No dia 9 de maio, a plataforma de mensagens Telegram disparou uma mensagem com conteúdo distorcido sobre o PL das Fake News, alegando supostamente que“(sic) o Brasil está prestes a aprovar uma lei que irá acabar com a liberdade de expressão” e que o governo passaria a deter “(sic)poderes de censura sem supervisão judicial prévia”. Tal ato sinaliza, para além do desrespeito aos processos democráticos e às autoridades do país, uma posição de interferência direta em assuntos cujo protagonismo deveria ser da população, que é a mais afetada pela questão, e não dos interessados na falta de regulação.
Vemos em esforços que estão sendo tomados pelo atual governo contra a escalada de violência nas escolas, por exemplo, que o funcionamento das redes sociais interfere diretamente nas vidas da população. Derrubaram-se recentemente 765 perfis nas redes sociais dedicados a reproduzir ódio, o que sugere que a proliferação de sites, postagens e comunidades com conteúdo de violência estão diretamente ligados ao aumento de ataques. Desvelar o que torna tais conteúdos tão atrativos é um desafio. Porém, como já descrito em “Shen Yun: o absurdo sedutor”, os discursos de violência se disfarçam com bela roupagem e excelentes recursos de edição e tecnologia, sem contar o vasto maquinário de impulsionamento pago nas redes sociais e voluntários dedicados ao compartilhamento desse conteúdo.
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Nesse sentido, destacamos os esforços da antropóloga Adriana Abreu Dia, que se dedicou a estudar o comportamento online de neonazistas em fóruns, sites e em comunidades como Twitter e Facebook e que contribui de forma sólida ao debate. Em sua tese de doutorado intitulada “Observando o ódio: entre uma etnografia do neonazismo e a biografia de David Lane”, Adriana Dias explica que descobriu, por exemplo, que a cada 8 segundos são postados, no Twitter, mensagens em português contra negros, pessoas com deficiência ou LGBTs. Sua pesquisa, porém, não se resumiu à análise da internet acessível publicamente, mas também à deep web (“internet profunda” ou “internet invisível”) cujo acesso realizou através do navegador Tor, com auxílio de softwares de análise de dados como N-Vivo e Ghepi. Nela, encontrou vasto material racista, homofóbico, misógino e violento, o que nos alerta quanto à necessidade de monitoramento não só nas redes sociais mais conhecidas e de fácil acesso, tais quais Facebook, Instagram e Twitter, como também as redes de acesso restrito.
O PL 2630/2020
O Brasil precisa urgentemente debater esse assunto. A proposta defendida pelo Ministro da Justiça e Segurança Pública Flavio Dino, de regulamentar a internet por meio do Projeto de Lei 2630/2020, cujo texto integral pode ser acessado aqui, pode representar um avanço contra a violência que vivenciamos atualmente. Iniciativas assim já estão sendo tomadas em outros países, como na Alemanha, onde o Ministério da Justiça, aplicando a legislação do país, processa o Twitter por não ter tomado medidas efetivas contra conteúdos ilegais que incitam ódio, ameaças, antissemitismo e difamação. Caso condenada, a plataforma de Ellon Musk deverá pagar uma multa no valor de 50 milhões de euros (em torno de R$ 273 milhões).
O PL apresenta adequadamente a legítima preocupação com a internet de superfície, porém não é certamente a bala de prata que resolverá todos os problemas envolvendo o ódio, as mentiras e os ataques à democracia que observamos atualmente, sendo que outras soluções adequadas deverão ser planejadas e executadas. Estamos apenas no início da construção de um marco regulatório e as iniciativas defendidas pelo ministro de Justiça Flavio Dino, nesse sentido, devem ser apoiadas pela população que é a mais afetada pela falta de regulação.
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A falsa dicotomia entre o direito à liberdade de manifestação e a regulação das redes sociais
Um dos principais argumentos contrários utilizados contra o PL 2630/2020 é o de que supostamente violaria o direito à liberdade de manifestação do pensamento, o que devemos refutar. A Constituição da República assegura, no rol de direitos fundamentais, a livre manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. Quer dizer, o texto maior, que estrutura e circunscreve todo nosso ordenamento jurídico, é cristalino ao relacionar o direito de liberdade de se manifestar à responsabilidade daqueles que se manifestam. E é nesse sentido que entendemos que o projeto de lei das fake news acertadamente instituirá a responsabilização das redes sociais pelo compartilhamento de conteúdo falso e violento. Não bastasse lucrar com uma forma totalmente nova de exploração – estamos a todo tempo sequestrados em suas redes, produzindo e consumindo conteúdo sem qualquer remuneração –, as redes sociais se insurgem contra algo que nos é exigido todos os dias: a responsabilidade social.
Entendemos o argumento de que é necessário diálogo e aprofundamento das discussões, porém ao nos vermos diante dos efeitos que essa desregulação devastadora tem causado, não há opção se não nos posicionarmos contrariamente à falta de regulamentação. As redes sociais já se beneficiam com suas atividades, comercializando nossos dados e nos usando como audiência para publicidade, e já passou da hora delas contribuírem com a sociedade. No mínimo – e precisaria ser de seu interesse –, deveriam se preocupar com a segurança e bem-estar de seus usuários. Precisamos dar um basta à violação de direitos provocada pelo uso irregular e irresponsável das redes sociais, o que envolve a responsabilização de todos os envolvidos, inclusive das big techs. O caro valor que a liberdade encerra em nosso ordenamento jurídico não deve ser fundamento para que a cada 8 segundos a dignidade de alguém seja violentamente ofendida nas redes sociais.
*Ketline Lu é advogada, formada pela Universidade Federal do Paraná e especialista em Direito Constitucional e Direito Ambiental.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
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Fonte: BdF Paraná
Edição: Lucas Botelho