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Financiado pelo Rei do Arroz, presidente da CPI do MST cultiva estilo agressivo nas redes

Tenente Coronel Zucco é investigado pela PF por ordem do STF sob a suspeita de ter estimulado atos antidemocráticos

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |

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Deputado Tenente Coronel Zucco, propositor e presidente da CPI do MST na Câmara - Bruno Spada/Agência Câmara

Hoje presidente da quarta CPI do MST e deputado federal, o Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS) passou quatro anos discretos na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, mas se despediu com outro tom. No seu último pronunciamento, investiu contra o TSE, a imprensa e o Judiciário, exaltou Jair Bolsonaro e defendeu os golpistas que, acampados diante dos quartéis, pediam a intervenção das Forças Armadas contra a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.

Investigado pela Polícia Federal por ordem do STF sob a suspeita de ter estimulado atos antidemocráticos após o triunfo de Lula, usou da tribuna para reclamar da “criminalização da legítima liberdade de manifestação”.

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“O vitorioso não tem legitimidade”

“Se o processo eleitoral está desvirtuado ou marcado por dúvidas, sem esclarecimentos, então o vitorioso não tem a devida legitimidade”, discursou na despedida, atacando Lula e o resultado da eleição presidencial. Tudo isso em nome da “democracia e da liberdade” que estariam ameaçadas no Brasil não por conta de quem perdeu o pleito, mas pelos seus vencedores.

No entanto, em quatro anos, Luciano Lorenzini Zucco, sua graça, foi um parlamentar sem maiores arroubos político-ideológicos na tribuna ou nas proposições apresentadas. Seus projetos trafegaram por temas de saúde e de assistência social, além da defesa das chamadas escolas cívico-militares, da qual foi o proponente junto a Jair Bolsonaro. E, claro, militou pelo afrouxamento da vacinação e a abertura do comércio na pandemia.

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Dançando com a covid

No projeto de lei 1/2022, propôs a supressão da apresentação da carteira de vacinação por parte dos alunos das escolas públicas e privadas no momento da matrícula. A exigência seria, argumentou, “um ataque frontal à liberdade individual”.

É também de sua lavra a proposta de impedir o fechamento de casas comerciais durante a covid-19 sem reunião prévia com representantes dos empregadores e empregados. No auge da pandemia, seu PL 93/2021 advogou a liberação “de atividades de dança, bem como as aulas de música no formato individual”. Considerou as práticas como “essenciais para a população”, alegando que “a saúde mental dá sinais de alerta com o grave crescimento dos casos de depressão, ansiedade, surtos de desequilíbrio emocional e até mesmo suicídios” devido ao confinamento.

Zucco lembrou-se também das homenagens. Nomeou Santa Maria, na região central do estado e que abriga várias unidades militares, a “Capital dos Blindados”. Provavelmente para não provocar ciúmes, designou Canoas, na área metropolitana e sede de base aérea, a “Cidade do Avião”.

O ajudante de ordens do Mourão

“Ao contrário do Ruy Irigaray (PSL, depois cassado) e do Marcel Van Hatten (Novo), ele não criava caso”, compara um ex-colega no Parlamento gaúcho. “Era um cara do Mourão (general Hamilton Mourão, ex-vice-presidente, hoje senador). Na campanha, andava sempre colado no general. Parecia mais um ajudante de ordens do Mourão do que um deputado”, cutuca.

A expressão “um cara do Mourão” faz mais sentido quando se sabe que Zucco trocou o PL de Bolsonaro pelo Republicanos do vice, o que teria feito, segundo disse em entrevista, para “unir a direita”. Em quatro anos, o militar transitou por três legendas já que se elegeu pelo PSL. Também porque era um dos oficiais do Comando Militar do Sul quando Mourão era o comandante. Dali saiu para ser candidato em 2018.

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Zucco pertence à Turma 1996 da Academia Militar de Agulhas Negras (AMAN) onde travou amizade com o atual governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Seu irmão mais velho, Marcelo Lorenzini Zucco, é general e comanda a 1ª Brigada de Infantaria de Selva. Outro irmão, Rodrigo Lorenzini Zucco, pegou carona na popularidade do deputado federal e emplacou sua candidatura à Assembleia gaúcha em 2022 com o nome de “Delegado Zucco”, também pelo partido de Mourão.

