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Coluna

Até quando vocês vão falar em "mimimi"?

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Vinícius Júnior reage a insultos racistas de torcedores do Valência durante jogo da Liga de Futebol da Espanha - Foto: Jose Jordan/ AFP
Não existe outro jogador que tenha sido mais perseguido do que Vinícius Júnior

*Luiz Ferreira


O grande Mauro Beting disse muito bem. Não existe outro jogador que tenha sido mais perseguido do que Vinícius Júnior nesses últimos anos. Sério mesmo. Além das alcunhas impublicáveis que recebeu de gente que hoje paga de “desconstruído” e “progressista” em certos canais de TV por assinatura quando ainda jogava aqui no Brasil, o atacante do Real Madrid sofre todo santo dia com o racismo descarado na Espanha.

Mas eu não quero falar dele. Todos vocês viram o que aconteceu no último domingo (21) na derrota do Real Madrid para o Valencia em jogo válido pela 35ª rodada do Campeonato Espanhol. Todos vocês sabem que Vini Jr foi xingado de “macaco” por quase todo o Mestalla e que ainda levou um cartão vermelho sem muita explicação depois de sofrer o que sofreu em campo. Pela enésima vez, diga-se de passagem.

Nada justifica a postura da torcida do Valencia. E nada é mais mesquinho e mais nojento do que a postura do senhor, se é que posso chamá-lo assim, Javier Tebas, presidente da La Liga, organizadora do “Espanholão”. Sim, amigos, é revoltante. Mas, em se tratando do que estamos vendo na Europa nesses últimos anos, não surpreende ninguém.

O que me surpreende é que ainda tem gente, se é que posso usar esse termo, falando em “mimimi”, colocando a culpa na vítima e tratando esse e outros episódios lamentáveis de racismo como “algo menor”.

Se você não acredita, deixe essa crônica de lado por alguns minutos e pesquise no Google sobre racismo e xenofobia no futebol no Velho Continente nesse momento. Pode ir que eu espero de boa. Você vai se deparar com vários e vários casos escabrosos envolvendo os chamados “torcedores ultras” de clubes famosos de quase todos os países do continente.

Quase todos esses “ultras” têm alguma ligação com algum partido ou movimento de extrema direita lá naquelas bandas.

Sabe aquela galerinha que “defende a moral e os bons costumes”, mas que adora bater palma pra cosplay de Mussolini e de Hitler disfarçado de comediante? Então, é esse povinho aí…

Lembram do paspalho do Javier Tebas, presidente da La Liga? Vocês sabiam que esse cara que apontou o dedo para Vinícius Júnior é apoiador do VOX, um dos partidos de extrema-direita mais fortes da Espanha? Sente a “plataforma” que esse Partido Zé Ruela defende:

- Proibição da entrada de imigrantes na Espanha;
- Fim das leis que protegem mulheres de agressão;
- Proibição do casamento gay;
- Implementação da vida católica para todos os cidadãos espanhóis.

Em tempo: eu gostaria muito de saber o que aconteceu com aquela galera que jura de pé junto que política e futebol não se misturam. Será que perderam o sapatênis e sumiram das redes sociais?

Eu nem vou falar do que o porta-voz do Valencia falou sobre o assunto. Os caras tiveram a coragem de falar em erro de tradução, bicho. O Mestalla quase todo xingando o Vini Jr e eles me colocando a culpa na vítima. No cidadão que era o alvo dos insultos racistas. Chega a dar úlcera de tanta raiva.

Mas o que mais me deixa revoltado é saber que ainda tem gente aqui no Brasil passando pano. Dizendo que “faz parte do futebol” e apontando o dedo para Vinícius Júnior e suas dancinhas. Engraçado que o francês Griezmann, atacante no Atlético de Madrid, cansou de fazer uma série de coreografias de TikTok depois de fazer seus golzinhos e nunca ouviu um pio dessas mesmas pessoas.

A gente sabe bem qual é o nome disso não é, pessoal?

Metam uma coisa na cabeça, meus queridos. A La Liga não é omissa. Ela é conivente e quase um agente propagador do racismo no futebol espanhol. Ela, a União das Federações Europeias de Futebol (UEFA) e a Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA) acabam se transformando em farinha (estragada) do mesmo saco por simplesmente sentarem em cima do problema e fingirem que está tudo bem. “The show must go on”, dizem eles. E não vemos nenhuma atitude séria, nenhuma medida que combata realmente o racismo dentro e fora de campo. É hastag pra lá, bandeirinha pra cá, muito papo furado, muita florzinha, muita campanha nas redes sociais e muito pano passado pra racista seguir sendo racista de maneira impune.

Proíbam o público. Multem. Tirem pontos. Rebaixem. Eliminem essas equipes dos campeonatos. Façam alguma coisa pelo amor de Deus, mas não deixem o racismo vencer.

E não me venham com essa conversa fiada de que não se pode punir os clubes pela atitude dos seus torcedores. Não se esqueçam de que tem muito clube aí que já usa reconhecimento facial, impressão digital, reconhecimento por voz, leitura de pensamento e o caramba pra vender ingresso e “experiências” para seus torcedores.

Basta entrar no YouTube e procurar as imagens do ocorrido no Mestalla. É só ver o setor e as cadeiras onde os paspalhões estavam e punir todo mundo. Multinha, processo na justiça e banimento perpétuo. Pronto. E que voltem pro esgoto de onde nunca deveriam ter saído.

Só que a gente sabe que esse não é interesse de quem manda no futebol. Afinal de contas, é menos gente consumindo, é menos gente gerando engajamento e menos gente deixando o estádio cheio. Tudo para que a roda não pare de gerar dinheiro. Nem que seja na base da propagação do racismo, da homofobia e da misoginia.

Sobre Vinícius Júnior, eu espero sinceramente que ele não abaixe a cabeça. Seja no Real Madrid, na Seleção Brasileira ou onde quer que esteja jogando. Que ele siga bailando e driblando seus adversários com a alegria de sempre. Eu sei que é duro, que é difícil e que é revoltante. Mas espero que ele saiba, de coração, que estamos com ele nessa batalha.

Confesso que eu não curto muito a ideia dele sair do Real Madrid. Por que raios é sempre a pessoa que sofreu racismo que tem que se retirar dos lugares?

Por que diabos o futebol continua sendo um ambiente absurdamente hostil? Por que ainda queremos que Vini Jr e outros jogadores pretos tomem a frente das coisas? A gente tem é que cobrar da La Liga, da FIFA e do raio que o parta as condições pra que todos possam jogar futebol. Chega dessa de mártir. Tá na hora de todo mundo combater esse câncer com todas as nossas forças.

E se você, meu amigo, ainda acha que tudo o que foi falado aqui não passa de “mimimi”, só tenho a dizer que você é tão paspalho quanto o “senhor” Javier Tebas. Talvez até mais, porque nem depois de quatro anos sendo governado pelo mais puro "estrume da Humanidade" fizeram você mudar de ideia e rever seus conceitos.

Que Vini Jr siga bailando. E que os racistas não recebam nada além da punição que merecem.

*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Jaqueline Deister