Dia da África

Brasil retoma diplomacia com a África, exalta contribuições e estuda novos intercâmbios

Lula endossa seminário do Itamaraty sobre temas de interesse mútuo e exulta retomada das relações com o "Continente Mãe"

Brasília (DF) |
Reunido com representantes de países africanos, Lula quer superar velhas fórmulas nas relações com um continente "dinâmico" - Ricardo Stuckert

O continente africano foi celebrado nesta quinta-feira (25), Dia da África, e também durante toda a semana pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil, que promoveu seminários sobre vários assuntos de interesse comum aos dois lados do Oceano Atlântico. Além da importância dada à história e cultura africana no país, o objetivo foi aprofundar laços diplomáticos retomados após o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à presidência da República.

Além do ministro da pasta Mauro Vieira e da secretária-geral, Maria Laura da Rocha, a presença de Lula no encerramento do seminário ilustrou a importância que a África voltou a receber do governo federal. Em discurso, ele defendeu a retomada de projetos que tiveram sucesso no passado recente, como intercâmbios educacionais e de especialistas em agricultura familiar, assim como novas conexões visando o futuro.

“O relançamento da relação com a África é também um reencontro do Brasil consigo mesmo. Reafirmamos nosso profundo orgulho do papel central do continente na identidade nacional. (...) Podemos honrar nossa herança africana fazendo da promoção da igualdade racial um eixo contínuo, ligando políticas nacionais a atuação internacional do país”, disse Lula após almoço no Palácio do Itamaraty, em Brasília.

Desde segunda-feira, a sede do MRE sediou diversos painéis com temas considerados fundamentais para estreitar as distâncias entre os dois lados do Oceano Atlântico no sul global. Embaixadores, diplomatas e intelectuais de vários países africanos se somaram a uma comitiva brasileira bastante variada e técnica.

Ao longo da programação, as mesas abriram debates que avançaram desde os programas brasileiros de incentivo à produção agrícola e familiar até cooperações educacionais, acadêmicas e científicas, passando também por empreendedorismo, comércio e equidade de gênero. Princípios sobre as formas que os países dos dois continentes se enxergam e se projetam para o mundo também foram abordados, sem fugir de velhos preconceitos que ainda permeiam a sociedade brasileira.

Para a pesquisadora guineense Artemisa Odila, pró-reitora de Relações Institucionais da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (UNILAB), o Brasil ainda conserva uma visão homogênea com relação à África e se apega ao viés escravocrata. “Isso permeia várias literaturas brasileiras, falando da África a partir da escravidão. Nós já superamos essa parte. Nós estamos falando da África na sua dinâmica cultural, social e política, dentro das suas potencialidades. Hoje, uma África contemporânea. E trazer também dentro desse cenário de cooperação, a África que tenha algo para dar, não uma coitadinha”, aponta. 

Intercâmbios trazem benefícios mútuos

Moderadora em um dos painéis que tratou sobre o empoderamento feminino, a embaixadora Ana Paula Simões Silva, diretora do Departamento de África do MRE, defendeu os programas de cooperação já iniciados e ainda ativos junto aos países africanos. Segundo ela, o potencial de ampliação esbarra em obstáculos nas legislações brasileira e de cada país do continente irmão, o que não impede um novo impulso visando benefícios mútuos.

“Nós estamos voltando a pesquisar as possibilidades de cooperação na área educacional, na área científica e tecnológica. Há uma grande perspectiva com a zona de livre comércio africana, que representa um mercado de negócios de mais de 1 bilhão de pessoas, num continente que tem uma população muito jovem, com necessidade de educação e saúde. E quando a gente manda uma missão de uma universidade federal a algum país africano, os nossos técnicos também aprendem muito”, diz a diplomata, que reitera a principal matéria-prima nesses casos: “o saber”.

Segundo continente mais populoso do mundo, atrás apenas da Ásia, a África abriga uma enorme biodiversidade, além de culturas milenares, inovações tecnológicas e diferentes idiomas. Dar conta de tamanha variedade é um desafio para a diplomacia brasileira, que prevê investimentos em formação educacional para qualificar novos quadros. “É importante que se saiba que quando o Brasil faz projetos na África nós também aprendemos, é importante receber bem no Brasil os alunos e professores, e cientistas. É mais potencial e menos gargalo”, defende Ana Paula.

As diferentes missões diplomáticas que representam os 54 países africanos em Brasília tentam difundir as particularidades e demandas específicas, assim como os pontos em comum. Algumas dificuldades que tornam esse processo mais lento já são conhecidas, como a do idioma, conforme explica Abena Busia, embaixadora de Gana no Brasil.

“É claro que os países lusófonos já têm uma vantagem em termos de transações, populações, educação, porque a língua não é uma barreira. Nós temos notado isso. Falando por mim, eu sinto que os ganenses ficariam muito mais informados sobre o potencial e a importância do Brasil se o Brasil fosse um país anglófono [que falasse inglês], por exemplo”, argumenta.

Já para Eyana Edjaide, encarregado de negócios do Togo no Brasil, o novo mandato de Lula tem despertado o  interesse sobre novas possíveis iniciativas. “Para o meu país, estamos muito interessados na cooperação no Atlântico Sul e também queremos saber as novas perspectivas do Brasil em termos de cooperação em agricultura, comércio e tecnologias”, diz o togolês.

Brasil ainda precisa enfrentar o racismo

A Lei 10639, promulgada por Lula em janeiro de 2003, tornou obrigatório o tema “História e Cultura Afro-Brasileira” no currículo escolar. Apesar desse e outros avanços, os brasileiros, de modo geral, ainda desconhecem muitas das contribuições feitas pelos africanos que chegaram aqui desde o período da escravidão e também depois dela.

Mais da metade da população se declara afrodescendente em um país onde as heranças culturais da África são muito mais ricas e variadas do que o senso comum reconhece. Contribuições que vão muito além da capoeira, do samba ou de pratos típicos como a feijoada e o acarajé, mas que passam pela própria construção do país, a partir de conhecimentos sobre engenharia, arquitetura, literatura e outras áreas, incorporadas através da ancestralidade.

Para Artemisa, autora do livro África e Brasil: Diálogos Possíveis (2013), esse é um sintoma da dificuldade dos brasileiros em reconhecerem o próprio racismo, de que ela mesma diz ser vítima recorrente. Mas que vem à tona em casos como o do jogador Vinicius Jr., grave e seguidamente vítima de insultos racistas na Espanha.

“O Brasil também é um país de racismo. Nós africanos também sofremos racismo no Brasil como estudantes de cooperação internacional, como gestores, gestoras, mas o brasileiro quando é discriminado lá fora começa a dar ênfase ao racismo, à existência desse racismo. Mas nós vivenciamos na pele, no dia a dia, o racismo, a descriminação racial, a xenofobia”, destaca.

Assim como Artemisa, inconformada com julgamentos feitos pela cor da pele em pleno século XXI, Lula também defende que o racismo deve ser combatido de todas as formas possíveis. “Não toleraremos racismo nem contra brasileiros, nem contra africanos no Brasil. Por isso, repudiamos com veemência os ataques racistas que Vinicius Jr. e outros atletas vêm sofrendo reiteradamente”, encerra.

Edição: Rodrigo Durão Coelho