Moradores de Volta Redonda, município da região sul fluminense, denunciam que a emissão de um “pó magnético” no ar pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) tem se intensificado. O pó preto formado por micropartículas de ferro que caem sobre a cidade deixou de ser monitorado pelo estado há seis anos e ameaça a saúde pública, causando sobretudo doenças respiratórias, segundo especialistas. Um teste com imã é o que comprova que a poeira tem origem magnética.
Na última semana, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) multou a empresa em R$ 1 milhão devido a piora na qualidade do ar. Entretanto, o longo histórico de multas e a assinatura de sucessivos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), firmados entre a CSN e o Inea, não acompanham a melhora da poluição em Volta Redonda.
Leia mais: Ameaça invisível: programa Bem Viver explica por que você respira mais poluição do que imagina
Em 10 anos, a CSN pagou cerca de R$ 90 milhões em multas por descumprimento de normas ambientais. O último TAC, em vigor desde 2018, prevê ações de identificação e controle do pó preto. O prazo para as obras de adequação é agosto de 2024, com investimentos de R$ 303 milhões.
Michel Bastos, ex-analista ambiental do Inea do Médio Paraíba, afirma que o material poluente expelido pela empresa vai além do que é palpável.“A população está muito preocupada com o pó e, com razão, porque afeta a vida direta, cai no olho, não tem como pendurar roupa, as casas ficam cinzas. Doenças respiratórias como bronquite, sinusite, reações alérgicas imperam aqui. Além da questão da auto-estima e da qualidade de vida. Existem ainda o que a gente não vê, por exemplo, um cheiro de podre, às vezes de naftalina. Ou seja, componentes orgânicos cancerígenos estão no ar. As pessoas não veem, mas sentem”, alerta o biólogo.
Impactos
Em nota, o Inea informou que a CSN cumpriu quatro ações no escopo do TAC com relação a emissões de gases e qualidade do ar. Outros seis itens ainda não foram cumpridos e estão dentro do prazo vigente. Dentre as obrigações, duas medidas que seriam responsáveis por solucionar o problema das partículas de pó preto estão em aberto.
“Se abrir uma sacola e passar um vento você vai colher material particular da CSN. Além dos gases que as pessoas nem sabem: dentro do processo industrial siderúrgico, é inerente a liberação de compostos voláteis e semivoláteis. Não faz sentido ter dentro de casa uma poeira magnética. Isso é surreal e vai para dentro do nosso pulmão”, destaca o consultor ambiental Michel Bastos.
Desde 2017, uma determinação do Conselho Estadual do Meio Ambiente retirou o poluente da lista de monitoramento. Agora, o vice-governador e secretário estadual do Ambiente, Thiago Pampolha, e o presidente do Inea, Philipe Campello, afirmaram que a norma será revisada. O anúncio ocorreu durante uma reunião sobre a qualidade do ar em Volta Redonda na última segunda (17) no Palácio Guanabara, no Rio.
O órgão ambiental ressaltou que "não há hoje padrões para partículas sedimentares nas diretrizes nacionais, nem nas diretrizes da OMS para este poluente". Sem fiscalização, o ar carregado chega a fazer o dia virar noite e moradores registram vídeos da cidade coberta de fumaça e poeira, chamada de “partículas sedimentáveis".
Leia também: Mandado de segurança obriga Usiminas a reduzir emissão de "pó preto" em Ipatinga (MG)
Além do ar poluído, outra preocupação é a montanha de escória siderúrgica despejada às margens do rio Paraíba do Sul, ameaçando a segurança hídrica do estado. A montanha de 40 metros é visível ao passar pela rodovia federal BR-393, que liga o Espírito Santo ao Rio de Janeiro. Uma decisão judicial de 2019 condenou a CSN e a empresa Harsco por não cumprirem o prazo para redução das pilhas.
"Com base nesta ação os Ministérios Públicos federal e estadual têm coordenado as discussões para a assinatura de um TAC visando a redução da altura das pilhas de escória, bem como a sua retirada das áreas de faixa marginal de proteção", diz o Inea.
Riscos à saúde
Quem convive diariamente com a poeira sente a própria dignidade atacada. Esse é o sentimento do aposentado da CSN José Maria da Silva. “Ver a empresa com esse descuido com a dignidade dos trabalhadores e da cidade que ajudou tanto a empresa a ter o que tem, é doloroso. É doloroso respirar esse pó. Estou na cidade há 60 anos e nunca vi coisa igual”, lamenta o técnico em química.
