração do estado de emergência, várias gangues criminosas que atuam no Equador, por meio de vídeos divulgados nas redes sociais, anunciaram que chegaram a um acordo para oferecer um período de paz no país. Eles aludiram ao fato de que o pacto de paz também foi assinado com o governo nacional e a polícia. Enquanto isso, o governo de direita do atual presidente Guillermo Lasso negou qualquer tipo de acordo com gangues criminosas.

Na terça-feira, 25 de julho, o líder da quadrilha criminosa Los Choneros, José Adolfo Macías Villamar, vulgo 'Fito', em uma mensagem de vídeo, anunciou que sua quadrilha havia chegado a um acordo de paz com Los Lobos, Los Tiguerones, Fatales, Latin Kings, Ben-10, M-18 e R-7 para acabar com as extorsões, sequestros e mortes violentas. Macías também se ofereceu para entregar as armas que as gangues criminosas possuem nas prisões do país para ajudar a pacificar a situação das violentas rebeliões nas prisões. No vídeo, supostamente gravado dentro de um presídio na cidade de Guayaquil, ‘Fito’ é visto cercado por outros quatro integrantes, armados com pistolas e fuzis, e um policial. É importante ressaltar que a entrada de câmeras e armas, bem como o acesso à internet são proibidos nos presídios de todo o país. A rede de notícias digital equatoriana Primicias alegou que o objetivo real de Macías por trás do acordo de paz é reagrupar as microgangues para diminuir as tensões e assumir o controle total das prisões.

Horas depois do vídeo de Fito, o líder dos Chone Killers, Antonio Camacho, vulgo Ben-10, também se pronunciou nas redes sociais, confirmando a trégua anunciada por Macías. “Não quero mais problemas com Las Águilas, Latin Kings, Tiguerones e Fatales. Eu quero ficar calmo. Do meu lado, vai ser uma mudança total”, disse Camacho diretamente do seu esconderijo.

Na quarta-feira, 26 de julho, um porta-voz da gangue Tiguerones também anunciou um pacto de paz com Los Choneros, Las Águilas, M-18, R-7, Lobos, Latin Kings, Ben-10. Em um vídeo, transmitido do presídio de Esmeraldas, o porta-voz foi visto sentado ao lado do diretor do presídio Iván Toledo, um padre e uma mulher, a quem se referiu como delegados do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, além de outros membros da gangue. Diante deles estava uma mesa com mais de uma dezena de facas e facões e dois revólveres, que Toledo disse terem sido entregues pelos bandidos como sinal de seu compromisso com a paz.

Da mesma forma, na noite de quarta-feira, o grupo criminoso Los Lobos também divulgou um vídeo no qual falava sobre o acordo de paz no Equador. O porta-voz, que estava com o rosto coberto, esclareceu que Los Lobos não havia distribuído os panfletos ameaçando a população com atos de terrorismo. Ele também agradeceu ao ministro do Interior, Juan Zapata, por supostamente ter ouvido seu pedido e chegado a um diálogo de paz “para o benefício de todo o país”. Além disso, alertou, acompanhado de dezenas de membros da gangue, que se o pacto não for cumprido, o grupo teria força e armas para travar uma guerra.

O anúncio de um acordo de paz entre gangues criminosas ocorreu dias depois que uma rebelião na Penitenciária do Litoral, em Guayaquil, matou 31 detentos, e também depois que violentos incidentes em outras prisões e nas ruas obrigaram o governo de Lasso a declarar dois estados de emergência em dois dias.

Lasso nega ter feito qualquer acordo com criminosos

Apesar da participação de policiais nas mensagens de vídeo e do agradecimento expresso ao ministro do Interior, Guillermo Lasso negou que seu governo tenha feito qualquer acordo com o crime organizado no país.

“O crime organizado está tentando se impor, mas não vamos ceder. Quero ser enfático: não fizemos pacto com criminosos como eles pretendem mostrar”, disse Lasso na última quinta-feira, 27 de julho, durante cerimônia realizada na capital Quito para a entrega de munições à Polícia Nacional.

Por sua vez, Zapata assegurou que ninguém no governo está autorizado a sentar e conversar com grupos criminosos. Sobre o agente policial que aparece no vídeo de Fito, Zapata disse que uma investigação foi aberta.

Da mesma forma, o diretor do Serviço Nacional de Atenção Integral a Adultos Privados de Liberdade e Adolescentes Infratores (SNAI), órgão estatal encarregado das penitenciárias do Equador, Guillermo Rodríguez, afirmou que o que foi anunciado por essas gangues foi “uma entrega voluntária (de armas) ” e sublinhou que “os pactos ocorrem entre eles e que a polícia nada tem a ver com esse assunto”.

Esta não é a primeira vez que o governo Lasso é acusado de ter ligações com o crime organizado. Em janeiro, a mídia digital equatoriana La Posta publicou uma série de documentos e gravações de áudio que ligavam vários funcionários do governo e o cunhado de Lasso, Danilo Carrera, a supostos atos de corrupção e membros da máfia albanesa.

A publicação da reportagem pelo veículo levou o Ministério Público a abrir um inquérito contra diversos servidores públicos de empresas estatais. Também levou o congresso, majoritariamente de oposição, a iniciar um processo de impeachment contra Lasso. Para evitar a possibilidade de ser investigado e afastado do cargo, em maio, Lasso dissolveu o parlamento unicameral do país e convocou eleições presidenciais e legislativas antecipadas.