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Nas últimas semanas, Lula precisou desviar a atenção do cenário internacional e da batalha, até então bem sucedida, contra Campos Netos e os juros para concentrar-se na Câmara dos Deputados - EVARISTO SA / AFP
Enquanto a economia quer alçar vôo, a articulação política continua dando voltas sem sair do lugar

Olá, enquanto a economia quer alçar vôo, a articulação política do governo continua dando voltas sem sair do lugar.

.Aquecendo os motores. Recuo das projeções da inflação, aumento das expectativas sobre o PIB, bom desempenho da bolsa de São Paulo, dólar em queda e rebaixamento do risco país. Será este o céu de brigadeiro com que o governo sonha desde 1º de janeiro? Ainda não, mas o cenário mudou para melhor e até o reticente mercado está tendo que dar o braço a torcer. Pontos para Lula e Haddad, afinal desde o início o presidente insistiu que a batalha decisiva seria a economia, e Haddad foi o general em chefe que conseguiu colocar a estratégia em prática. Mas o processo ainda está em curso e há problemas a serem superados. Primeiro, a recuperação da economia global ainda é tímida, e a inserção do Brasil também tem seus reveses, principalmente nas relações com a União Europeia. Segundo, os motores que estão aquecidos não são os dos automóveis, mas sim o do agronegócio, que tem puxado as expectativas do PIB para cima, enquanto a indústria automobilística segue em crise mesmo com o  pacote de incentivos do governo. Terceiro, o plano de Haddad ainda está em andamento e todas as medidas dependem das articulações políticas no Congresso. O Senado tem mostrado boa vontade com o governo, com a prorrogação das desonerações fiscais para 17 setores aprovada pela Comissão de Assuntos Econômicos. Porém, o arcabouço fiscal ainda sofrerá ajustes ao passar pela casa, e a reforma tributária aguarda a construção de maioria na Câmara. O quarto limite é Campos Neto, que insiste em retardar a redução da taxa básica de juros mesmo com a realidade batendo à porta e apesar dos apelos desesperados do empresariado. E se isso não é pouco, o principal desafio é ainda mais difícil: transformar o crescimento econômico em justiça social. Afinal, o consumo das famílias - principal sinal de bem-estar e motor do mercado interno - continua fraco. Por isso, a recente aprovação do Minha Casa Minha Vida, assim como conseguir tirar do papel o programa Desenrola Brasil de renegociação das dívidas da maioria da população são decisivos para que o motor não apague antes da hora.

.Dois pra lá, dois pra cá. Se nos primeiros mandatos de Lula era o Judiciário quem atuava como contrapeso ao governo, no terceiro mandato, assim como nos governos Dilma, é o Legislativo quem freia os projetos petistas. Nas últimas semanas, Lula precisou desviar a atenção do cenário internacional e da batalha, até então bem sucedida, contra Campos Netos e os juros para concentrar-se na Câmara dos Deputados. A lista de reivindicações do centrão inclui liberação de emendas e trocas ministeriais, mas não tem limite para acabar. E há um consenso na esquerda e na direita: parte significativa dos problemas com o Congresso passam pela dupla de ministros Alexandre Padilha, na Articulação Política, e Rui Costa, na Casa Civil. Os dois estão no centro dos descontentamentos do centrão e até do líder do governo na Câmara, Josué Guimarães. Do lado de lá, a dupla que realmente tem funcionado na articulação é Arthur Lira e o deputado baiano Elmar Nascimento (União), que já avisou que não basta a troca da ministra do Turismo, é preciso que o governo formalize a adesão de Lira à base governista. Ou melhor, a adesão do governo à base do centrão. E mesmo assim, não há nenhuma garantia de que os votos da União Brasil migrem para o governo. O cenário fica ainda pior porque as negociações com Lira e Nascimento respingam em outras engenharias políticas. Por exemplo, a disputa pela Codevasf obrigará o governo a se decidir entre a chantagem do centrão e o apoio do discreto, mas onipresente, PSD de Gilberto Kassab. Além disso, Lula precisou contar com a ajuda do senador Davi Alcolumbre para pacificar o centrão e o preço deve ser a indicação de Rodrigo Pacheco para a segunda vaga no STF que será aberta no próximo semestre. O nome de Pacheco também é defendido por outra dupla forte de articulações, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, e abriria espaço para que Alcolumbre voltasse para a presidência do Senado.

