O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou o Fundo para o Meio Ambiente Mundial (GEF, na sigla em inglês), liderado pelo Banco Mundial, no qual Brasil, Colômbia e Equador, que têm floresta amazônica em seus territórios, dividem uma cadeira, enquanto países como Estados Unidos, Canadá, Itália e Suécia ocupam cada um uma cadeira.
“Essa é mais uma evidência que a governança global precisa mudar. Essa situação não pode servir de fachada para o neocolonialismo”, afirmou o presidente, neste sábado (8), durante a sessão de encerramento da Reunião Técnico-Científica da Amazônia, organizada pelo governo da Colômbia, do presidente Gustavo Petro. O encontro ocorreu em Letícia, que faz divisão com Tabatinga, no extremo oeste do Amazonas, na região da tríplice fronteira entre Colômbia, Brasil e Peru.
O presidente defendeu que países da Amazônia se reúnam em torno do combate ao desmatamento até 2030. Ele citou a necessidade de institucionalizar, por exemplo, o Observatório Regional da Amazônia, criado pela Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OCTA), com o objetivo de estabelecer uma troca de informações entre instituições e autoridades intergovernamentais dos países membros, com foco no estudo da Amazônia.
Lula propôs que o observatório seja utilizado institucionalmente nos países amazônicos, dentro de um comitê com especialistas em Amazônia, na geração de dados para orientar as políticas públicas e torná-las mais eficazes, como no combate à contaminação das águas, desmatamento e incêndios. Outro ponto defendido foi um centro de cooperação policial internacional da Amazônia na cidade de Manaus para monitorar e combater rotas utilizadas pelo crime organizado.
“Devemos atuar na produção de conhecimento local, dinamizar as economias e criar oportunidades para a nossa juventude. Podemos fazer muito se tivermos a ótica de diretrizes claras de recursos adequados. Com um banco de desenvolvimento e mobilização de recursos públicos e privados, podemos estimular agricultura familiar, pesca artesanal e a rede de empreendedorismo, sobretudo feminino”, afirmou Lula.
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Nesse sentido, o presidente afirmou que os países desenvolvidos devem cumprir os compromissos estabelecidos no Acordo de Copenhague, no qual os países desenvolvidos se comprometeram a fornecer recursos para a mitigação e adaptação dos países em desenvolvimento aos efeitos das mudanças climáticas. Inicialmente, estabeleceu-se a contribuição de US$ 10 bilhões por ano, de 2010 a 2012, e posteriormente, a partir de 2020, aumentou-se a meta para US$ 100 bilhões por ano.
"Vamos ter de exigir juntos que os países ricos cumpram seus compromissos, incluindo a promessa feita em Copenhague em 2009 de US$ 100 bilhões por ano para ação climática, afinal foram eles que emitiram historicamente a maior parte dos gases de efeito estufa", afirmou Lula.
A Colômbia propôs aos países amazônicos zerar a exploração ilegal de minérios e o fim do desmatamento até 2030. O governo Lula já havia se comprometido no combate ao desflorestamento. Desde que assumiu a Presidência, vem atuando na retirada de garimpeiros de terras indígenas, principalmente na Terra Indígena Yanomami, onde foi declarada emergência em saúde pública em janeiro. "Meu governo está comprometido a zerar o desmatamento até 2030. Esse é um compromisso que os países amazônicos podem assumir juntos na cúpula de Belém", disse Lula.
Exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas
Logo após a fala de Lula à imprensa, o presidente colombiano Gustavo Petro levantou o tema da exploração de hidrocarbonetos na Amazônia, referindo-se à exploração de petróleo na região. “Vamos deixar explorar hidrocarbonetos na selva amazônica? Entregá-los como blocos de exploração, está aí a riqueza?", disse Petro.
Em maio deste ano, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) negou os pedidos para a realização de estudos no local para a possível extração de petróleo na foz do Rio Amazonas. De acordo com o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, a autorização para os estudos foi negada porque as informações prestadas não foram suficientes para garantir a viabilidade sustentável do empreendimento.
