ATL Bahia

Na Bahia, povos indígenas se mobilizam por direitos e contra Marco Temporal

Acampamento Terra Livre (ATL) Bahia reúne representantes dos povos indígenas na Bahia em frente à ALBA

Brasil de Fato | Salvador (BA) |
ATL Bahia recebe representantes das 33 etnias indígenas da Bahia - Alfredo Portugal

Desde a última segunda-feira (13) até sexta-feira (16) representantes das 33 etnias indígenas que vivem na Bahia participam do 5o Acampamento Terra Livre (ATL) realizado no estado. O ATL está em frente à Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA), e conta com a presença de caciques, lideranças, representantes da ALBA, dos governos estadual e federal.

A Bahia tem a segunda maior população de pessoas indígenas no Brasil, ficando atrás apenas do Amazonas, segundo dados preliminares do Censo 2022 divulgados pelo IBGE. Ao mesmo tempo, 70% das pessoas indígenas do estado vivem fora de áreas legalmente demarcadas. “A Bahia é onde iniciou a invasão e onde temos o maior número de povos sem terra demarcada”, destaca Cacique Babau, importante liderança do povo Tupinambá da Serra do Padeiro.

Ele explica que o total de territórios reivindicados pelas 33 etnias do estado não representa sequer 0,1% da Bahia. “O que estamos requerendo são 553 mil hectares para todas as 33 etnias. Só a Veracel [empresa de celulose] tem 2 milhões de hectares. E dizem que nós estamos quebrando o país porque lutamos por nossas terras”, acrescenta.

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Cacique Babau, liderança do povo Tupinambá da Serra do Padeiro / Alfredo Portugal

Os caciques Babau e Agnaldo Pataxó Hãhãhãe, coordenador do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba), apontam ainda que os povos indígenas são importantes protetores dos biomas no estado e no país. Apesar disso, vivem sob ataque e constante dificuldade de acesso a políticas públicas garantidas por lei. De acordo com o Mupoiba, atualmente, há 89 lideranças indígenas sob proteção do estado na Bahia.

“Vivemos um momento muito crítico, muito difícil, do ataque contra os novos povos”, ressalta Agnaldo. Ele acrescenta que, embora as atuais alianças com governos estadual e federal tenham melhorado a situação dos povos indígenas, o desmonte das políticas públicas nos últimos anos, durante o governo de Jair Bolsonaro, foi muito amplo. E aponta ainda a tentativa de aprovação do Marco Temporal e do Projeto de Lei 490 como outros fortes ataques.

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Cacique Agnaldo enumera outros pontos de tensão no estado. “Os nossos inimigos são os latifúndios, os políticos avarentos, as grandes empresas que não respeitam o meio ambiente, a natureza, não conseguem ver na terra a coisa mais importante que é a vida. Essas pessoas que defendem o capital são os nossos inimigos”, afirma.

Visibilidade

Caciques e lideranças destacam que o ATL é um momento importante para trazer visibilidade sobre os povos indígenas da Bahia, mas também um momento de fortalecer e criar novas alianças entre os povos.


Cacique Agnaldo Pataxó Hãhãhãe na abertura do ATL, que contou com representantes do SSPI (Patrícia Pataxó) e do MPI (Eloy Terena) / Alfredo Portugal

Nádia Akawã Tupinambá, liderança do povo Tupinambá de Olivença, ressalta que ainda existe uma ideia muito mítica sobre os povos indígenas de maneira geral. “Essa mistificação só fez trazer violência para os nossos povos, principalmente para a Bahia. Muitas vezes, por estar no Nordeste, somos invisibilizados”, ressalta.

Cacique Babau conta que Mupoiba e ALT surgiram justamente para trazer visibilidade e união entre os povos da Bahia. “Os povos da Bahia estavam dispersos, a maioria não conseguia chegar aos governos para cobrar efetivação dos direitos”, conta.

Ele e outros líderes se uniram na criação de uma organização que reunisse todas as associações indígenas do estado, o Mupoiba. E o ATL surge como a reunião anual desses povos. “Aqui é o meio de estrada, onde todo mundo se encontra. Trouxe prosperidade para o povo, trouxe sonhos de volta”, ressalta Babau.

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Marco temporal é apontado pelas lideranças como um dos maiores ataques aos povos indígenas atualmente / Alfredo Portugal

Cacique Ramon Tupinambá, de Olivença, também ressalta que o ATL concretiza alianças com outros movimentos sociais do campo e da cidade. E aponta a importância da luta conjunta contra o ataque aos direitos dos povos. “Se retirar os direitos dos povos originários, vão suprimir direitos também dos povos quilombolas, dos que lutam pela reforma agrária”, diz.

Educação

No processo de trazer mais visibilidade para a existência dos povos indígenas na Bahia, sem mitificações e romantismos, Nádia Akawã, que também é educadora indígena e popular, destaca o papel da educação. “Os livros didáticos falam de um ‘índio’ do passado, precisamos atualizar isso. Nós estamos aqui agora, somos vivos, podem nos ver, nos tocar, sentir a presença indígena da Bahia”, diz.

Nessa atualização definida por Nádia, ela lembra que é preciso falar da realidade atual dos povos indígenas, dos ataques aos direitos, como a proposta do Marco Temporal, mas também dos processos de resistência, como o próprio ATL.


Cacique Ramon Tupinambá e Nádia Akawã Tupinambá, lideranças do povo Tupinambá de Olivença / Alfredo Portugal

A liderança Tupinambá ressalta ainda que a educação indígena tem muito a contribuir com a educação brasileira. “A educação tem que trazer essa vivência de que nossa educação é um reencantamento. As crianças têm prazer de estar na escola [indígena]. Nossa educação é revolucionária”, diz.

Ela reforça que a educação indígena está intimamente ligada com a realidade dos povos, com sua espiritualidade, reconhecendo o processo de troca entre educadores e educandos, grandes lições que a educação não-indígena ainda precisa implementar. “Como diz Paulo Freire, a educação não é a única porta, mas sem elas, as outras portas ficam difíceis de serem abertas. A gente precisa trazer a educação como um ato de amor e um ato revolucionário”, aponta.

Alianças

As alianças entre os povos indígenas, com os movimentos do campo e, atualmente, com os governos federal e estadual, são outras estratégias de resistência apontadas pelas lideranças. Cacique Agnaldo Pataxó Hãhãhãe ressalta, por exemplo, a construção de parcerias com as Defensorias Públicas do Estado e da União, Ministério Público Federal e governo da Bahia para a criação de marcos regulatórios para os povos indígenas da Bahia.

E descreve como conquistas importantes da luta dos povos indígenas a criação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e da Superintendência Estadual de Política para Povos Indígenas (SSPI). Ambos enviaram representantes indígenas para o ATL Bahia. “São conquistas dos nossos povos, das nossas alianças”, ressalta Cacique Agnaldo.

Ele lembra ainda da parceria que tem se estabelecido com o atual governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, primeiro indígena a governar o estado. “Ele tem proximidade com o movimento indígena há dez anos, é acolhido pelo movimento indígena, mas hoje fazemos esse embate, esse diálogo: ele como governador e nós como movimento social. Estamos avançando e vamos construir para termos os nossos direitos garantidos”, diz.

Fonte: BdF Bahia

Edição: Alfredo Portugal