Discriminação

Advogado é barrado em tribunal no Distrito Federal por usar traje do candomblé

Para a jurista Vera Lúcia Santana o caso evidencia o racismo institucional no judiciário e viola prerrogativas

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Gustavo Coutinho foi foi impedido de fazer a sustentação oral da defesa de um cliente no TJDFT em razão de seu traje - Reprodução

O advogado Gustavo Coutinho vive um experiência de iniciação ao candomblé do qual, por um período de três meses, utiliza roupas brancas, uma guia no pescoço, mantém a cabeça coberta e desempenha suas atividades profissionais com normalidade. No entanto, no dia 28 de junho ele foi impedido de fazer a sustentação oral da defesa de um cliente no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDF) em razão de seu traje.

O caso vivenciado por Gustavo faz parte de uma intensa discussão sobre o racismo estrutural no Poder Judiciário, que aceita alguns costumes e expressões de fé, como a cristã com a utilização de crucifixo nas cortes, mesmo o Brasil, constitucionalmente, ser um Estado Laico. Por outro lado, costumes e expressões que derivam da cultura ou de religiões marginalizadas, como as de matriz africana, habitualmente são barradas. 

"O modelo de funcionamento do poder Judiciário parte dessa composição e organização ritualística que é absolutamente atrelamento a uma concepção de Direito que é rigorosamente unicamente eurocêntrica", analisou a jurista Vera Lúcia Araújo, ao falar sobre o racismo estrutural no Judiciário.

Para ela, os poderes do Estado acabam por "expressar com igual intensidade o racismo que a sociedade brasileira organiza e opera no seu cotidiano".

De acordo com Vera Lúcia, que foi a primeira mulher negra a compor uma lista tríplice de indicação para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o funcionamento da Justiça é mais uma forma de demonstração do mesmo racismo que orienta a composição e o funcionamento dessas instituições. "Esse modelo exclusivamente eurocêntrico exclui qualquer referencial negro e suas raízes", acrescentou a advogada.

Ao analisar especificamente a questão das vestimentas nas cortes do Judiciário, Vera Araújo lembra que a imposição de terno e gravata num país tropical como o Brasil é um “contrassenso". "A gente tem essa imposição para manter um padrão eurocêntrico e do ponto de vista jurídico um sistema de justiça que é a expressão baseada em matrizes e histórias a partir do direito romano", acrescentou.


Jurista Vera Lúcia Santana de Araújo diz que expressões de matriz africana são barradas nas cortes brasileira / Radios EBC

Caso Gustavo

De acordo com Coutinho, no momento que foi impedido de usar a palavra ele estava usando um paletó branco e uma beca oferecida pelo próprio Tribunal de Justiça."Isso evidencia um racismo estrutural, bem como evidencia a intolerância religiosa como motivador dessa negativa, porque um regimento interno de um tribunal não pode se sobrepor ao que diz a Constituição, no que diz respeito a liberdade religiosa", afirmou Coutinho. Diante da situação, a sustentação oral redigida por ele teve que ser lida por uma colega advogada para não prejudicar seu cliente. 

Questionada, a Ordem dos Advogados do Distrito Federal (OAB-DF) informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o caso está sendo discutido em reunião de diretoria e até o momento não havia manifestação oficial. A OAB da Bahia, estado onde Gustavo morava, emitiu uma nota sobre o episódio no TJDF em que afirma que o advogado teve "suas prerrogativas violadas e sofreu constrangimento público em virtude de racismo religioso e racismo institucional". 

A OAB-BA disse que está acompanhando o caso junto a OAB-DF e que já tem reunião marcada com o TJDF para tratar da "grave violência sofrida" por Coutinho."Ainda segundo a nota episódios semelhantes ocorreram na Bahia e mobilizaram a Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa da OAB  à provocar o Tribunal de Justiça da Bahia, que em 2019 revisou o seu entendimento acerca do restritivo conceito de “traje formal”. 

O advogado por sua vez já acionou o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e pretende acionar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Gustavo Coutinho também avalia entrar com uma ação indenizatória em razão da violência sofrida.

Tribunal de Justiça

Ao ser questionada sobre o episódio e também sobre a discussão de racismo estrutural na Corte, a assessoria de comunicação do TJDFT informou que "não irá se pronunciar". Ainda segundo a nota, "os magistrados são vedados por lei de comentarem suas decisões. Qualquer questionamento quanto à decisão judicial, deve ser feito no âmbito do processo, conforme rito legal".

No entanto, a assessoria repassou a resposta do juiz Fabricio Fontoura Bezerra sobre o caso, em que ele diz que o advogado Gustavo Miranda Coutinho compareceu para realizar a sustentação oral em um processo "trajando apenas calça e camisa brancas". O magistrado destaca que: "além de um turbante, portanto, sem o uso de terno e de gravata, ou de vestes talares, ocasião em que lembrou a tradição da vestimenta e a existência regimental do uso da capa ou beca, além do traje civil completo, nos termos do art. 101 do RITJDFT".

Igualdade Racial

Em abril deste ano, o TJDF aderiu ao Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial, uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que visa a fomentar a representatividade racial. O acordo prevê a atuação em quatro eixos: Promoção da equidade racial no Poder Judiciário; Desarticulação do racismo institucional; Sistematização dos dados raciais do Poder Judiciário; e Articulação interinstitucional e social para a garantia de cultura antirracista na atuação do Poder Judiciário.

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Fonte: BdF Distrito Federal

Edição: Flávia Quirino