INSEGURANÇA

Cabo de Santo Agostinho: de promessa econômica em Pernambuco a 5ª cidade mais violenta do país

Município viveu boom econômico há pouco mais de dez anos, mas hoje enfrenta agravamento do crime organizado

Brasil de Fato | Recife(PE) |
Não é novidade o índice negativo. O Cabo já vem enfrentando dificuldades ao longo dos últimos 10 anos - Afonso Bezerra

A educadora social Wyllyane Silva se sente muito orgulhosa por ter crescido no bairro Ponte dos Carvalhos, no município Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco. O que ela não gosta de lembrar é que esse mesmo bairro é considerado um dos mais violentos da cidade, que, por sua vez, apresenta o 5º maior número de mortes violentas entre os municípios com mais de 100 mil habitantes, de acordo com o Anuário de Segurança Pública 2023.

"O que mexe na rotina é a pessoa sair e ficar pensando no horário que vai voltar pra casa. Não posso voltar tão tarde pra casa porque vai ficar muito perigoso. Com o passar do tempo, a gente vai vendo cada vez menos pessoas pelas praças, por exemplo", lamenta Wyllyane. 

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Produzido pelo Fórum de Segurança Pública, o relatório identificou que a cidade registrou, no ano passado, 81,2 mortes (homicídios e latrocínios) para cada 100 mil habitantes. De acordo com moradores e ativistas locais que estudam o tema da segurança pública, dois fatores são cruciais para este índice: a expansão do crime organizado na região e a ausência de políticas públicas. 

"A gente percebe que há um descaso dos gestores em pensar estratégias para combater essa situação de violência. A gente está num município que é relativamente rico, que é permeado de indústrias. Aqui está o polo petroquímico de Suape, as empresas que já tiveram grande boom, agora arrefeceram, mas não deixaram de estar funcionando. E nada é aproveitado para enfrentar esse tipo de violência", analisa Izabel Santos, coordenadora geral do Centro de Mulheres do Cabo. 

Em resposta ao Brasil de Fato, a Prefeitura de Cabo de Santo Agostinho ressalta que a cidade já foi considerada a segunda cidade mais violenta do país, estando hoje na quinta posição, sendo resultado – segundo a gestão – da “redução de homicídios na ordem de 46%, tendo ganho os três últimos prêmios de Defesa Social de Pernambuco”. 


Vista do porto de Suape, em Pernambuco / Daniela Nader/Divulgação

Um sonho frustrado

O índice de violência coloca o município do Cabo na contramão da própria história. Na última década, a cidade viveu uma euforia econômica, com a construção da Refinaria Abreu e Lima, do Estaleiro Atlântico Sul e das obras de ampliação do Complexo Industrial do Porto de Suape, além do potencial turístico das praias.

Em pouco mais de dez anos, a cidade deixou de ser uma promessa econômica para viver um pesadelo da segurança pública. 

"Eu lembro muito dos comerciais. Cabo e Ipojuca eram vendidas como as cidades do futuro. Cidades do emprego, do desenvolvimento, muita fartura", recorda Rafael Negrão, jornalista que se dedica à cobertura dos assuntos ligados a segurança pública na cidade. Por outro lado, ele destaca que as duas cidades não estavam preparadas para receber esse quantitativo de pessoas e trabalhadores. "Se pra gente não tinha escola suficiente, imagina para cinquenta mil pessoas."



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Os principais coletivos que atuam no município denunciam que a causa mais grave dessa ascensão da violência é a ausência de políticas públicas. Os grupos denunciam, por exemplo, a situação do Teatro Barreto Júnior, que está abandonado, e da Praça Nove de Julho, que está incompleta e sem equipamentos de lazer. 

"O que a gente mais discutiu é que a cultura pode salvar os jovens dessa vida de crime, e é exatamente a cultura do Cabo que está sendo deixada de lado", explicou Deborah Camille, integrante do Coletivo Cabo de Força, uma iniciativa que tem tocado ações de apoio à juventude da cidade. 

A reportagem do Brasil de Fato procurou a prefeitura do Cabo de Santo Agostinho e até o momento não teve resposta. Assim que for enviado algum posicionamento, nós atualizaremos esta matéria. 

Neste domingo(30), a assessoria de imprensa da prefeitura respondeu ao nosso contato. Em nota, o governo municipal afirma que "o Teatro Barreto Júnior já tem todo o projeto executivo de restauração pronto, aguardando recursos para a iniciativa das obras".

Também afirma que está em curso a "contratação, armamento e treinamento de alta qualificação da Guarda Civil Municipal, sempre com vistas à prevenção da violência e cuidado de grupos vulneráveis. Ampliação do Videomonitoramento e da análise criminal com foco na CidadeSusp. Integração total com Governo Federal e forças do Estado de Pernambuco. Foco na Patrulha da Mulher e na Patrulha Escolar". 

Procuramos também a Secretaria de Defesa Social e até o momento não fomos atendidos. Assim que for enviada uma resposta, nós atualizaremos a reportagem. 

Ainda sem planos

Além do Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco tem outras quatro cidades entre as 50 mais violentas do país, de acordo com o Anuário. São elas: Vitória de Santo Antão (27ª), São Lourenço da Mata (30ª), Garanhuns (39ª) e Jaboatão dos Guararapes (42ª).

A Marco Zero Conteúdo, agência de notícias de jornalismo independente do estado, fez uma reportagem recordando que a governadora Raquel Lyra ainda não divulgou os detalhes do seu programa de segurança pública. 

Segundo a reportagem, o prazo estipulado pela governadora encerra na próxima semana e a população ainda não tem conhecimento de como o estado vai enfrentar o problema. 

A matéria também relembra que não é novidade o Cabo amargar um índice ruim na área de segurança pública, e que em 2014 ela foi considerada a cidade mais perigosa para os jovens, sobretudo negros e da periferia, de acordo com o índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial, da Secretaria Nacional de Juventude do governo federal.

Kátia Raissa, moradora do Cabo e ativista da Rede Malala, resume qual é a sensação de quem vive nesta cidade: 

"Eles colocam que vai acontecer tal coisa, que a economia vai subir e a gente vê que o Cabo tá em quinto lugar na violência…Eu acho que é frustração".

Outro lado

Em nota, a Prefeitura informou que o Teatro Barreto Junior aguarda recursos para início das obras de restauração. Já o Teatro Francisco Alves ainda está em fase de projeto. 

A administração municipal também pontuou que tem investido em contratação, armamento e treinamento da Guarda Civil Municipal para prevenir a violência no município. A gestão destaca ainda a implantação de iluminação em LED na área urbana da cidade. As medidas, de acordo com o texto, "têm foco operacional nos centros esteticamente mais violentos da cidade: Ponte dos Carvalhos, Centro, Charneca e Praias".

Edição: Leandro Melito