Coluna

São João no Planalto

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Herdeiro de um cenário de polarização política que ainda não foi superado, Lula precisa reverter uma rejeição de cerca de 42% da população à sua figura - SERGIO LIMA / AFP
Fogueira queima com Bolsonaro, Lira e Campos Neto, e Lula só depende da economia para começar forró

Olá, a fogueira está queimando com Bolsonaro, Lira e Campos Neto, e Lula só depende da economia para começar o forró. Leia a nossa análise da semana ao som de Luiz Gonzaga.

 

.Pau de sebo. O julgamento de Bolsonaro no TSE não terminou, mas seu destino já parece traçado. Ainda não será a tão esperada prisão do capitão, mas pelo menos é a garantia de que ele não voltará à presidência tão cedo. Claro, como a esperança é a última que morre, Bolsonaro faz questão de dizer que tem uma “bala de prata” guardada contra sua inelegibilidade, justamente a fake news que o cercadinho precisava ouvir para continuar mobilizado à espera de um milagre. Quem também parece acreditar em milagres é a bancada do cercadinho no Congresso, que tenta blindar a todo custo o ex-chefe na CPMI dos atos antidemocráticos enquanto formula um mirabolante projeto de anistia geral para reverter sua inelegibilidade. Mas a verdade é que a maioria dos ex-aliados do capitão está mais preocupada em salvar a própria pele, como Ciro Nogueira, que tirou o seu da reta no depoimento ao TSE, Anderson Torres na CPI, e Braga Netto que foi absolvido pelo TSE. Por outro lado, a saída de Bolsonaro de cena pode beneficiar mais a direita que a própria esquerda, avalia a cientista política Graziella Testa. É que a verborragia extremista do capitão era um problema e sua queda abre espaço para a ascensão de lideranças de direita mais palatáveis. O que não significa que o capitão ficará fora da vida política. Afinal, o combinado dentro do PL de Valdemar Costa Neto é que Bolsonaro siga dando as cartas na política carioca, onde planeja lançar o nome do general Braga Netto à prefeitura em 2024, mas que não se intrometa nos assuntos paulistas.

.Dança de quadrilha. Assim como Bolsonaro, Arthur Lira é outra pedra no sapato do governo que teve que se dedicar mais aos próprios problemas do que a fustigar o Planalto. As investigações da Polícia Federal encontraram pelo menos cinco “coincidências” entre o presidente da Câmara e o esquema de compra superfaturada de equipamentos de robótica, através de emendas do orçamento secreto, para escolas de Alagoas envolvendo um vereador aliado, um assessor e até o pai de Lira. Além disso, a investigação começou a desvelar um novelo que envolve outros contratos suspeitos de uma empresa de Alagoas com vários ministérios e o governo do DF com conexões com o Partido Progressista. Ainda que o entorno de Lira aposte que as ações não prosperem no STF, o clima já foi suficiente para que a ministra da Saúde Nisia Teixeira respirasse mais aliviada sem a pressão do centrão pelo seu cargo. Outro ex-todo poderoso que sente a sombra da justiça se aproximar é Campos Neto. O escândalo do sumiço de R$ 1 trilhão identificado pelo TCU na contabilidade do BC em 2019 pode ser a forcinha que o governo esperava para se livrar do presidente do BC antes do fim do seu mandato. Até lá, o certo é que o Senado resolveu elevar o tom e entrar de vez na briga pela queda de juros, com Campos Neto tendo que prestar contas mais uma vez na Comissão de Assuntos Econômicos e Rodrigo Pacheco avisando que a fiscalização da casa sobre o BC vai aumentar. O clima promete ser mais pesado dessa vez, tendo em vista que a prévia da inflação de junho indica uma nova queda, a indústria automobilística segue pedindo socorro e o varejo encontra-se asfixiado pelos juros altos. Haddad também partiu para a ofensiva, conseguindo aprovar no Conselho Monetário Nacional a mudança do sistema de metas de inflação, que a partir de 2025 passará a funcionar com uma perspectiva de longo prazo, atenuando a necessidade de choques de juros. O jogo parece estar virando inclusive nas instituições financeiras internacionais, que já admitem que países com bancos centrais independentes sofrem com maiores taxas de desigualdade. 

.Preparando o foguetório. Quem também acompanha de perto o desfecho do julgamento do TSE é Luiz Inácio. Herdeiro de um cenário de polarização política que ainda não foi superado, Lula precisa reverter uma rejeição de cerca de 42% da população à sua figura. O principal foco de insatisfação dos ex-eleitores de Bolsonaro, segundo Thomas Traumann, é a política externa do presidente, o que tende a se agravar com a ida de Lula ao Foro de São Paulo. Por isso, observa Vera Magalhães, Lula deveria aproveitar a oportunidade aberta pela condenação de Bolsonaro para conquistar dois públicos ainda hostis: os evangélicos e o agronegócio. Porém, a tarefa não será fácil, como evidenciam os protestos da bancada ruralista por Lula ter prestigiado a agricultura familiar no lançamento do Plano Safra 2023/24. A segunda oportunidade de Lula é econômica. Com a melhora nas expectativas para o PIB deste ano, que passou de 1,2% para 2,0%, a sensação de “bem estar” deve logo se espalhar para outros setores, afirmam analistas, e aumentar a popularidade de Lula. E até o parasitário mercado financeiro pode contribuir com o crescimento com a expectativa de captar R$40 bilhões nos próximos meses na Bolsa e destinar parte disso para investimentos e expansão. O parasitismo agora está com a indústria automobilística que, apesar do sucesso do programa de redução dos preços dos automóveis, não impediu a paralisação da produção na Volks e a suspensão de contratos na GM. Com uma punição exemplar de Bolsonaro, Lula espera pacificar pela força o ambiente militar. Com Lira enrascado, a esperança é de tramitações mais tranquilas no Congresso. Restaria se livrar do legado neoliberal de Campos Neto.

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Alckmin: cada ponto percentual da Selic custa R$ 38 bilhões ao país. O vice-presidente explica didaticamente porque os juros altos freiam o país.

.Fome no Brasil atinge mais as famílias de mulheres negras. O Brasil de Fato analisa os dados do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar para dar cara e cor às maiorias vítimas da fome.

.Censo 2022: 5 revelações sobre a população brasileira. Na BBC, um pequeno resumo das primeiras constatações do censo demográfico de 2022.

."Aos 35, PSDB é mero coadjuvante na política nacional". Na DW, um fundador do partido explica como os tucanos definharam na política nacional.

.As novas caras do neonazismo no Brasil. Como o bolsonarismo e a fragilidade de uma política de memória multiplicaram em 15 vezes o número de células neonazistas no Brasil. Na Piauí.

.Operários da primeira instalação industrial nuclear lutam por justiça. Na Headline, como os 100 sobreviventes da primeira instalação nuclear do país ainda lutam por seus direitos depois de décadas.

.Feminismo atual é voltado a uma minoria privilegiada, diz filósofa feminista. Em entrevista à BBC, Nancy Fraser defende que as pautas identitárias devem estar vinculadas ao bem-estar social dos trabalhadores.  

 

Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Vivian Virissimo