Coluna

Meio cheio, meio vazio

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O muito obrigado de Janones - Reprodução
Com a reforma tributária e o arcabouço fiscal os investimentos aumentarão ou serão contidos?


Olá, Arthur Lira não se banha duas vezes no mesmo rio, e na dialética do centrão, o governo perde, mesmo quando ganha.

 

.A duras penas. A reforma tributária foi aprovada na Câmara, mas não foi fácil. Nem poderia ser por tratar-se de um tema tabu que vem sendo discutido no Brasil há décadas. O motivo é que ela mexe num vespeiro de interesses empresariais e de governadores e prefeitos. A Fiesp rachou entre apoiar ou não a proposta, e na esfera institucional, antecipou a discussão sobre o reposicionamento da direita no cenário político pós-Bolsonaro. Um dos grandes interessados, o governador de São Paulo Tarcisio de Freitas capitalizou as insatisfações de governadores do sul e do sudeste contra a composição do Conselho Federativo, a distribuição dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Regional e o novo cálculo de transição para o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) - forçando o relator Aguinaldo Ribeiro (PP - PB) a negociar. Mas Tarcísio foi fustigado pelos bolsonaristas, o que acabou sendo um favor para as pretensões políticas do governador paulista, deslocado da extrema direita para a direita no debate. Porém, o pito de Bolsonaro no ex-aliado surtiu efeito no PL, cujos deputados seguiram o chefe e marcaram posição contrária à reforma, entregando apenas metade dos votos que o governo imaginava arrancar. Mesmo com todas essas dificuldades, prevaleceu o poder de distribuição das emendas parlamentares que irrigaram o colo do centrão, persuadindo a maioria dos deputados a ficarem do lado do governo. E o resultado final, mais uma vez, é um copo pela metade. Meio cheio, porque o governo completou o itinerário de reformas planejadas por Fernando Haddad para sanear a área econômica. Assim como a isenção de tributos da cesta básica dá tons populares a uma reforma da qual ninguém sabe bem o impacto que terá no consumidor final. Mas também pode ser um copo meio vazio, porque introduziu-se no projeto um dispositivo que limita a possibilidade de aumento de arrecadação. E ainda restam muitas dúvidas: que alterações serão feitas pelo Senado? E, mais importante, depois de aprovada, a combinação da reforma tributária com o novo arcabouço fiscal permitirá de fato aumentar os investimentos públicos ou será uma nova camisa de forças neoliberal?

 

.Olho gordo. Passados seis meses de Lula no poder, o presidente da Câmara e comandante em chefe do centrão entendeu que o modus operandi mais vantajoso para seu grupo político é esperar o circo pegar fogo para vender caro o extintor. E apesar do custo alto, Arthur Lira pode se vangloriar de entregar mais do que promete, alcançando quase vinte votos a mais do que o governo previa. Em outra demonstração de força, Lira deixou para depois do recesso a votação das prioridades do governo, o segundo turno do novo arcabouço fiscal e o PL do Carf. O magnetismo do bloco é tão grande que já tem adeptos até na bancada petista. E a conta não termina com as emendas. Mesmo sem receber o ministério da Saúde, o centrão ainda cobra uma reforma ministerial para abocanhar os ministérios do Desenvolvimento, Esportes e CEFO ministério do Turismo já será entregue agora. E ainda assim, os insaciáveis parlamentares derrubaram a decisão de Lula de extinguir a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e agora o governo terá que negociar com o Congresso para evitar que a manutenção do órgão drene recursos de outros ministérios. No caso dos Ministérios do Desenvolvimento Social, responsável pelo Bolsa Família, sob o comandado por Wellington Dias, e dos Esportes, nas mãos de Ana Moser, as reclamações se devem à resistência dos ministros em liberar recursos para a base aliada. E quando a fase é boa, até o STF ajuda, usando a gaveta para aliviar a vida de Arthur Lira no caso dos kits de robótica.

 

.A fila não anda. Como se não bastasse a relação abusiva com o centrão, a economia é o problemão de Lula e quase toda iniciativa do governo acaba esbarrando na defesa intransigente da taxa de juros de Campos Neto. O Plano Safra, por exemplo, apresentado com valores bilionários para tentar tirar o agronegócio dos braços do bolsonarismo, enfrenta o desânimo do setor com o valor dos juros, apesar dos subsídios generosos do governo. O Marco Legal das Garantias, aprovado no Senado nesta semana, poderia ampliar o acesso ao crédito, mas ninguém quer se comprometer com taxas astronômicas. Os senadores pelo menos cumpriram sua promessa de apertar o cerco contra o presidente do BC e nove partidos pedem investigações contra Campos Neto. E a turma da Faria Lima, mesmo prevendo números melhores para o PIB e a inflação, não acredita que o BC baixe a taxa em mais do que 0,25% no próximo mês. Só que além do problemão, há uma lista de probleminhas esperando uma resolução do governo. O suspense sobre o destino do Novo Ensino Médio continua e apesar do prazo para a consulta pública do MEC sobre o tema não ter terminado, educadores suspeitam que o resultado do jogo já foi combinado pelo ministério com os secretários estaduais de educação. Outra reforma a ser revertida, a Trabalhista, também sequer tem proposta definida ou previsão de ir para o Congresso, apesar das promessas vagas de que será ainda no segundo semestre. Além dos estragos dos governos anteriores, o projeto precisará dar conta de novos problemas, como a situação dos trabalhadores de aplicativos e seus direitos. Uma ideia sobre a Previdência estaria sendo amadurecida. Outra incógnita é a questão militar. O fato da CPMI do 8 de janeiro ir devagar é um alívio para o governo que não quer ter que enfrentar esse assunto, mas no Senado o tema das pensões militares traz o problema de volta pela porta dos fundos. Mesmo na política internacional, onde o governo vai bem, Lula se viu num beco sem saída na Cúpula do Mercosul, tentando salvar ao mesmo tempo a Venezuela do isolamento político, a Argentina da crise econômica, o acordo com a União Europeia e o futuro do próprio bloco, já que que o Uruguai está prestes a implodi-lo para assinar um acordo de livre comércio com a China.

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

 

.Tutaméia entrevista Marcio Pochmann. Veja a análise do economista sobre o governo Lula em perspectiva histórica do desenvolvimento brasileiro.

 

.Boom de pessoas físicas no mercado financeiro vira alvo de capitalização do agronegócio. O bom desempenho econômico do setor e a atuação de influencers digitais financeiros fizeram do agro a bola da vez do mercado especulativo.

 

.Agronegócio e extrema direita impulsionam máquina de fake news sobre aquecimento global. Como a imprensa e associações ligadas ao agronegócio promovem uma campanha de negacionismo sobre as mudanças climáticas.

 

.Censo 2022: Brasil tem 11 milhões de casas e apartamentos vagos. IBGE revela que o número de habitações vazias seria suficiente para eliminar duas vezes o déficit habitacional.

 

.Como país mais rico do mundo está afrouxando leis contra trabalho infantil. Nos EUA, os casos de trabalho infantil cresceram quase 70%, revela a BBC.

 

.A kombi de Janja atropela a esquerda e atola no vazio existencial. Em O Joio e o Trigo, João Peres reflete sobre a rendição da esquerda ao poder das grandes corporações.

 

.Como o surgimento de novos centros culturais está mudando Havana. O Brasil de Fato conta como a vida cultural em Cuba revela novas gerações e linguagens artísticas.


Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Rodrigo Durão Coelho