Alguém que o conhece há décadas opina que o presidente da CPI não sabe lá muito da questão agrária, da importância da reforma, da história e da gravidade do problema da concentração da terra no país, sendo mais induzido pela demonização midiática do MST. “Por isso fala as asneiras que fala”, interpreta. “O Zucco é de direita, mas eu não o vejo como de extrema direita, digamos gado-gado, muito embora pareça ser”, considera.

“Luiz Inácio Corrupto da Silva”

Se no Parlamento Zucco não polemizava, nas redes a conversa era outra. Durante a campanha de 2022, em uma live com o também deputado estadual Gustavo Victorino, também do Republicanos, apareceu um Zucco diferente para descrever Lula como “criminoso” e “sempre condenado”.

Descrente das pesquisas que apontavam a preferência pelo candidato da oposição, a dupla disse que as pesquisas não tinham credibilidade, que Lula “não tem voto nenhum” e que não tinha coragem de sair à rua. Haveria até “compra de pesquisas eleitorais” pelo PT. Sem provas ou mesmo alguma defesa do argumento.

O parlamentar recatado entre seus pares muda de comportamento para apelidar o petista de “Luiz Inácio Corrupto da Silva”. No esquema “Um levanta e outro corta”, acusou Lula de desprezar “os valores da família, da fé e da pátria”.

Ataques a Leite e a Moro

No canal do hoje deputado federal no Youtube, Lula continua sendo o alvo, tachado de “um criminoso corrupto que hoje se tornou elegível”, diz Zucco. Ele afirma não entender como existem pessoas “que não acham que esse cara não deveria estar preso”. Sobram ataques à vacinação obrigatória, ao governador Eduardo Leite (PSDB), a Sérgio Moro (então ainda distante do bolsonarismo) que “traiu o presidente”, à lei Rouanet, à imprensa e ao STF que “tem tomado decisões absurdas”.

Na live “Brasil, Estado Policial”, deste ano, a dobradinha ataca outra vez. Para Zucco e seu parceiro, o Brasil está prestes a se tornar um “estado policial” como a Coréia do Norte. E exalta o armamentismo.

A pancadaria atinge o Senado e seu presidente Rodrigo Pacheco (PSD). O Senado precisa “criar vergonha na cara”. A casa é tida como omissa diante das decisões do ministro Alexandre de Moraes e do STF. Victorino acusa a corte de ser “um balcão ideológico” e sugere “impicha um (no STF) que eles param”.

“Esse palhaço do Zucco”

Eleito na avalanche bolsonarista de 2018, Zucco chegou ao Legislativo gaúcho pela legenda do PSL a bordo de 166.747 votos, a maior votação no estado. Porém, mal sentara na sua cadeira quando trombou com uma encrenca.

- Esse palhaço do Zucco, aí, quem ele tá pensando que é? Tá na rua, o Zucco tá na rua. Sanderson também. Tão tudo fora, tá? Deixa que nós vamos ajeitar tudo isso aí, fica tranquilo. Te falei. Esses palhaços aí se deram mal, tão fora, desmoralizados agora, tá bom? Abraço.

Esta verve toda é do então manda-chuva do PSL no estado, o apresentador de TV e deputado federal Bibo Nunes (PL). O áudio de uma conversa pelo Whatsapp vazou e foi parar nas páginas dos jornais. Os “palhaços” no dizer de Nunes eram Zucco e o também deputado pelo PSL, Ubiratan Sanderson. Na marra, Nunes resolveu remover Zucco da presidência da executiva regional expondo um racha violento em 2019.

- O Zucco tá fora, não é mais o presidente, tá fora! Ele, o Sanderson, todos, tão fora, foram expulsos, não estão mais na executiva, tá.

Conhecido pelo espalhafato, Nunes trazia experiência no ramo de cortar cabeças no PSL. Inventada presidente estadual por Onyx Lorenzoni e Bolsonaro, a lojista Carmen Flores foi decapitada após aplicar parte das verbas do fundo partidário para mobiliar a sede do partido com móveis comprados na sua própria loja.

Na fogueira de vaidades do bolsonarismo raiz, Nunes e Zucco eram possíveis candidatos à Prefeitura de Porto Alegre em 2020, candidaturas que não vingaram.

