O adiamento do desfecho do caso do marco temporal no Supremo Tribunal Federal (STF) - possivelmente até outubro - dividiu lideranças indígenas que acompanharam o julgamento diretamente de Brasília (DF).
Cerca de dois mil representantes de diferentes povos do país aportaram na capital federal nos últimos dias para uma programação cujo objetivo era ampliar a pressão sobre os ministros e tentar convencê-los a rejeitarem a tese. Entre as dezenas de lideranças que foram diretamente à sede da Corte nesta quarta-feira (7), as opiniões sobre o adiamento oscilaram entre frustração, revolta e esperança.
Para Cadechuim Lo Camlem, de 47 anos, a demora na resolução do caso amplia a ansiedade coletiva em que se encontram os membros da comunidade Xokleng, à qual pertence. O grupo vive em Santa Catarina e tem o próprio território em xeque no processo que está sob avaliação da Corte. Ao pensar em retornar para casa sem uma resposta definitiva sobre a questão, Camlem diz que se sente preocupado.
“Com o pedido de vista, nós ainda acreditamos que o deus supremo pode iluminar os ministros a votarem a nosso favor, mas mesmo assim passamos insegurança. Nossos filhos perguntam ‘papai, mamãe, o que vai acontecer’? Essa preocupação eles nos passam e, com isso, fica a insegurança pra nós. Isso porque nós sentimos na pele o que acontece nos nossos municípios.”
Para a jovem Suelen Kyvublunh, de 21 anos, também do povo Xokleng, o resultado da sessão do STF desta quarta-feira poderia ter indicado algo ainda mais danoso para as comunidades tradicionais se o ministro André Mendonça tivesse se colocado favoravelmente à tese.
“Seria pior se ele tivesse dado voto contrário. Ainda temos fé que ele vai nos apoiar. Mas claro que isso [o adiamento] é negativo para nós porque, quanto mais é demorada a demarcação de terra, mais a gente sofre lá [na área] porque existem não indígenas que invadem a terra”, desabafa.
Já Daniel Pataxó, que veio da Bahia com mais 200 indígenas, o adiamento do desfecho do caso soa como algo negativo. “Eu me sinto constrangido e me sinto rasgado. Com o tempo, o nosso corpo vai se desgastando, o psicológico também vai se desgastando diante da luta com os invasores das nossas terras e amanhã nem sei mais se estarei vivo para vir aqui de novo acompanhar o caso”, lamentou.
Na visão de Awadiowia Porã, a falta de conclusão do julgamento traz prejuízos que vão além do segmento indígena, atingindo todo o conjunto da sociedade. Ele ressalta que a relação de cuidado que os povos tradicionais mantêm com os recursos naturais fica cada dia mais comprometida por conta do avanço de grandes grupos econômicos sobre territórios indígenas. Sem uma definição para o conflito que envolve a tese do marco temporal, ele ressalta que a proteção das terras fica mais comprometida.
“É falta de respeito e de humanidade o que estão fazendo com o Brasil porque quem mantêm o Brasil saudável e de pé são os indígenas porque a gente não polui rio, não polui a natureza, não corta árvore. Pelo contrário, onde não tem a gente planta. A gente cuida da natureza, e eles querem destruir tudo. Mas uma coisa eu falo: nós somos guerreiros e não vamos desanimar.”
Legislativo X Judiciário
A deputada indígena Célia Xakriabá (PSOL- MG) acompanhou o julgamento de dentro do plenário do STF. Destaque na luta contra o projeto de lei que formaliza o marco temporal, o PL 490/2007, aprovado recentemente pela Câmara dos Deputados, ela diz não ter se surpreendido com o pedido de vista apresentado por Mendonça. “Já havia essa articulação contrária. Em parte, ficamos frustrados porque estávamos aqui em mobilização. Eu acompanhei isso desde 2021 aqui em Brasília. É uma frustração, mas temos agora a sinalização de um voto positivo”, disse, ao citar a posição manifestada por Alexandre de Moraes.
O ministro havia pedido vista para avaliar melhor o caso em 2021 e, nesta quarta, votou contra a tese defendida pelos ruralistas, embora tenha feito algumas ressalvas. O magistrado defende, por exemplo, que o Estado indenize proprietários rurais e que seja ofertada a possibilidade de uma compensação de terras aos indígenas, caso a comunidade acate a ideia, de forma que os grupos recebam áreas onde haja cidades montadas.
“Entendemos que, mesmo com as condicionantes do ministro Moraes, isso significa uma sinalização importante para a bancada ruralista e conservadora, que está articulada querendo retirar o julgamento da tese no STF. O marco temporal é imoral, ilegal e inconstitucional porque representa um golpe nos direitos dos povos indígenas”, criticou Célia, ao sair do STF.
A deputada salientou ainda que o segmento indígena seguirá atuante na batalha contra o PL 490/2007, que foi enviado ao Senado e aguarda análise da Casa. “O PL já está tramitando pela Comissão da Agricultura, mas estivemos com o presidente [do Senado] Rodrigo Pacheco e ele se comprometeu a seguir os ritos sem atropelar o julgamento no STF”, emendou.
Edição: Rodrigo Durão Coelho