Direitos

Discussão sobre criação de Casa de Passagem e Cultura Indígena é adiada pela Câmara de Curitiba

Indígenas demandam política específica, com gestão indígena e estrutura adequada de atendimento

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Uma das principais reclamações em relação à casa de passagem indígena é a falta de estrutura, como não ter camas - Divulgação CPCI

Tramita na Câmara projeto de lei que institui a Casa de Passagem e Cultura Indígena (CPCI) em Curitiba. Após duas avaliações na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), ficou definido, na última terça (27), que o projeto voltará a discussão na mesma comissão no início de agosto.

De um lado, a relatora do projeto na CCJ, Amália Tortato (Novo), pede o arquivamento, alegando inconstitucionalidade: “Adentra em iniciativa exclusiva do poder executivo. [...] A iniciativa precisa partir da Prefeitura”, afirma. De outro, em voto separado, o vice-presidente da CCJ, Dalton Borba (PDT), pede a devolução ao autor para que o projeto seja readequado de modo a poder tramitar na Câmara.

Proposto pelo vereador Angelo Vanhoni (PT), o PL atende à demanda do movimento indígena na capital, que ressalta a importância de que o espaço exista a partir de uma política específica para a população indígena e não esteja atrelado à assistência social de forma geral.

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"Nós falamos o kaingang, o guarani, as línguas [indígenas]. Nós fazemos a comunicação com as lideranças indígenas. É um trabalho diferente do que o município faz [na assistência social], e isso não está numa lei. Tem que ter essa política permanente, tem que ter a lei para não mexer na gestão indígena, independente de quem seja o prefeito", explica Silas Ubirajara Donato de Oliveira, Articulado Geral da CPCI.

Há cerca de um ano, a CPCI está em imóvel alugado pela prefeitura no bairro Rebouças. Além de ser um espaço de acolhimento para indígenas em trânsito, a CPCI também dissemina a cultura dos povos indígenas que por ali passam. O ambiente é gestionado por indígenas, de forma voluntária. 

Silas, que é da etnia kaingang, aponta a necessidade de que o trabalho seja formalizado, instituindo que a gestão seja composta de forma permanente por indígenas, e não pela Fundação de Ação Social (FAS). “O município não sabia o que era a cultura indígena, fazia o serviço de acolhimento da assistência social. Nós fazemos uma gestão melhor. Os parlamentares acham que a gente não sabe trabalhar, acham que o indígena é desligado, só que não. A gente sabe trabalhar sem perder a nossa cultura. É um direito nosso ter essa lei diferenciada”, defende.

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O trabalho realizado na CPCI atualmente envolve também a atenção à educação e à saúde indígena. Para ser recebido na CPCI, o indígena precisa trazer de sua aldeia uma declaração fornecida pelo cacique. Já em Curitiba, a gestão da CPCI faz uma listagem de todas as pessoas que chegam, comunica à FAS (que fornece alimentação) e à Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), que faz o levantamento do histórico médico. É permitida a permanência na CPCI por 30 dias. Crianças em período escolar e grávidas no final da gestação não são permitidas.

Estrutura precária

Apesar do complexo trabalho desempenhado pelos gestores, a estrutura do local é precária. Todo o trabalho de comunicação com a FAS e demais órgãos governamentais e com as aldeias é feito por celulares pessoais dos gestores. À CPCI não foram fornecidos internet nem telefone. Mesas e computadores foram doados por apoiadores. Não há camas, apenas colchões, que foram fornecidos pela FAS. Também não existe nenhum tipo de segurança para o espaço.

"Precisa de uma boa cozinha, sala de estar para as famílias que chegam, uma televisão. [Atualmente] tudo é de doação, computador, mesa. Sendo que a gente sabe que tem recursos para comprar material para podermos trabalhar”, diz Silas. Atualmente, a Prefeitura faz o pagamento do aluguel do imóvel (de quase R$ 13 mil), fornece alimentação e manutenção do espaço.

Defendendo seu projeto, o vereador Angelo Vanhoni ressalta que a criação da política específica é um benefício ao município, uma vez que a CPCI já está atuante. “Gastos já existem, porque temos uma Casa de Passagem em Curitiba não estruturada, não prevista na lei”, diz.

A atual gestão da CPCI tem tentado diálogo com o município e governo do estado para melhorar a estrutura do local e formalizar a instituição da CPCI. Nesse esforço, foi entregue aos governos, em 19 de abril, documento com as principais demandas. Até o momento, no entanto, segundo Silas, não houve nenhum tipo de resposta de nenhuma instância governamental. “A gente tem um limite também. A gente quer resolver tudo no diálogo, mas a gente sabe pressionar”, afirma o articulador geral da CPCI.

Outro lado

A reportagem do Brasil de Fato Paraná enviou as perguntas abaixo à assessoria de comunicação da Prefeitura. Leia as respostas na íntegra.
 

1 - Há previsão de mudar a Casa de Passagem para um prédio de posse da prefeitura?
A locação do imóvel que sedia a Casa de Passagem e Cultura Indígena de Curitiba, no bairro Rebouças, está sendo renovada por mais um ano.

2 - Indígenas apontam que a estrutura atual é precária (não há camas, o banheiro é insuficiente para a demanda de pessoas que passam por lá). Existe planejamento da prefeitura para melhorar a estrutura do local?
A coordenação da Casa de Passagem e Cultura Indígena de Curitiba já encaminhou à Assessoria de Direitos Humanos do município a solicitação de novas camas e melhorias nos banheiros, telefone e internet. Vale destacar ainda que, no Casa de Passagem e Cultura Indígena de Curitiba, além de acolhimento, a população indígena ainda pode ter informações e acesso à rede de serviços municipais, estaduais e federais oferecidos pela Fundação de Ação Social (FAS) de Curitiba, das secretarias municipais da Saúde, da Educação e do Governo Municipal, da Fundação Cultural de Curitiba, do Instituto Municipal do Turismo, do Ministério Público, da Secretaria Estadual da Mulher e Igualdade Racial e da Funai. Além disso, na Casa de Passagem e Cultura Indígena de Curitiba, os próprios indígenas podem produzir, expor e comercializar seu artesanato e outras criações.

3 - Indígenas também apontam a importância de que a gestão da CPCI seja feita por indígenas que tenham cargos específicos para esse trabalho. Qual é a posição da Prefeitura diante dessa demanda?
A gestão da Casa de Passagem e Cultura Indígena de Curitiba já é compartilhada, com coordenação do espaço pela indígena Ceia Bernardo. Os indígenas realizam parcerias com entidades públicas e da sociedade civil, como igrejas e universidades. A Prefeitura é apenas uma delas e disponibiliza itens como alimentação, aluguel e manutenção predial e a já referida contratação da coordenadora da Casa, uma mulher indígena, entre outras formas de suporte, e segue dialogando com as instâncias estaduais e federais na definição dos papéis e financiamento das despesas.
Além disso, o espaço sedia eventos de valorização da cultura indígena, como o encontro “Diálogos com Povos Indígenas em Curitiba”, que ocorreu em abril deste ano.
O evento integrou uma programação para marcar o Dia dos Povos Indígenas (19/4) e contou ainda com apresentações culturais e exposição de artesanatos feitos por indígenas de aldeias de cidades do Estado do Paraná que vêm a capital do estado comercializar seus produtos e ficam hospedados na Casa de Passagem e Cultura Indígena de Curitiba.

Fonte: BdF Paraná

Edição: Frédi Vasconcelos