“As mesmas armas que matam os palestinos são as armas que matam nas favelas cariocas”, afirma Gizele Martins, comunicadora popular e defensora de direitos humanos do Conjunto de Favela da Maré, no Rio de Janeiro, que em julho esteve na Palestina com outros representantes de movimentos de favelas, negros e indígenas do Brasil, Colômbia e Equador.
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A comitiva passou uma semana em diferentes territórios palestinos para conhecer a condição imposta pelo regime de apartheid, colonialismo e ocupação militar israelense. Lá, a delegação se deparou com uma realidade que pouco se difere das favelas cariocas. Segundo Gizele, no Brasil e na Palestina o extermínio da juventude negra e a violação de direitos são cometidos pelo Estado.
A comunicadora também integra a articulação internacional Julho Negro, que discute os impactos do racismo, da militarização e do apartheid no Brasil e no mundo. Nesse sentindo, o encontro com as comunidades palestinas também pautou as conexões e experiências de luta e de organização nos países.
Além do Julho Negro, entre os movimentos do Brasil que foram à Palestina estão o Movimento Negro Unificado (MNU), a Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo de Estado, a Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, a Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito e a Coalizão de Mídias Periféricas, Faveladas, Quilombolas e Indígenas no Brasil. A Confederação de Povos da Nacionalidade Kichwa no Equador (ECUARUNARI) e o Processo de Comunidades Negras (PCN) na Colômbia também integraram a comitiva.
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Em entrevista ao Brasil de Fato, Gizele compara a realidade palestina com a violência de Estado nas favelas cariocas, conta as impressões da viagem e aponta que as conexões de luta se dão pela violação, mas também pela vontade de reconquistar os direitos. Confira:
Brasil de Fato: Qual foi o objetivo da visita à Palestina?
Gizele: A viagem foi parte de uma articulação que já vem sendo feita entre movimentos aqui no Brasil com o movimento "Mundo sem Muros" e o movimento de boicote a Israel, que são da Palestina. Essa articulação do movimento de favelas com os palestinos vem sendo construída no Rio há sete anos e essa viagem levou integrantes do movimento de favelas e periferias, do movimento negro e indígena para a Palestina para a gente conhecer o território, mas também fazer uma incidência política a partir do que a gente viu e a partir do que a gente discutiu nos territórios palestinos.
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A ideia é sempre trabalhar as conexões de lutas. Discutimos bastante a questão racial. Os palestinos vivenciam o racismo assim como a gente vivencia e sofre racismo no Brasil. Então essa foi uma das pautas que a gente levantou bastante.
Como a ocupação militar da Palestina se relaciona com a política de segurança nas favelas do Rio de Janeiro?
Essa conexão se dá, muitas vezes, falando de favelas e Palestina, ou de outros países do sul global e América Latina, pela violação. Porque as mesmas armas que matam os palestinos são as armas que matam nas favelas cariocas. Os mesmos tanques de guerra, ou carros blindados da polícia, chamados popularmente de “caveirão”, são utilizados seja na Palestina ou nas favelas do Rio de Janeiro.
O primeiro caveirão que chegou 20 anos atrás nas favelas do Rio foi utilizado no apartheid da África do Sul. Esses caveirões vieram diretamente para as favelas do Rio. Os novos carros blindados que invadem nossas ruas nas favelas são treinados nas vidas palestinas. Ou seja, eles são fabricados por empresas israelenses.
Israel faz da vida palestina um grande laboratório da política da morte, treinando esse armamento, essa técnica, para depois vender para o mundo inteiro. Essa mesma tecnologia feita pelo Estado israelense e suas empresas também impacta a vida negra, pobre, favelada e indígena do nosso país. Especificamente nas favelas do Rio de Janeiro.
Você esteve na Palestina em 2017 e retornou agora. O que mais te marcou nessa última viagem, anos depois?
O que eu pude ver enquanto Gizele, comunicadora, moradora de favela, é uma piora da situação nos territórios palestinos. Ouvi um depoimento de um jovem de 23 anos que foi preso 33 vezes, desde os cinco anos de idade. Isso significa que pelas leis israelenses, crianças palestinas a partir dos cinco anos já podem ser presas.
Que democracia é essa que Israel vende para o mundo? O país está colonizando, matando, causando um genocídio da juventude e da população palestina, prendendo crianças, algo que é proibido inclusive pela ONU.
Visitamos um território palestino em Ramallah onde a população só tem água uma vez por semana. Onde a energia, internet, linha telefônica, é controlada por Israel. Passamos por inúmeros “check points”, que são torres de controle onde os palestinos precisam se apresentar e podem passar se o exército israelense deixar.
Qual a conexão de lutas entre o movimento de favelas e o povo palestino?
Os território palestino não tem saúde pública, a população palestina não tem censo [demográfico] há 20 anos. As suas moradias estão sendo ameaçadas de despejo e demolição. Os beduínos [grupo que vive em cavernas e nos vilarejos no Vale do Jordão] também sofrem ameaças de demolição, outros são presos, ou assassinados por apenas viverem e serem palestinos.
Nada muito diferente do que a gente vivencia aqui no Brasil, só que lá há o acréscimo do apartheid que divide famílias, divide os territórios palestinos, expulsando a população dos seus próprios territórios e promovendo o genocídio da população palestina.
Essa conexão, movimento de favelas e Palestina, é em denúncia a essas empresas [armamentistas] e ao que o Estado israelense vem cometendo nas vidas palestinas, e também de solidariedade ao povo para que um dia a gente consiga derrubar essas empresas que controlam e matam as vidas negras palestinas.
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Os territórios periféricos favelados no Brasil e o palestino querem viver, com saúde, educação, direitos. Essa conexão de luta se dá pela falta de direitos, mas também pela vontade de reconquistar nossas terras, nossa energia, nossa água, nossa cultura, nossa memória, e principalmente a nossa vida.
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Jaqueline Deister