Racismo

Sakamoto: e se a PM fizesse pau de arara com branco rico como fez com negro pobre?

Homem negro foi agredido por policiais militares com pés e mãos amarrados após ser acusado de roubar mercado

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"E se fosse um branco rico alinhado ideologicamente ao governo estadual, até o secretário de Segurança Pública perderia o emprego" - Reprodução

É perturbadora a imagem de um homem negro sendo carregado por policiais militares com os pés e as mãos amarrados após ser detido acusado de roubar produtos de uma unidade do mercado Oxxo na capital paulista. Tão perturbadora quanto a certeza de que o mesmo método não seria aplicado a brancos ricos presos mesmo que, como o rapaz, reagissem à prisão.

Por que se isso acontecesse, no dia seguinte, cairiam os envolvidos e o comandante-geral da PM. E se fosse um branco rico alinhado ideologicamente ao governo estadual, até o secretário de Segurança Pública perderia o emprego.

O caso, que ocorreu no domingo (4), mas viralizou nas redes sociais nesta terça (6), provocou a indignação de muita gente, como o padre Júlio Lancellotti. O vídeo mostra o rapaz amarrado, urrando de dor, no local onde foi preso, uma Unidade de Pronto Atendimento, na Vila Mariana.

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A cena remonta o pau de arara usado na punição de pessoas negras traficadas para a escravidão no Brasil. E que também esteve presente nos campos de concentração nazistas da Alemanha na Segunda Guerra. E era figurinha fácil nos porões da ditadura militar brasileira nas mãos dos covardes, depois alçados à categoria de "heróis" no governo passado. E que continuou a ser adotado largamente pelas milícias criadas por policiais para extorquir a população.

O próprio ouvidor das polícias, Claudinho Silva, citou esse instrumento de tortura à Folha de S. Paulo.

O mesmo país em que as forças de segurança tratam a pão de ló um Roberto Jefferson, aliado de Jair Bolsonaro, que feriu agentes da Polícia Federal com tiros de fuzil, de pistola e granadas, ao resistir à prisão, é aquele em que uma pessoa que cometeu um delito menor sofre o mesmo que um fugitivo do cativeiro no cruel tempo da colônia.

E ao incorporar o papel de capataz de supermercado, os policiais envolvidos repetem outros casos envolvendo violência contra pessoas negras.

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No dia 5 de maio, um casal foi torturado e humilhado por supostamente furtar leite em pó no Big Bom Preço em Salvador (BA). Em outubro do ano passado, dois homens foram torturados e extorquidos por cinco seguranças do UniSuper, em Canoas (RS), após tentarem furtar duas peças de picanha. Em abril de 2021, Bruno Barros e Yan Barros, tio e sobrinho, que furtaram carne de uma unidade do supermercado Atakadão Atakarejo, também em Salvador, foram encontrados mortos com sinais de tortura e marcas de tiro.

Em novembro de 2020, João Alberto Freitas foi assassinado em uma unidade do Carrefour, em Porto Alegre (RS). Imobilizado, acabou sufocado e espancado até a morte no estacionamento por um segurança e um policial militar temporário. Em fevereiro de 2019, Pedro Henrique de Oliveira Gonzaga foi morto por um segurança do supermercado Extra na Barra da Tijuca - ele deu uma gravata e jogou seu peso sobre o jovem negro. Em julho de 2019, outro jovem negro de 17 anos foi despido, amordaçado e chicoteado por dois capatazes após tentar um furto barras de chocolate de uma unidade do supermercado Ricoy na periferia de São Paulo.

Se PMs não conseguem deter uma pessoa de forma correta, então estão fazendo hora extra na corporação. E se a corporação não mudar a formação de seus quadros para garantir que a tortura de negros pobres saia do rol de instrumentos usados por policiais, é a própria instituição que precisa ser refundada.

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Uma das pessoas que prontamente se manifestou contra esse absurdo foi a deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP). Coincidentemente, ela mesma foi alvo de um absurdo.

A Justiça deu ganho de causa a um homem que fomentou violência contra a parlamentar e, por isso, ela terá que pagar R$ 5 mil ao seu advogado. "Temos que dar a ela o tratamento de beleza mais efetivo do mundo: o taco de baseball na cara. Tão eficiente que nem a mãe dela vai reconhecer depois", postou o sujeito.

Fiquemos de olho. Diante da ordem das coisas, é possível que o rapaz negro seja condenado a indenizar os policiais que o botaram no pau de arara.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.