Não cabe discurso derrotista de “terra arrasada” quando ainda temos muita coisa em jogo
*Luiz Ferreira
Sim, meus amigos. Eu também fiquei bastante chateado com a derrota para a França no último sábado (29) na segunda rodada da fase de grupos da Copa do Mundo Feminina. Diante do que foi o jogo, o Brasil poderia ter saído do Brisbane Stadium pelo menos com o empate diante das francesas e permanecido na primeira posição do Grupo F. Com a vitória da Jamaica sobre o Panamá, a equipe comandada por Pia Sundhage precisa vencer seu próximo jogo para se garantir nas oitavas de final do Mundial da Austrália e da Nova Zelândia. Justamente contra as jamaicanas.
A gente pode falar muita coisa sobre a partida. Ao invés do foco e concentração em cada lance que eu e você vimos na goleada sobre o Panamá, nossas jogadoras pareciam ter medo de se arriscar contra a França. Ficou claro que faltou um pouco mais de confiança pra tentar algo a mais ali no campo. Fora isso, o time errou demais nas tomadas de decisão e foi facilmente envolvido em alguns lances.
Só que o que mais me incomoda nessa história toda é postura 8 ou 80 de alguns coleguinhas de imprensa.
Os mesmos que criticavam todo mundo que pedia pés no chão depois da boa atuação contra o Panamá falam agora em “terra arrasada” e fim de Copa do Mundo Feminina para o Brasil depois da derrota para a França. Resultado esse que é absolutamente normal dado o contexto das duas seleções. E isso precisa ser levado em consideração.
E vale lembrar que, mesmo com a derrota e a situação mais complicada no Grupo F, o Brasil teve sim bons momentos. Sempre que a equipe entendeu que não poderia ir pra “trocação” contra as francesas (muito mais fortes fisicamente do que as brasileiras), as coisas não iriam andar. O segundo tempo nos brindou com bons lances, como o gol marcado por Debinha, a pressão bem encaixada na saída de bola, a maior aproximação das jogadoras de meio campo e as chances desperdiçadas.
Em tempo: sempre que você enfrenta uma equipe mais qualificada que a sua, perder chances claras de gol é simplesmente fatal. Adriana e a própria Debinha que o digam. Isso não pode acontecer em hipótese nenhuma.
Apesar de todas as dificuldades impostas pela França e pela falta de vivência de competição de algumas jogadoras, o Brasil conseguiu competir e até equilibrar o jogo no Brisbane Stadium. É uma pena que o sistema defensivo tenha vacilado nos gols de Le Sommer e Renard e que jogadoras como Luana, Antônia, Tamires e Geyse tenham jogado tão mal como neste sábado (29). Apenas Kerolin parecia não se intimidar com o jogo mais físico das adversárias e foram as melhores em campo pelo lado brasileiro. Geyse, mesmo errando quase tudo, foi importante na pressão na saída de bola.
Mas não dá pra fechar os olhos para os erros da equipe. Difícil entender como a maioria das nossas jogadoras demorou para compreender que era preciso ter outra postura diante de uma equipe mais forte e mais qualificada. Encurtar as distâncias no passe, buscar as triangulações por dentro, simplificar as coisas como um todo era fundamental para começar a pensar num bom resultado contra a França. Isso pra começo de conversa.
Também não dá pra passar pano em algumas escolhas de Pia Sundhage.
Eu entendo bem que o jogo pedia alguém que segurasse a bola lá na frente e tirasse a velocidade da França. No entanto, a escolha pela entrada das veteranas na partida acabou se mostrando equivocada diante do que suas adversárias mostravam.
Talvez fosse o caso de se manter Geyse em campo, mas jogando pelo lado, ajudando a marcar a saída de bola e dando um pé na marcação junto de Tamires ou Antônia. Andressa Alves ajudou a povoar o meio-campo, mas era facilmente vencida quando tentava saltar para a pressão. Ao mesmo tempo, Gabi Nunes seria mais útil no jogo do que Bia Zaneratto, jogadora essa que precisa de mais espaço para desfilar seu talento e que não se mostra confortável em jogos mais físicos.
Marta poderia ter entrado antes para dar a experiência e o toque de classe que faltou ao time brasileiro, mas fica a dúvida se a nossa rainha teria aguentado o tranco diante da forte marcação adversária no alto dos seus 37 anos por muito mais tempo.
E eu ainda estou tentando entender o que Pia Sundhage pretendia com a entrada de Mônica na lateral-direita. O objetivo era fortalecer o jogo aéreo? Era liberar Tamires pela esquerda? Não havia confiança em Bruninha, reserva imediata de Antônia? Difícil compreender e defender.
E fica aqui a crítica feita no dia da convocação para a Copa do Mundo. Pia Sundhage não parece confiar no processo de renovação da Seleção Brasileira que ela mesma iniciou há alguns anos. Bruninha e Gabi Nunes poderiam ter entrado e ter errado tudo. Mas seriam opções mais confiáveis do que Mônica e Bia Zaneratto no contexto do jogo contra a França. Faltou acreditar mais nas atletas jovens.
Sim, o momento é de chateação. Porque, apesar de todas as dificuldades, dava pra ter arrancado pelo menos um pontinho da França. Faltou confiança e concentração nos momentos mais importantes do jogo.
Por outro lado, é preciso deixar claro que a Copa do Mundo não terminou para o Brasil.
Algumas pessoas tratam a derrota deste sábado (29) como uma hecatombe nuclear, um apocalipse futebolístico sem salvação e se esquecem de que ainda temos o jogo contra a Jamaica na quarta-feira (2). É vencer para se garantir nas oitavas de final do Mundial e jogar a vida contra quem vier do Grupo H. Seja a poderosa Alemanha ou a promissora Colômbia.
Não é porque o Brasil goleou o Panamá que somos favoritos e não é porque o Brasil perdeu para a França que a vaquinha já deitou no brejo. Vamos com calma, pessoal.
O que não pode acontecer de jeito nenhum contra a Jamaica e durante o restante dessa Copa do Mundo é a repetição dos erros cometidos contra as francesas. É preciso ter a cabeça no lugar e entender que o Brasil tem plenas condições de passar de fase sem sustos. É jogar o que já jogaram em situações mais complicadas e buscar os três pontos.
Por favor, não me venham com esse discurso derrotista de “terra arrasada”. Não agora, quando ainda temos muita coisa em jogo.
*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Mariana Pitasse