Zucco desembarcou no Congresso em 2023 como recordista na preferência eleitoral no Rio Grande do Sul. Conquistou 257.975 votos. É uma carreira meteórica desenvolvida em apenas quatro anos.

Filho de um sargento do exército, nasceu em Alegrete, na Campanha gaúcha. Depois, pela transferência do pai, a família se mudou para São Gabriel da Cachoeira/AM. No retorno, Zucco cursou o Colégio Militar, em Porto Alegre, onde, já formado, foi professor de educação física.

Na cidade natal, obteve somente 5,64% dos votos em 2022. Sua votação mais expressiva ocorreu em cidades com fortes guarnições militares. Foi o segundo mais votado em Porto Alegre (48.536 votos), Canoas (11.064) e Santa Maria (9.418).

O homem do dinheiro

A campanha de Zucco foi bancada principalmente por verba partidária, mas, entre os doadores individuais, o maior foi o empresário Celso Rigo, da Pirahy Alimentos, que produz o arroz Prato Fino, além das marcas Bem Solto e Sempre & Bom.

Zucco recebeu R$ 60 mil de Rigo, como demonstra o site divulgandcontas.tse.jus.br. Generosidade maior de Rigo ocorreu somente com Mourão, então candidato ao Senado, aquinhoado com R$ 118,3 mil. Prova de fidelidade, o arrozeiro foi também o maior doador individual de Zucco em 2018. Irrigou com R$ 30 mil sua campanha para deputado estadual.

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Dono de fazendas em São Borja, na região das Missões, Rigo enriqueceu na indústria e comércio do grão. Começou em 1975 e hoje é dono de uma gigantesca planta de beneficiamento, sem contar suas fazendas que somam 11,5 mil hectares, o que equivale a quase 14 mil campos de futebol, onde pastam cerca de sete mil cabeças de gado de alta linhagem. É o que relatou em longa entrevista à Zero Hora.

A prosperidade da empresa sofreu certo arranhão em 2021 quando uma postagem no Twitter de Fábio Rigo, filho do bilionário, causou alvoroço.

Nela, o herdeiro da Pirahy, em meio à pandemia, desfechava um ataque violento ao Sistema Único de Saúde, o SUS, aos cuidados para enfrentar a emergência sanitária e à necessidade da imunização. Jactava-se de ter adquirido a doença e nada ter sofrido, o que alardeava com a ênfase do palavrão.

“Prefiro o covid do que essa merda de vacina”

"Quero mais que [o SUS] seja vendido. Quem pode mais chora menos. Lei da selva. Tive covid e não me fez cócegas. Prefiro o covid do que essa merda de vacina”, tuitou.

O post correu como um rastilho nas redes e provocou repulsa imediata. Logo, surgiram as propostas para um boicote ao Prato Fino. Coincidência ou não, imediatamente Fábio Rigo correu a informar que sua conta teria sido invadida.

“Tive a conta do Twitter hackeada hoje à tarde, fato que está causando bastante transtorno. Estamos tomando as devidas providências. Já peço desculpas de antemão", publicou no Instagram. Seu perfil no Twitter foi desativado e a Pirahy também soltou uma nota tratando o episódio como um ataque hacker.

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Para quem não lida com negócios e política, o homem do arroz desfruta de certo conceito por suas investidas no futebol. Celso Rigo tem sido parceiro do Grêmio em contratações de impacto como as do meia Giuliano, hoje no Corinthians, e do atacante equatoriano Miller Bolaños, atualmente no Emelec, com participação também nas vindas recentes do volante uruguaio Carballo, do meia argentino Cristaldo e do atacante Luis Suárez.

Na terra do benfeitor do tenente coronel, seus votos não foram tão fartos. Zucco foi o sexto mais votado, somando 4,40% da votação. Chão de Getúlio Vargas e de João Goulart, a trabalhista São Borja deu 16 pontos de vantagem a Lula sobre Bolsonaro. Também triunfaram os concorrentes petistas ao governo estadual Edegar Pretto, e ao Senado, Olívio Dutra. Lá, como dizem os gaúchos, foi uma vitória de rebenque em pé.


Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Katia Marko