Nos últimos meses todo o país tem se espantado com a explosão no número de ataques a escolas. Só em 2022 e 2023, a quantidade de atentados no ambiente escolar supera o total registrado nos 20 anos anteriores, de acordo com uma pesquisa o Monitor do Debate Político da Universidade de São Paulo (USP).
No Rio de Janeiro, como resposta a esse tipo de violência, o governador Cláudio Castro (PL) estabeleceu um treinamento que será dado por policiais militares para professores lidarem com situações de risco nas escolas, através de uma parceria da Secretaria de Estado de Educação e a Secretaria de Estado da Polícia Militar.
No entanto, é consenso entre especialistas na área de segurança pública e educação que essa seja a melhor solução para acabar com a violência nas escolas.
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Para o antropólogo e professor do curso de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), Lenin Pires, a polícia militar “está longe de ser a instituição mais qualificada para ensinar os professores a lidarem com conflitos”.
“É inegável que o ambiente escolar tem muitos conflitos e uma série de intercorrências que merecem administração cuidadosa e profissional. Considerando o que se passa na nossa sociedade no tocante a outros conflitos e outros ambientes não é a polícia a instituição qualificada para treinar ninguém e nem opinar em nada a respeito disso na escola. Uma polícia que oferece dados em que nos últimos cinco anos é a responsável pela morte de uma média de 1100 pessoas por ano, não é capaz de treinar ninguém para evitar que isso aconteça no ambiente escolar”, afirma Lenin.
Ainda de acordo com o pesquisador, é preciso repensar a estratégia para evitar que ataques em escolas continuem acontecendo. “É necessário que o ambiente governamental tenha a iniciativa de procurar profissionais qualificados para diagnosticar os problemas envolvendo bullying e buscar junto aos professores soluções que sejam palpáveis de acordo com o ponto de vista dos professores e não da polícia”, reforça.
Já o professor da rede pública do Rio e coordenador do Laboratório de Pesquisa e Iniciação Científica (LEPIC), Marcos Veríssimo, vê com muita preocupação o plano do governo do estado, pois “a maioria dos estudantes das escolas públicas vivem em lugares que estão sempre tendo conflitos com a Polícia Militar”.
“A Polícia Militar tem dificuldade de lidar com os conflitos da violência urbana, eu fico um tanto preocupado que tenham tido ideia de chamar justamente a polícia. Acho que o grande problema é que para administrar conflito é necessário que o ator responsável por administrar esteja fora do conflito, o que acontece no Rio de Janeiro é que a PM já é parte do conflito. Se a polícia soubesse lidar com conflitos, não estaríamos onde estamos”, diz Veríssimo.
De acordo com o professor, um plano para combater a violência no ambiente escolar só vai funcionar se incluir cuidados com a saúde mental de todos. “No LEPIC, temos vários alunos de várias escolas participando e uma coisa que a gente vê é que é muito grande o número de estudantes que escolhe justamente a saúde mental como tema de pesquisa, isso mostra que é um tema gritante e que atravessa a própria polícia também”, finaliza.
Já Lenin acredita que a recente alta nos números de ataques em escolas tem ligação direta com os ataques à democracia vistos nos últimos anos propagados pela extrema direita.
“A gente percebe no Rio de Janeiro, por exemplo, que há policiais que fazem parte desse tipo de orientação, então como uma instituição que aceita que seus profissionais participem desse tipo de movimento contrário à democracia, quer dizer, elas são de certa forma permeáveis a esse tipo de orientação, então pergunto eu com que moral essa instituição pode dizer que irá treinar alguém para lidar com um fenômeno que de certa forma tem aderência com valores que são propagados dentro da própria corporação?", questiona.
O treinamento para os professores teve início na última quarta-feira (10) em uma escola pública de Duque de Caxias, na baixada fluminense. O Brasil de Fato RJ entrou em contato com o governo do estado para pedir mais detalhes do projeto, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.
Edição: Mariana Pitasse