Os efeitos danosos da qualidade do ar foram comprovados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que colocou a poluição atmosférica no mesmo patamar de ameaças ambientais à saúde humana que a mudança do clima. O pesquisador da Fiocruz Marcelo Moreno ressalta que crianças, adolescentes, idosos e pessoas com doenças preexistentes do aparelho respiratório e cardiovascular estão mais suscetíveis.
"Estudos já mostraram também a relação com efeitos indesejáveis da gravidez, como baixo peso ao nascer, prematuridade, crescimento intrauterino retardado e más-formações congênitas", afirma Marcelo. Ele lembra que diversos estudos realizados em Volta Redonda evidenciaram a exposição da população aos poluentes com aumento do risco de morte por doenças respiratórias.
Leia mais: Má qualidade do ar se espalha e mata mundo afora
"É importante enfatizar que estes problemas poderiam ser evitados se houvesse um controle ambiental mais rígido das fontes poluidoras. É importante que o poder público abrace este problema como sendo de saúde pública, pois além de causar sofrimento às pessoas, gera custos para o Sistema Único de Saúde", finaliza o pesquisador da Fiocruz.
Mobilização
José Maria, conhecido como Zezinho, é fundador do Movimento Ética e Política em Volta Redonda e trabalhou na CSN por mais de 20 anos. Ele explica que a cidade do aço foi construída para receber a instalação, mas a promessa de desenvolvimento ficou frustrada desde a privatização em 1993. Desde então, a companhia é apontada como responsável pelos problemas da cidade e acusada de não avançar em soluções tecnológicas capazes de minimizar o impacto da atividade industrial.
“O grande clamor da cidade hoje não é contra a empresa, isso tem que ficar bem claro. A CSN tem uma importância histórica para o desenvolvimento do sul fluminense. A empresa foi um marco na industrialização no país. A cidade quer que se utilize os instrumentos das legislações ambientais, técnicas que existem no mercado, para minimizar o impacto”, defende o químico e ativista socioambiental.
Ambientalistas, movimentos sociais, ONGs e coletivos do sul fluminense marcaram para o próximo domingo (23) uma manifestação contra os danos socioambientais causados pela CSN. A mobilização da sociedade civil ganhou força no último ano com a piora da poluição. Para Zezinho, o apelo dos atingidos pelo pó da CSN é para que haja reconhecimento e reparação dos danos por parte da empresa e do Estado.
O que diz a CSN?
Procurada pelo Brasil de Fato, a CSN enviou uma nota em que afirma que "possui filtros de despoeiramento, lavadores de gases, sistemas de limpeza e lavagem das vias internas, bem como canhões de água que umidificam as matérias-primas e diversos outros equipamentos e ações para controlar a emissão de particulados".
A empresa ainda afirmou que durante este período do ano "ocorre um fenômeno climático natural chamado inversão térmica. Trata-se de um fenômeno que se repete durante a estiagem e o clima seco e frio, no qual o ar tem pouca dispersão. Isso faz com que as concentrações de partículas se acumulem na região onde o fenômeno ocorre. Independentemente desse cenário, a empresa está comprometida em reduzir significativamente as emissões de partículas", disse. Confira o restante da nota na íntegra:
Estamos tomando medidas adicionais para minimizar o desconforto à comunidade. Para isso, estamos investindo em equipamentos modernos, como filtros de despoeiramento. Além disso, estamos iniciando o processo de implantação de máquinas novas e automatizadas de varrição e sucção.
Também estamos adquirindo novos canhões de água para evitar o levantamento de poeira em situações em que há aumento da frequência de ventos fortes na cidade, por exemplo. Estamos instalando ainda sistemas de criação de névoa artificial para evitar a disseminação de partículas. E iniciamos o uso de polímeros que são lançados sobre pilhas de poeira, minérios ou carvão criando uma camada que as protegem contra os efeitos dos ventos.
Adicionalmente, estamos promovendo a regulagem fina e adequação da produção em processos que possam causar emissões. Estamos investindo massivamente na manutenção, inclusive aumentando as frequências das paradas para manutenção preventiva.
Além disso, é importante esclarecer que a atual rede de monitoramento da qualidade do ar do empreendimento é composta por nove estações, das quais três são automáticas, cinco são semiautomáticas e uma é meteorológica. Essas estações são operadas, mantidas e calibradas por uma empresa especializada e independente. Os dados brutos são enviados diariamente, de forma online, para o Instituto Estadual do Ambiente - INEA (Órgão Ambiental do estado do Rio de Janeiro).
Edição: Mariana Pitasse