Assista ao vídeo

Suprema Corte dos EUA conduz cruzada contra direitos

Com uma maioria conservadora, a Suprema Corte vem revertendo decisões históricas

Nova Iorque |
Em uma mesma semana, a Suprema Corte acabou com políticas afirmativas, proibiu o perdão das dívidas estudantis e permitiu discriminação de prestadores de serviço contra pessoas LGBTQIAPN+ - AFP

Em decisões controversas, a Suprema Corte dos Estados Unidos impôs três grandes derrotas ao presidente Joe Biden e aos progressistas na semana passada. Com seis juízes escolhidos por presidentes republicanos e apenas três indicados por democratas, a super maioria conservadora está em uma verdadeira cruzada contra direitos adquiridos ao longo das últimas décadas.

No ano passado, a corte acabou com o direito ao aborto, assegurado nos anos 1970 após o julgamento do caso conhecido como Roe v. Wade. Desta vez, os juízes retrocederam em conquistas de pessoas negras, da comunidade LGBTQIAPN+ e de estudantes universitários. Mas ao que tudo indica, eles não devem parar por aí.

Uma das decisões diz respeito às políticas afirmativas nos processos de seleção das universidades estadunidenses. Desde os anos 1960, em meio ao movimento pelos direitos civis, muitas universidades passaram a considerar a raça do candidato com o intuito de democratizar o acesso.

Em múltiplas decisões, desde então, a última delas em 2016, a Suprema Corte entendeu que tais ações eram legais e, acima disso, benéficas à sociedade. Reparar os séculos de escravidão e segregação não era visto pela instância máxima do Poder Judiciário como discriminação. Isso, pelo menos, até a semana passada.

“O motivo é que isso não é o uso da raça para discriminar”, explica Risa Lieberwitz, professora da Cornell University e conselheira nacional da Associação de Professors Universitários dos Estados Unidos. Defensora das ações afirmativas, Lieberwitz acredita que “a diversidade no corpo estudantil tem benefícios educacionais para os estudantes que são admitidos, sejam eles de um grupo sub-representado ou não. Isso enriquece o programa educacional, prepara os estudantes de forma mais ampla para o mercado de trabalho e para serem membros de uma sociedade democrática”.

Na semana passada, porém, a corte voltou atrás e acabou com décadas de precedentes que permitiram o uso de ações afirmativas em universidades de todo o país. A ação envolvia as Universidades de Harvard e Carolina do Norte. De agora em diante, nenhuma instituição superior de ensino poderá considerar a raça dos candidatos no momento da seleção.

Da Casa Branca, Biden criticou a decisão. “A corte efetivamente acabou com as ações afirmativas nas admissões universitárias, e eu fortemente discordo da decisão da corte”, disse o presidente em uma coletiva de imprensa.

O argumento dos juízes é que, de acordo com a 14ª emenda da Constituição, ninguém poderia ser discriminado por conta da raça no país. A mesma corte, no entanto, garantiu o direito a uma designer de sites de casamento de negar serviços a casais LGBTQIAPN+. Segundo os juízes, por se tratar de um trabalho criativo, ela estaria protegida pelo direito de liberdade de expressão.

Para a professora da Cornell University, as decisões parecem contraditórias: “Eu acho que é contraditório ver a Suprema Corte, no caso de Harvard, restringir a oportunidade de todos os grupos terem acesso à educação em nome do combate à discriminação e, neste outro caso, limitar leis de discriminação e suas aplicações”.

Leiberwitz acredita, porém, que há algo de semelhante entre as duas decisões: “O que não é contraditório nos dois é que, de novo, em ambos os casos o que a gente vê é a Suprema Corte interpretando as leis de uma forma que enfraquece os progressos alcançados”.

Ainda no tema da educação, a Suprema Corte também considerou inconstitucional um programa proposto pela Casa Branca que perdoaria dívidas estudantis. Mais de 43 milhões de pessoas no país possuem dívidas relacionadas ao pagamento de mensalidades.

Em pronunciamento, Biden afirmou que iniciará um novo programa semelhante, baseado em uma lei diferente, e criticou o que chamou de hipocrisia dos republicanos. A nova proposta, porém, alertou presidente, demandará um caminho mais longo e lento.

“A hipocrisia é impressionante”, disse Biden, “você não pode ajudar uma família ganhando US$75.000 por ano, mas pode ajudar um milionário a ter sua dívida perdoada? Meu plano não apenas mudaria a vida de milhões de americanos, mas também seria bom para a economia americana, libertando milhões de americanos do fardo esmagador da dívida estudantil”.

Em coletiva de imprensa, o presidente defendeu o programa que foi afundado pela Suprema Corte: “Mais casas teriam sido compradas, mais negócios poderiam ter sido iniciados, mais casais teriam capacidade de constituir família. Milhões de pessoas teriam sentido que poderiam continuar com suas vidas. Esses republicanos bloquearam tudo isso”.

Críticos da Suprema Corte lembram que ela não reflete os interesses dos eleitores nos EUA. Os seis juízes conservadores foram nomeados por presidentes republicanos que, no total, ocuparam quatro mandatos, enquanto os três progressistas foram nomeados por presidentes democratas que cumpriram cinco mandatos.

A maioria conservadora foi conquistada por manobras dos republicanos, como a que proibiu Barack Obama de indicar um juiz no fim do mandato, mas permitiu que Donald Trump fizesse o mesmo.Entre os democratas, há quem defenda adicionar juízes à corte, mas Biden já disse ser contrário a esta ideia. Dois deputados democratas reintroduziram esta semana uma proposta de lei que criaria um limite de mandato de 18 anos para juízes da corte. Atualmente, o mandato é vitalício e sem idade limite.

“Parece que o que nós vamos ter, por muitas décadas, é uma corte muito conservadora”, afirma Risa Lieberwitz, “claro que a gente nunca sabe o que vai acontecer, mas com os seis juízes que estão na corte hoje, e que são relativamente jovens, tem uma boa chance de que esses seis juízes conservadores, na verdade mais que conservadores, de ultradireita, seguirão mantendo essa maioria muito forte”.

A professora, no entanto, acredita que nem tudo está perdido para aqueles que lutam pela manutenção e pela expansão dos direitos: “A lei é muito influenciada pelos movimentos sociais. Seja questões dos direitos das mulheres sobre escolher ter um aborto, direitos de ter uma educação completa e acesso de todos a uma boa educação, seja questões de direitos civis. Nós podemos ter mais progresso nessas questões pelos movimentos sociais. Movimentos sociais podem ter ações no sentido de eleger representantes com ideias mais progressistas”.

Edição: Thales Schmidt