CORRELAÇÃO DE FORÇAS

Reforma tributária não muda a essência do sistema injusto que favorece os mais ricos

Para auditor Dão Real, impostos viabilizam políticas sociais e são pagos majoritariamente pelos trabalhadores

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Remodelação do sistema de impostos, com tributação mais rígida no andar de cima, é demanda de primeira ordem para campo progressista da política
Remodelação do sistema de impostos, com tributação mais rígida no andar de cima, é demanda de primeira ordem para campo progressista da política - Marcello Casal Jr./Agência Brasil
O sistema tributário é um instrumento para viabilização do Estado de bem-estar social

Uma reforma tributária que realmente mude e torne justo o sistema de impostos no Brasil precisa considerar que os tributos são um elemento importante para promover justiça social. E, por isso, estão inseridos diretamente no contexto da luta de classes. Essa é a avaliação de Dão Real Pereira dos Santos, vice-presidente do Instituto Justiça Fiscal e membro do coletivo Auditores Fiscais pela Democracia.  

“O sistema tributário em qualquer país é uma fotografia. Ele mostra de forma muito clara a correlação de forças de uma sociedade. O sistema tributário é um instrumento para viabilização do Estado de bem-estar social”, defende Dão, em participação no 7º episódio da terceira temporada do podcast Três por Quatro, do Brasil de Fato. 

João Pedro Stédile, liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e comentarista do podcast Três por Quatro, destaca que os empresários brasileiros sempre reclamam dos impostos, mas quem paga de verdade são os trabalhadores. 

“A principal característica dos impostos no Brasil é que eles são injustos. Em geral, quem reclama e coloca aquele impostômetro na calçada, é a Fiesp, ou alguma federação de indústria. E os empresários aparecem na imprensa burguesa como se eles que pagassem imposto. Na verdade, quem paga imposto é o trabalhador. É o consumidor. Os impostos estão embutidos nos preços. Os empresários só recolhem os impostos”, afirma.  

Confira o episódio completo:

O sistema tributário brasileiro, elaborado na Constituição Federal de 1988, vem há anos sofrendo desmontes. Já em 1989, ano seguinte à Constituição, os mais ricos se uniram e esvaziaram o principal instrumento de financiamento das políticas públicas: o Imposto de Renda (IR). O IR pessoa física tinha sete alíquotas e a máxima era de 45%. Eles reduziram para duas alíquotas e a máxima passou a ser de 25%. E em 1995 foi realizada outra modificação, essa ainda mais grave, e que não está em discussão agora.   

“Em todas as sociedades de bem-estar, o Imposto de Renda é o principal instrumento para promover a distribuição de riquezas, porque ele permite cobrar mais dos mais ricos e menos dos mais pobres. [...] Em 1995, esses setores dominantes promoveram uma grande reforma tributária estrutural e que ninguém percebeu. Eles retiraram do imposto de renda, as rendas de capital. Os detentores de capital, os que vivem de lucros e dividendos, passaram a não pagar mais imposto de renda. E, para manter o mesmo nível de arrecadação, teve de ser deslocado para os mais pobres”, explica Dão.  

O auditor fiscal destaca que os críticos da atual carga tributária do país não querem um estado de bem estar social, e sim, querem um estado em que a saúde, a educação, a previdência, sejam privadas. Segundo Dão, uma das formas de atacar o Estado de bem-estar social é atacando os tributos, instrumento que viabiliza as políticas necessárias a ele. 

Um exemplo é a mentira de que o Brasil é o país que tem a maior carga tributária do mundo. No Brasil esse número fica em torno de 33% do Produto Interno Bruto (PIB). Muitos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) têm cargas acima de 38% do PIB. A carga brasileira está no grupo das menores entre os 35 países da OCDE. E mantém um imenso sistema social, com saúde, educação e previdência públicas que atendem uma das maiores populações do mundo.  

Para Dão, mais importante do que uma reforma que racionalize e simplifique o sistema, como é o caso das Propostas de Emenda à Constituição (PEC) 45 e 110, é a realização de um processo que promova justiça social, reduzindo a carga tributária sobre os mais pobres e tributando efetivamente os mais ricos.   

“É preciso desonerar os mais pobres, porque isso é uma medida de natureza não apenas social, mas de natureza econômica importantíssima. Porque quem movimenta a economia são os mais pobres. O dinheiro que sobra nas mãos dos mais pobres, o dinheiro que aumenta na renda dos mais pobres é um combustível que injeta diretamente na atividade econômica”, defende Dão.  

A reforma atual, no entanto, não tem nada de nova e é vista com preocupação por Dão, pois apresenta aspectos que já foram abordados em outras PECs no Congresso Nacional em propostas anteriores.

“O que eles tentam fazer é mexer na tributação sobre o consumo, apenas. Dando melhor funcionalidade a tributação sobre o consumo. Não há nenhuma iniciativa no sentido de mudar a estrutura do sistema tributário, torná-lo mais justo [...]. Isso não está nessa proposta de reforma tributária. Quem está discutindo a reforma tributária são apenas os setores mais ricos da sociedade”, conclui.  

O podcast Três por Quatro é apresentado por Nara Lacerda e Glauco Faria, que atuam na equipe de jornalismo do Brasil de Fato. Novos episódios são lançados toda sexta-feira pela manhã. 

Edição: Rodrigo Gomes