.E dois para fora. Pelo menos há um consenso entre o governo, parte do Congresso e o Judiciário: a crise política que perdura há dez anos precisa acabar. O problema está em como e para onde? O PT gostaria de retomar o protagonismo do pacto lulista, o Congresso quer o presidencialismo de coalizão ou semi-parlamentarismo, e ninguém sabe como desjudicializar a política e despolitizar o Judiciário. Mas o certo é que pelo menos as figuras minúsculas que se agigantaram nestes dez anos devem ir para a lata de lixo de história. Começando pela Operação Lava Jato. Depois de Deltan Dallagnol, é a vez de Sérgio Moro ver o cerco se fechando no Judiciário, onde acumula derrotas, como na decisão do STF em impedir a destruição das provas da Vaza Jato, e no TRE, onde avança o seu pedido de cassação. Até no Senado, Moro deve sofrer constrangimentos com a presença dos acusadores contra a Operação Tacla Duran e Tony Garcia na Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle, além da sabatina de Cristiano Zanin, o ex-advogado de Lula na Lava Jato. Enquanto isso, Jair Bolsonaro conta apenas com a fidelidade de Kássio Nunes Marques no TRE para atrasar o processo que parece fadado a decretar sua inelegibilidade. Segundo Thaís Oyama, ninguém mais na direita está preocupado com o destino do capitão e líderes partidários e eleitores agora cortejam o governador paulista Tarcísio de Freitas. Prova da solidão de Jair está na expressiva derrota dos bolsonaristas na CPMI dos atos golpistas. A base governista não apenas evitou a ida do general Gonçalves Dias, ex-ministro-chefe do GSI de Lula, como emplacou a convocação de nomes-chaves do governo anterior como os generais Braga Netto e Augusto Heleno. A lista inclui, claro, os operadores do golpe Anderson Torres, que tinha a versão resumida da quartelada em casa, e Mauro Cid, que carregava no celular o plano chamado “Forças armadas como poder moderador”, com nomeação de um interventor, cassação de ministros do STF e suspensão das eleições, na pior reprodução de 1964. Mais do que defender o capitão, os parlamentares da extrema-direita precisam salvar a própria pele. É o caso do deputado André Fernandes (PL-CE), autor do pedido da CPMI, mas ele mesmo investigado pelo STF sobre a participação na tentativa de golpe, e do senador Marcos do Val (Podemos-ES), alvo de buscas e apreensões por parte da PF.

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Como o fenômeno El Niño vai afetar a economia mundial. O fenômeno climático que se intensificará no final do ano promete trazer aumento de temperaturas, chuvas, enchentes e crise. Na BBC Brasil.

.Todos os homens do presidente Arthur Lira. A Pública mapeia os três principais escândalos envolvendo os assessores do presidente da Câmara de 2007 a 2023.

.'Parlamentar biscoiteiro': Tiktok muda atuação de congressistas nos espaços legislativos. No Brasil de Fato, Caroline Oliveira denuncia o uso do TikTok para espalhar fake news, especialmente contra o MST, e engajar o eleitorado bolsonarista. 

.Vilarejo inventado. Depois de sete anos, as vítimas do crime da Vale em Mariana começam a receber novas casas, mas nem todos estão satisfeitos. Na Piauí.

.Estão jogando veneno em cima do meu povo. Conheça a realidade da Terra Indígena Serra da Moça, a cerca de 60 km de Boa Vista, ameaçada pelo modelo produtivo do agronegócio.

.Livros, séries e filmes: 10 obras para entender junho de 2013. Veja as sugestões do Headline sobre o tema.

.Um revolucionário profissional. Conheça o legado de luta de Wladimir Pomar, militante comunista que nos deixou aos 87 anos. Na Jacobin Brasil.

.20 anos sem Itamar Assumpção. No Brasil de Fato Entrevista, Anelis Assumpção, fala sobre o legado do pai, o desmonte das políticas de cultura em São Paulo e o papel das mulheres na música.


Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Vivian Virissimo