Rio de Janeiro

JUSTIÇA?

Artigo | Dia das mães sem filhas e filhos? A injustiça da Lei de Alienação Parental

Dados são preocupantes e peritos da ONU já apelaram ao Governo Federal pela revogação da Lei Federal 12.318/10

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Origem da LAP se encontra no conceito de “síndrome de alienação parental”, cunhado por um perito judicial e psiquiatra estadunidense que emitia pareceres em favor de homens acusados de abusos sexuais e e contra “mães ressentidas” e “desequilibradas” - Maia Rubim/Sul21

No dia 8 de março deste ano, dia internacional de luta das mulheres, recebi a notícia que uma jovem mãe teve sua prisão civil decretada por não pagamento de pensão alimentícia, e fui ao presídio prestar solidariedade e oferecer apoio.

Na Justiça, ela perdeu a guarda e foi afastada temporariamente do convívio presencial de uma de suas filhas, com a intervenção de peritos psicólogos. Embora seja estudante, com renda mensal de um salário mínimo e pior condição financeira que o genitor, foi condenada a pagar pensão alimentícia. O parcelamento da dívida que se somava a cada mês não lhe foi concedido.

Não há como compreender a decretação de sua prisão, a não ser como parte de um escalonamento da violência de gênero que temos visto em decisões do Poder Judiciário, ainda hoje um instrumento do poder e da opressão patriarcal.

Ela foi solta um dia após sua prisão, pela mobilização da sociedade civil, que levantou recursos para o pagamento da dívida injusta, e da atuação de organizações de direitos humanos e advogadas populares. Ainda hoje, ela resiste aos processos na Justiça e a dor da ausência e da impossibilidade de cuidar de sua própria filha.

Há dor mais profunda para uma mãe do que não poder criar ou ver sua filha? Nesse dia das mães, esse caso triste nos leva a refletir sobre a Lei de Alienação Parental (LAP) e o sofrimento imposto às mães e seus filhos e filhas no que podemos denominar de verdadeiro lawfare antigênero.

A origem da LAP (Lei Federal 12.318/10) se encontra no conceito de “síndrome de alienação parental”, cunhado por Richard Gardner, um perito judicial e psiquiatra estadunidense que emitia pareceres em favor de homens acusados de abusos sexuais e de práticas de pedofilia, arguindo que “mães ressentidas” e “desequilibradas” criariam falsas memórias nas crianças para aliená-las de seus pais. A suposta síndrome nunca foi reconhecida oficialmente por nenhuma organização séria de saúde. Mas, impulsionou no Brasil a discussão sobre “atos de alienação parental”, com um forte lobby de entidades de direito privado no Congresso Nacional.

Os defensores da LAP alegam uma suposta defesa das crianças e adolescentes na manutenção de um núcleo familiar. Ocorre que, após mais de uma década de sua promulgação, não há dúvidas de que sua aplicação vem impondo injustiças e violências a mães e crianças. A LAP tem servido não só para desacreditar denúncias de mulheres contra violências e abusos sexuais às crianças, mas para perpetuar relações de opressão entre genitores e mães, mesmo após a ruptura do ciclo de violência doméstica.

Nos últimos anos, houve uma intensificação na luta de movimentos de mulheres e de mães contra a LAP. Durante a pandemia da covid-19, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) detectou um alto crescimento de processos de alienação parental no Brasil. Em 2020, foram 10.950 ações em todo o país, um crescimento de 171% em comparação com o ano anterior.

Os dados são preocupantes e peritos da ONU já apelaram ao Governo Federal pela revogação da LAP e de qualquer conceito análogo a “alienação parental”. Nesse sentido, tramita na Câmara dos Deputados o PL n.° 2812/2022, de autoria das deputadas Sâmia Bomfim, Fernanda Melchionna e Vivi Reis do Psol que propõe revogar a LAP. 

É urgente a nossa mobilização pela revogação dessa lei que permite que mães sejam patologizadas e tenham seus filhos e filhas arrancados de seus braços, chegando ao ponto de perder até mesmo sua liberdade, como foi o caso da mãe que acompanhamos no 8M. Nesse dia das mães, bradamos pelas mães e as crianças: Revoga LAP Já!

* Luciana Boiteux é advogada, professora licenciada da FND/UFRJ e vereadora no Rio de Janeiro pelo Psol.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Eduardo Miranda