A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que vai investigar as atividades do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi formalmente instalada nesta quarta-feira (17) na Câmara dos Deputados. Um dos principais cargos da comissão, o de relator, ficou nas mãos do deputado federal Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro do Meio Ambiente no governo de Jair Bolsonaro (PL).
Articulada por partidos de oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a CPI foi instalada a pedido do deputado bolsonarista Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS), com justificativas pouco fundamentadas. Segundo o proponente, que será presidente da comissão, a investigação pretende descobrir "o verdadeiro propósito" do MST, os financiadores do movimento e a situação atual de propriedades que foram ocupadas.
A sessão de instalação deu o tom do que promete ser a CPI. A lista de integrantes, titulares e suplentes, conta com cinco deputados que usam patentes militares junto a seus nomes, contando o próprio Zucco, e outros três que se apresentam como "delegado" ou "delegada". O grupo tem ainda outros nomes alinhados ao bolsonarismo, como Kim Kataguiri (eleito vice-presidente da comissão).
A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), uma das integrantes da comissão indicada por partidos de esquerda, chegou a pedir o impedimento da nomeação de Ricardo Salles como relator devido às acusações de crimes às quais ele responde, mas o pedido foi negado por Zucco.
"Ele [Salles] quer criminalizar um movimento social, sendo que ele praticamente já tem um relatório pronto. Nas declarações que deu à imprensa, já tem uma série de conclusões sobre o que é o MST. Já disse, inclusive, que eles devem ser criminalizados. Nem começou a fazer o inquérito, não começaram as apurações", disse Sâmia na sessão de instalação.
O prazo previsto para os trabalhos da Comissão é de 120 dias. As atividades começam formalmente nesta quinta-feira (18) e, a princípio, devem ser concluídos até setembro. As reuniões devem acontecer duas vezes por semana, às terças e quintas-feiras.
:: Entenda por que quando o MST faz uma ocupação não é o mesmo que invasão ::
Apesar de tentarem dar um verniz de isenção à investigação, os parlamentares de extrema-direita tentarão usar a CPI para desestabilizar o governo Lula. Integrantes da base aliada e apoiadores se mobilizam para usar o espaço da CPI para apresentar à sociedade a verdade e derrubar mitos e notícias falsas que circulam a respeito do movimento.
"A CPI sempre tem características de ser, por um lado, um palco em que muitos parlamentares buscam apenas aparecer para a imprensa, outros usam esse palco para falar para suas bases. Então, a extrema-direita vai criar vários factoides para botar nas suas redes sociais", disse João Pedro Stédile, integrante da direção nacional do MST, ao Brasil de Fato.
Segundo noticiou o jornal O Globo, integrantes da bancada de extrema-direita se articularam para convocar primeiramente a depor na CPI oito dirigentes regionais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, que assumiram os cargos com apoio do MST.
Os pedidos de instalação da CPI - a quinta contra o movimento em 20 anos - foram feitos desde o início da nova legislatura do Congresso Nacional. Os pedidos se intensificaram após as ações do último mês de abril, quando houve ocupações realizadas pelo MST em diversas partes do país - sempre de forma pacífica e sem qualquer registro de violência.
"Sempre é um espaço de muita confusão, porque, em geral, eles pedem quebra de sigilo bancário, correio eletrônico, telefone, mas nós não estamos preocupados, porque nós vamos querer pautar, na CPI, os crimes do latifúndio, os crimes ambientais, crimes do agrotóxico, crime do trabalho escravo, e tentar fazer do limão uma limonada", complementou Stédile.
A instalação da CPI foi criticada por juristas. A Associação Juízas e Juízes para a Democracia (AJD) divulgou, no início de maio, uma nota de solidariedade ao movimento e suas lideranças por conta da aprovação das investigações.
De acordo com a AJD, a CPI tem "duvidosa constitucionalidade", pois foi instaurada "sem fato determinado e com a indevida finalidade de 'investigar' pessoa jurídica de direito privado". A iniciativa "é mais um passo no processo protagonizado pela direita neoliberal de perseguição, descrédito e demonização dos movimentos sociais".
Edição: Thalita Pires