Contexto

Lula acerta ao falar em 'narrativa' contra a Venezuela, diz pesquisador venezuelano

Para cientista político, campanha internacional tenta esconder complexidade da crise do país

Caracas (Venezuela) |
Ao receber Maduro, Lula disse que "narrativa" foi construída contra a Venezuela - Ricardo Stuckert/PR

Ao receber o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, em Brasília na última segunda-feira (29), o mandatário brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), defendeu a reaproximação entre os dois países e criticou o que chamou de "narrativa" contra a nação vizinha.

Segundo o petista, existe um "preconceito" em relação à política venezuelana que envolveria visões negativas sobre a crise econômica e a democracia no país.

"O Maduro sabe qual foi a narrativa que construíram contra a Venezuela. [...] Eu vou a lugares que as pessoas nem sabem onde fica a Venezuela, mas sabem que lá tem um 'problema de democracia'", disse Lula.

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As falas do presidente foram criticadas por outros líderes sul-americanos, como os presidentes do Chile, Gabriel Boric, e do Uruguai, Luis Lacalle Pou, que alegaram que a crise no país vizinho não é "apenas uma narrativa". A oposição venezuelana de direita também atacou Lula pelas declarações.

Para o pesquisador Luis Javier Ruiz, cientista político venezuelano da Universidade de Los Andes (ULA), o presidente brasileiro acertou ao denunciar a existência de uma narrativa contra a Venezuela. Em entrevista ao Brasil de Fato, Ruiz afirma que o processo citado pelo presidente é real e tem como objetivo fazer da Venezuela "um mau exemplo para as esquerdas do continente".

"Foi construída uma narrativa contra a Venezuela, bastante obscura e negativa, que não só pretende atacar o sistema político venezuelano, mas também o próprio país. Vemos isso na onda de xenofobia contra nossos migrantes, especialmente em países como Peru, Chile", disse.

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Nos últimos dez anos, a Venezuela passou por uma crise econômica de grandes proporções, que reduziu o PIB do país em mais de 75%, gerou um quadro de hiperinflação e levou a uma migração massiva de venezuelanos.

A queda no preço do barril do petróleo golpeou duramente a economia do país que tem na indústria petroleira sua principal fonte de renda. A partir de 2017, sanções financeiras impostas pelos EUA impediram que Caracas tomasse empréstimos ou realizasse pagamentos internacionais. Dois anos mais tarde, em 2019, Washington fechou ainda mais o cerco e bloqueou a estatal energética venezuelana, a PDVSA, que ficou praticamente impedida de realizar negociações com outros países ou empresas.

Ruiz argumenta que a maioria das críticas e condenações que compõem a "narrativa" contra a Venezuela ignora todo esse cenário complexo por trás da crise.

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"A Venezuela é um espelho que eles construíram para utilizar como argumento, inclusive em suas próprias eleições, com esse eterno debate sobre quem governa melhor, se é a direita ou a esquerda. Sempre se utiliza a Venezuela como o pior exemplo da esquerda governando, sem levar em consideração todas as variáveis que levaram ao agravamento de todos os problemas econômicos que a Venezuela tem", diz.

O pesquisador ainda destaca que visões negativas e simplificadoras sobre a situação do país são veiculadas não somente por "porta-vozes dos Estados Unidos e das direitas latino-americanas e europeias". "Foram também alguns meios de comunicação, o cinema, as séries de televisão e inclusive a música, alguns artistas contribuíram para a legitimação de uma versão negativa e nociva sobre a Venezuela", diz.

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Chávez e a 'satanização' da política

Em coletiva de imprensa realizada na noite desta terça-feira (30), Lula voltou a falar sobre as críticas à Venezuela e amenizou as discordâncias com Boric e Lacalle Pou.

"O Maduro é um presidente que faz parte do nosso continente e houve muito respeito com a presença dele, inclusive com companheiros fazendo críticas. Não é a primeira vez que alguém discorda de alguém", disse.

O presidente, no entanto, insistiu na existência de uma "narrativa" contra a Venezuela e disse que a prática existia também com o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez.

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"Desde que o Chávez tomou posse, foi construída uma narrativa contra ele em que você determinou que o cara era um demônio. A partir desse momento, o mundo todo foi jogado contra ele", disse.

Lula chegou a comparar os ataques a Chávez ao período em que ele foi acusado de corrupção pela Operação Lava Jato e terminou condenado e preso pelo então juiz Sergio Moro.

"Foi assim contra o Chávez, foi assim comigo. As mentiras construídas, a quantidade de capas de revistas, de jornal, uma narrativa vendendo uma mentira que depois ninguém conseguiu provar", disse. 

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Para Ruiz, a onda de ataques contra a Venezuela atravessa os mandatos de Chávez e Maduro e podem ser explicadas "não somente de um ponto de vista dos valores democráticos, mas também pelas alianças que eles tentaram construir com Irã, Rússia ou China". 

"Essas parcerias são encaradas como negativas, os críticos dizem que o país deveria permanecer mais próximo aos EUA. É a partir daí que se constrói uma espécie de satanização da política na Venezuela", diz.

Edição: Thales Schmidt