O Brasil atuou no G7 como uma força contestadora à tentativa dos países do capitalismo avançado de fortalecer seu domínio sobre o mundo. Lula deixou claro, por exemplo, que o fórum de debate deveria ser o G20, onde os países do Sul global participam em pé de igualdade – lembrando que o Brasil estará na presidência rotativa do G20 a partir de dezembro desse ano. Para Lula, as decisões deveriam ser tomadas em fóruns multilaterais das Nações Unidas, em particular no Conselho de Segurança. Nessa tarefa, Lula encontrou um aliado no secretário geral da ONU, Antônio Gutierrez, que fez uma fala parecida.
Para bom entendedor, Lula questionou a legitimidade do G7 de se colocar como “líder do mundo” e verbalizou uma aposta em “alianças excludentes e de falsos conflitos entre civilizações”, em detrimento da cooperação internacional necessária para resolver os problemas mundiais como às crises ambientais, a segurança alimentar, as pandemias e a paz. O presidente ainda questionou a sinceridade do G7, ao enfatizar, por exemplo, que as promessas de reformar a arquitetura financeira, assumidas pós-crise 2008, foram abandonados para deixar a economia real, do trabalho e da renda, a mercê dos interesses dos setores financeiros. Fez uma enfática defesa de colocar o setor financeiro a serviço da produção. Há de se observar que isso não deve ser entendido somente como um recado para os membros do G7, mas também para a plutocracia brasileira e seus defensores no Banco Central.
Lula também colocou o dedo na ferida ao questionar o abandono das vítimas de múltiplas guerras e violências, como Iêmen, Palestina, Síria e, de forma implícita, a prioridade absoluta a guerra na Ucrânia. Questionou ainda a dificuldade dos países do G7 de cumprir os compromissos assumidos de ajuda financeira aos países pobres e combate à crise climática.
Lula reforçou que era preciso falar de forma implícita, nas entrelinhas e nos gestos não verbais. A impressão, porém, é que os líderes do G7 não estavam mais focado na sua própria agenda e fizeram ouvidos moucos enquanto a opinião púbica nos países do G7 são chamados a se indignar, com uma suposta indisposição de Lula de se encontrar com Zelensky. Todos os mandatários do G7 gostam de Lula, reconhecem sua liderança e carisma, gostam de estar na foto com o presidente, mas esperam que ele se limite à agenda que interessa também a eles.
Cabe mencionar ainda a importância do encontro bilateral com Fumio Kishida, primeiro-ministro do Japão e anfitrião responsável pelo convite aos países não-membros do G7. Vale reforçar que o Brasil é o país com a maior comunidade nipônica fora da Ásia e que o Japão é um país com potencial de influenciar a dinâmica da rivalidade entre China e os EUA no Indopacífico.
Isso tudo só reforça o desafio da presidência do Brasil do G20, uma oportunidade para aprofundar suas posições em articulação com os demais países do Sul Global.
* Giorgio Romano Schutte, professor de Relações Internacionais e Economia da Universidade Federal do ABC e membro do Observatório da Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil (OPEB)
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Sarah Fernandes