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Dias depois, Lula disse que seria “difícil” uma perfuração na foz do rio Amazonas causar algum problema ambiental na região. “Se explorar esse petróleo [da foz do Amazonas] tiver problema para a Amazônia, certamente não será explorado, mas eu acho difícil, porque é a 530 quilômetros da Amazônia”, disse Lula em Hiroshima, no Japão, na cúpula do G7, no final de maio.
A fala de Petro, nesse sentido, pode ser entendida como uma forma de pressionar o governo brasileiro a se manter distante da exploração de petróleo na foz. "Essa é uma decisão que teríamos que tomar em comum, obviamente cada país é soberano. Cada país aqui viveu do petróleo, a maioria, nós vivemos do petróleo e do carbono nos últimos 40 anos. E então vamos viver do que? É a pergunta que faz a sociedade. Podemos viver do cérebro, podemos viver da ciência, podemos viver de outro tipo de desenvolvimento. Podemos viver da nossa unidade abrindo caminhos, podemos viver do ecoturismo, da bioeconomia”, disse Petro.
“Ponto de não retorno”
O objetivo do encontro na Colômbia foi alcançar um acordo que possa evitar o que os cientistas chamam de "ponto de não retorno". Em outras palavras, busca-se impedir que as florestas tropicais da Amazônia se transformem em savanas, perdendo sua capacidade de regeneração.
“É natural que dois países que compartilham fronteira de mais de 1.6 mil km e possuem duas maiores populações da América do sul se aproximem. O que se faz em um ponto da América do Sul repercute em outro. O desmatamento da Amazônia impacta o Cone Sul no abastecimento de água e nas atividades econômicas. Esta reunião discutiu temas fundamentais, como a proteção dos povos indígenas, a promoção da ciência, tecnologia e inovação, a bioeconomia e o combate aos crimes transnacionais”, afirmou Lula à imprensa logo após a reunião.
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Antes do encontro, a ministra do Meio Ambiente da Colômbia, Susana Muhamad, declarou que a conferência em Letícia resultaria em "um plano definido e um processo político para preservar a Amazônia em meio à crise climática". Com base nas estimativas apresentadas pelo governo colombiano, se a taxa de desmatamento ultrapassar os 20% da área da Amazônia, a capacidade de regeneração da floresta deve se perder.
Maior participação de indígenas
O encontro foi recebido com preocupação por alguns grupos de indígenas. A despeito das comemorações em torno das iniciativas em prol da floresta amazônica, organizações ligadas às questões indígenas no território têm o receio de não serem ouvidas no nível em que a situação demanda.
Karla Díaz, coordenadora de Território e Democracia Ambiental da ONG Ambiente e Sociedade, afirma que “as organizações sociais do território não têm tido voz nestes espaços: as comunidades indígenas, muito menos as comunidades camponesas e afro que habitam a Amazônia", disse Díaz em entrevista ao jornal colombiano El Espectador.
Além da reivindicação por maior participação, as comunidades indígenas falam em gestão dos recursos. De acordo com um relatório publicado pelas ONG Rainforest Foundation Norway e Rights and Resources Initiative, somente 17% do financiamento global anual destinado às questões climáticas e conservação dos povos indígenas é destinado para "atividades que especificamente nomeiam uma organização indígena ou uma comunidade local".
A reunião antecedeu a Cúpula da Amazônia, marcada para 8 de agosto, em Belém, no Pará. Na ocasião, o Brasil receberá os presidentes de Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, que fazem parte da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Trata-se de um mecanismo internacional pelo qual se assumiu o compromisso de preservação do meio ambiente e o uso sustentável dos recursos da Amazônia.
Em 2025, será realizada a Conferência das Nações Unidas Sobre as Mudanças Climáticas (COP30) também na capital do Pará. Será a primeira vez que o evento organizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) será realizado no bioma de floresta tropical.
Edição: Thales Schmidt